sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

MORAL DE FIM DE ANO (OU ALGO PARECIDO):


A moral fronteiriça deste final de ano vem-me através do penúltimo filme a que assisti em 2010, “Meu Nome é Ninguém” (1973, de Tonino Valerii & Sergio Leone). É uma anedota, cuja orientação moral varia a depender de quem a ouça ou a conte. No filme, faz sentido, no plano quase literal, visto que o pistoleiro mais velho que ouve a historieta do mais novo desacredita que avôs possam envelhecer. “São tempos difíceis, e é raro envelhecer hoje em dia, mas não é impossível”, intervém o bêbado funcionário de um bar. Eis a anedota:

Um passarinho muito novo, coitado, cai do ninho onde era confortavelmente alimentado por sua mãe pássara e, sentindo muito frio, começa a chorar. Com pena do bichinho, uma vaca bonachona que passava pelo local e ouve os gritos despeja uma poça de merda quente sobre ele. Não mais sentindo calor, mas agora incomodado pelo cheiro, o passarinho continua a chorar em voz alta, atraindo a atenção de um coiote faminto que passava pelo local. Este segura cuidadosamente o bichinho, limpa-o com todas as minúcias possíveis e, antes que o passarinho pudesse chegar a agradecer, ele é enfiado inteirinho na boca do coiote, que sai satisfeito, com a barriga menos vazia...

Moral da estória: cabe a cada leitor interpretar a seu agrado, mas, para mim em particular, é uma exortação. Desligarei o computador neste exato momento e, conforme anunciado antes, que venha o que vier. Tenho para onde ir, tenho com quem ir. Só não tenho necessariamente como ir, ainda, mas... O resto, a gente resolve. Até 2011! Conforme visto no filme, "quanto maior o risco, maior a recompensa"!

Wesley PC>

É SAUDADE, Ê SAUDADE!

Acabo de ver “Fados” (2007), documentário de Carlos Saura comprometido com a sobrevivência contemporânea das tradições ibéricas mais longevas e, para além de o resultado não ser tão qualitativamente decente quanto “Flamenco” (1995), mas bem menos extenuante no que tange ao prazer de se ver e ouvir, eu pensei muito em tudo aquilo que me causa saudades. Afinal de contas, fado é um ritmo que toca diretamente o lado nostálgico de nosso coração. E foi tão bom ver este filme ao lado de minha mãe, que, desde já, nem bem quatro horas da tarde, já manifesta sua habitual repulsa às comemorações de fim de ano: “se alguém me telefonar, é para dizer que não estou. Não quero falar com ninguém!”. Sei que tenho a obrigação de respeitar a sua reclusão, mas... Como é difícil lidar com esta tristeza quase esbravejante que a ataca sempre que o ano está prestes a findar! Puxa, fico tão triste por ela, queria fazer algo, mas não consigo. Pior: um grande amigo convidou-me para uma festa com gente bonita e desconhecida, mas não sei se posso ir, não sei se tenho o direito de deixá-la sozinha. Sei que ela quer que eu vá, sei que ela quer que eu me divirta, mas me irmão mais novo já está prestes a dar sinal de cólera, visto que o seu salário mensal está bloqueado. Ou seja, ele só vai poder sacar seu dinheiro no dia 3 de janeiro do ano que vem, de maneira que seu ‘réveillon’ será completamente parco, no plano monetário do termo. E eu com tudo isso? Eu que revi “Jamón, Jamón” (1992, de Bigas Luna), um dos filmes preferidos de minha pré-adolescência, ao lado de meus dois grandes amigos-irmãos na noite de ontem, eu que tenho delírios similares aos dos personagens, mesclando tragédias familiares e desejos eróticos incontidos, eu que não sou apenas “eu”, eu que tenho gente para cuidar, gente que depende de mim, eu que... eu... eu... Acho que falo muito de mim! Que venha o que vier, quem viver, verá!

Wesley PC>

HOJE EU APAGUEI MAIS DE 40 MENSAGENS DE MEU CELULAR OU HOJE EU ESCUTEI “MESSAGE IN A BOTTLE”, DO THE POLICE, TANTAS E TANTAS VEZES...

