sexta-feira, 3 de abril de 2009

DESENCANTO


Já relatei inúmeras vezes a quantidade de detratores do Cine-Gomorra que me cerceavam. Alguns deles diziam que o evento era fútil e que só contribuía para que eu me tornasse progressivamente hedonista. Outros reclamavam que, ao me enfurnar mais e mais naquela casa coletiva, eu estaria abdicando das atenções de pessoas que realmente me amavam “do lado de fora”. Um terceiro alegou que esta sessão (e minha concomitante empolgação com a mesma) só duraria até a implantação do sexo entre amigos, que a suposta “liberdade gomorrense” não resistiria a um cotejo com sentimentos (para)penetrativos mais intensos. Eu, por minha vez, desdenhava de todos estes conselhos – alguns sinceros, outros puramente invejosos – e fiava-me, confiantemente, no fato de que, em toda e qualquer coisa que eu já tenha participado até hoje em minha vida, o Cine-Gomorra era algo que nunca tinha sido interrompido. Não importa o que estivesse acontecendo no mundo (festas em excesso, Natal, Ano Novo, Carnaval, feriados religiosos, etc.), o Cine-Gomorra estava lá toda quinta-feira, disposto a receber quem quisesse, nem que fossem apenas três pessoas ou um grupo de seres amistosos e barulhentos que aproveitavam o evento para encontrar quem lhes aprazia. Ontem, aniversário de uma de minhas sobrinhas, não houve Cine-Gomorra. A concorrência com uma péssima Calourada Integrada organizada pelo DCE boicotou o evento de que tanto precisava para sobreviver. Meu mundo caiu!

Alguns gomorrentos já tinham me avisado que talvez isto acontecesse, visto que as pessoas envolvidas estavam demasiadamente empolgadas com a tal calourada, em virtude, especialmente, do concerto da banda Plástico Lunar, que calhou de ser a última atração da madrugada. Eu, por minha vez, não tinha a menor intenção de ir ao tal evento. Independentemente da queda do Cine-Gomorra, as atrações não me interessavam, ao contrário do evento público marcado para sexta-feira. Como a casa ficou praticamente vazia (salvo por dois casais que interagiam intimamente e talvez precisassem ser deixados sozinhos), fui obrigado a acompanhar meus amigos até a UFS. Segui-os. Segui na frente, aliás, pois realmente não estava com vontade de prestigiar aquela calourada na quinta-feira. Não ia conseguir fingir que estava contente. Não consegui. Várias pessoas me perguntavam por que eu estava com a expressão taciturna e eu não respondia, disfarçava. Até que, no intervalo entre a apresentação de duas bandas, tocaram “Buffalo Soldier”, de Bob Marley and the Wailers. Era o que precisava. Dancei freneticamente, por muito tempo depois que a música havia acabado. Dancei, dancei, dancei... Graças a ajuda de João Paulo, entre outros, consegui fingir, afinal.

Mas a noite maligna estava apenas começando. E eu fingia. Dancei horas a fio, repetindo os versos protestantes da canção “fight in arrival/ fight for survival”. Interagi com muitas pessoas, sorri, encontrei seres agradáveis, conversei intimamente com alguns amigos. Entediado compulsivamente a certa hora (olha só, o adjetivo do qual sempre comemorei não ser cometido!), convido Débora Cruz a me acompanhar até Gomorra. Por Deus, ela aceita! Seguimos em frente, comemos, banhamo-nos, dormimos. Fábio Barros chega em seguida e dorme, após conversar um pouco comigo, justamente sobre um filme brasileiro, que era o que tinha programado para a noite. Dormi, aliás. Ao menos, descansaria e esqueceria a dor lancinante que me acometia naquele momento. Mas novas e novas pessoas chegaram à casa. Pessoas que eu não conhecia, pessoas que, por causa de meu estado atracado de espírito, achei irritantes, banais, inconvenientes. Os Rafaéis chegaram. Iam dormir na casa do Baiano. Aproveitei a deixa e fugi de Gomorra, com meu bornal nas costas.

No caminho para a casa de Rafael Maurício, percebendo minha “cara de tacho”, o bem-intencionado Glauco alegou: “puxa, Wesley. Tu não bebes, não fumas, não te divertes como teus amigos, Por isso que estás assim nessa tristeza, não aproveitaste a festa”. Senti uma mágoa inevitável muito forte nesta hora, pensei em retrucar tal comentário com uma inversão eventual dum conhecido refrão do grupo O Rappa e dizer que “é esta paz que não quero seguir admitindo”, mas disse apenas “a consciência é um veneno!”. Tencionava com isso mandar um recado indireto para Juliana Aguiar, com quem tivemos uma seriíssima conversa no início da noite, mas... De que adianta? Entramos na casa de meu muso soteropolitano, eles interagiram, conversaram, comeram, enquanto eu fui me deitar, com medo das abas rodantes de um ventilador. Dormi. Acordei. Continuava triste e sóbrio. “A consciência é um veneno”, repeti para mim mesmo, enquanto caminhava. Encontrei Rafael Coelho no caminho. Comentei algo sobre a minha decepção com a noite anterior, ao que ele respondeu: “é Wesley, eu também achei chata a noite – e olha que eu estava chapado!”. Mais uma vez o “estado alterado de consciência” foi usado como argumento defensável para uma boa noite. E eu caminhava, repetindo: “a consciência é um veneno”, “a consciência é um veneno”, “a consciência é um veneno”...

Wesley PC>

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