Por onde se começa uma história que não tem fim? Pelo que foi acordado como fim, penso. Não acabou, nunca vai acabar, comigo não tem retorno, mas... Na pior das hipóteses, que me seja legado o direito de tentar contar uma história:

Acordei tarde hoje. Eram mais de 10h30’ da manhã. Minha mãe insistia para que eu comesse algo. Cuscuz com feijão e suco de abacaxi com leite. Liguei a TV por acaso. Deparei-me com um videoclipe ao vivo do grupo The Police, o vocalista Sting à frente, com sua voz muito aguda, se esgoelando ao som de “Message in a Bottle”. Tão alto e tão profundo que parecia que a canção era para mim, que era minha: não seria um homem tranqüilo se eu não baixasse “Regatta de Blanc” (1979), disco em que está contida a canção, hoje...

“I'll send an S.O.S. to the world
I'll send an S.O.S. to the world
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
Message in a bottle, yeah
Message in a bottle, yeah”


Saí de casa, vi um filme com amigos, recebi uma mensagem de celular quando me dirigia ao ponto de ônibus, perguntando-me como se diz quando se usa um termo etariamente inadequado num dado contexto histórico. Respondi que era anacronismo, como se fosse um homem confiante, mas, por dentro, um aperto tão forte no coração: eu assinara um contrato de não-beligerância com o interlocutor. Cria eu que estava sendo firme em obedecer à minha parte do acordo. O silêncio, o silêncio...

Na volta para casa, esborrachei-me com um senhor que tentava subir num ônibus. Eu correra para chegar cedo em casa. Cheguei, afinal. Pude observar vizinhos dormirem frente a mim. Num terminal rodoviário, reli com orgulho algumas mensagens de celular guardadas como se fossem troféus. Quase 100. A mais antiga delas datava de 18 de março de 2010, aniversário de 24 anos do meu interlocutor. Dizia que ele era lindo. Ele respondia: não sou isso. Vou morrer e feder como qualquer outro”. Eu insistia. Ele me tachava de “incorrigível”. Um dia (27 de abril de 2010), ele disse que ia rezar por mim. Noutro (19 de junho de 2010), ele se irrita porque eu disse que sonhara com ele, um sonho trivial, corriqueiro: “criatura, você não tem discernimento mesmo! [...] Eu tento ser tolerante, mas não tem condições. Você não consegue perceber que esta maneira que você me trata me incomoda?”. Eu percebia, eu sentia na pele, mas o que eu podia fazer?! Estrebuchava. “É sério: pare de me mandar tanta merda. Eu não me importo!” (25 de julho de 2010). E esses eram os meus troféus!

Apaguei algumas, guardei outras. Hoje, em meu celular, restaram apenas 51 mensagens da mesma pessoa. Algumas brutas, outras severas, terceiras intolerantes, mas algumas apaziguadoras também. São meus troféus, é o que restou. E eu fico aqui, repetindo e repetindo a porcaria da canção. Eu sou um moleque tão fetichista! Que bom que não mandaram me prender ainda... E, sim, meu querido, obrigado por ter esquecido a Carteira de Identidade!

“Walked out this morning, don't believe what I saw
Hundred billion bottles washed up on the shore
Seems I'm not alone at being alone
Hundred billion castaways, looking for a home”


E eu tento, juro que tento!

Wesley PC>

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

“EU SOU UM NORDESTINO – E A COISA QUE O NORDESTINO MAIS FAZ É TROCAR O CERTO PELO DUVIDOSO”!

Já tive a oportunidade de dizer, várias vezes, que, definitivamente, eu não gostava dos filmes d’Os Trapalhões quando era criança. Conteudisticamente, eu me incomodava com um humor preconceituoso e chulo que, desde pequeno, eu já aprendi a rechaçar quando atrelado a pretensas boas intenções humanitaristas. Formalmente, eu me irritava por perceber que os tais filmes surrupiavam chavões genéricos de filmes hollywoodianos de sucesso. Por outro lado, eu gostava do programa de TV. Achava-o original, questionador da “parede invisível” e positivamente amoral, em muitas situações. Desgostava da liderança do personagem Didi Mocó (o eterno alter-ego de Renato Aragão), mas o programa de TV era genial, guardo saudades imensas dele...

Pois bem, meio por acidente, acabo de ver um dos filmes produzidos pelo quarteto original (além de Renato Aragão, estão lá o desenxabido Dedé Santana, o cachaceiro Mussum e o hilário e afetado Zacarias), um daqueles que eu não havia visto quando era criança: “O Cangaceiro Trapalhão” (1983, de Daniel Filho). E, para minha surpresa, gostei de muitos aspectos do filme, ao passo em que me surpreendi tanto com outros aspectos que ainda não sei sequer se gostei ou não...

No filme, Renato Aragão não é Didi Mocó. É Severino do Quixadá, um criador de cabras que, por acidente, se vê no meio da briga entre Lampião e a Volante. O primeiro é vivido por Nelson Xavier, que, junto a sua parceira Tânia Alves (Maria Bonita), repetem os papéis que o tornaram consagrados num clássico seriado da TV Globo. O comandante da segunda é vivido por José Dumont, num papel de traços exageradamente vilanescos. Entre eles, está Regina Duarte, como a injustiçada filha de um dono de terras, que é raptada pelo governador corrupto de uma cidadela. O resto é aquilo que já conhecemos, tendo muito a ver com o que li numa crítica sobre o filme, no que tange à intenção do quarteto em consolidar seu humor a partir de um imaginário tipicamente nacional (a seca do Nordeste), valendo-se, por sua vez, de recursos de assimilação hipercodificada do ‘studio system’ hollywoodiano. Ou seja, para além das inúmeras referências a grandes faroestes de John Ford ou Sergio Leone, o protagonista despede-se de sua amada, apaixonada por outro, como sói acontecer nos filmes protagonizados por Renato Aragão na década de 1980, com a voz do dublador de Humphrey Bogart na TV brasileira, utilizando os mesmos diálogos finais de “Casablanca” (1942, de Michael Curtiz), ao som da canção-tema “As Times Goes By”. Eu ri com isso!

Porém, o que mais me chocou no filme não foi nem esta despedida plagiada nem a boa condução do roteiro (com diálogos escritos por Chico Anysio, entre outros colaboradores) no que tange aos problemas tipicamente do Nordeste da era do cangaço, mas sim uma seqüência mágica paralela em que Bruna Lombardi surge como uma bruxa que deseja uma pedra preciosa guardada por uma entidade lacustre no fundo de um poço, que seduz Severino pedindo que ele ande pelas paredes de sua casa como se fosse uma lagartixa. Uma seqüência largamente despropositada e até dissonante em relação à fidelidade contextual do filme, mas como me fascinou. Demasiado inaudita para passar impune!

Além do escândalo receptivo que esta seqüência mágica implanta, o filme possui vários aspectos bem-sucedidos, como a já citada fidelidade contextual e topográfica, as boas interpretações de um elenco veterano e a direção não subsumida unicamente às piadas chavonadas dos personagens, demasiado caricatos em relação ao que já faziam na TV. Ainda assim, não se pode deixar de emitir gargalhadas culpadas na seqüência em que Mussum tenta proteger uma garrafa de cachaça da fúria famélica de piranhas, que, afinal, são afastadas ao se embebedarem com a urina etílica do mesmo; na onomatopéia facilmente reconhecível (o “plim-plim” da TV Globo) que uma caixa metálica emite quando finalmente exibe o seu conteúdo; e em frases de duplo sentido do tal Severino do Quixadá, como “vou tacar o mandacaru na rima” e “estou com tanta fome que já estou comendo nas calças”. Mas, depois que a montanha em forma de galinha choca começa a pôr gigantescos ovos de ouro e o quarteto surge num iate luxuoso, cercado de mulheres perdulárias, a culpa voltou a ser mais forte que o som da gargalhada. Mas nada que a inventividade paródica do filme posterior do quarteto [o boníssimo “Os Trapalhões e o Mágico de Oroz” (1984, de Victor Lustosa & Dedé Santana)] não resolvesse...

Ah, sim, o título desta postagem? É proferido por Severino do Quixadá quando a bruxa interpretada por Bruna Lombardi pergunta se ele quer passar a eternidade ao lado dela. Apaixonado que ele está por Aninha, personagem de Regina Duarte (por sua vez, apaixonada por outra pessoa), ele recusa a oferta. Quando, porém, a meiga Aninha vai embora no cavalo branco montado por Tarcísio Meira, e Severino enriquece graças aos ovos de ouro, vemo-lo novamente ao lado da bruxa, agora aconchegada num iate. Na vida real, os nordestinos não têm esta segunda chance...!

Wesley PC>

NÃO HÁ ESTUPOR QUE CONSIGA DESCREVER O QUE EU SINTO AGORA!

Depois de intermitentes 399 minutos (ou seja, 6 horas e 39 minutos) de projeção, acabo de assistir ao clássico “Os Vampiros” (1915, de Louis Feuillade). Considerado quase unanimemente e com razão um dos melhores filmes de toda a História do Cinema, o que mais me encantou nesta obra-prima é que, para além de sua longa duração, de soluções fílmicas que pudessem estar “datadas” e das expectativas intensivas que eu depositei sobre ela antes de começar a vê-la com um sorriso largo no rosto, o filme é perfeito porque é perfeito mesmo e não porque precisa ser assim. O filme é simplesmente excelente!

Não sei se disponho dos adjetivos suficientes para laurear o que experimento agora enquanto espectador, mas os 10 capítulos deste filme foram belissimamente producentes enquanto criadores de tensão, de empatia, de charme, de erotismo, de torcida policialesca, de qualquer sentimento que alguém possa emitir em reação a um exemplar supremo de realismo poético – concomitantemente comercial e vanguardista – francês. O filme é absolutamente perfeito em toda a sua longa e mui necessária extensão, só vendo-o para entender o que eu tento dizer...

Logo na primeira cena do primeiro capítulo, “A Cabeça Decepada”, um clímax: o jornalista investigativo Philippe Guérande (Édouard Mathé) percebe que documentos importantíssimos foram roubados de sua mesa. Os documentos versavam sobre a organização criminosa que intitula o filme e foram roubados pelo simpático e cartunesco Oscar Mazamette (Marcel Lévesque), que implora o perdão do jornalista, ao mostrar a foto dos seus três filhos, seqüestrados pela organização, razão de ele ter sido chantageado. Philippe o perdoa e nasce, a partir daí, uma grande amizade colaborativa. Além do dono da cabeça decepada, dois importantes personagens morrem tragicamente neste primeiro capítulo, que antecede “O Anel que Mata”, quando somos apresentados à graça da bailarina Marfa Koutiloff (Stacia Napierkowska), logo assassinada também. A culpada dos crimes é a charmosa e exuberante Irma Vep (Musidora, eternizando-se ao vivificar o anagrama de “vampiro” mais sedutor da História), que, ao longo dos capítulos subseqüentes, apaixonar-se-á por um bandido latino que faz breve concorrência com os Vampiros (até ser enforcado na prisão) e, em seguida, intentará casar-se com um tenebroso envenenador, líder definitivo da organização a que ela serve, depois que os dois chefes anteriores (um deles, cognominado como “O Grande Vampiro”, e o outro, como Satanás), até que... Não, não vou contar o final do filme. Juro que as quase 7 horas de sessão valem muito, muito a pena!

Guardarei para sempre as toneladas de clímaxes deste filme, seus personagens dúbios e encantadores, sua reconstituição sonora preciosa, sua direção de fotografia impecável, sua magnificência muda, suas interpretações mágicas, seus jogos impressionantes com as palavras, seu perfeito senso de ritmo fílmico, sua existência perfeita enquanto obra de arte carregada da aura que não mais se confina a um único receptáculo. Obra-prima, pura e simplesmente. Recomendo de pé, com a alma em enlevo!

Wesley PC>

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

“WHEN THE LIGHTS OUT (...) I’M STUPID AND CONTAGIOUS”

Até os meus 19 anos, mais ou menos, quando eu me sentia desolado, eu costumava subir na mangueira do quintal de minha casa. Às vezes, eu aproveitava o ensejo para bisbilhotar o vizinho da frente se trocando com a porta aberta, num quarto de andar, mas, mesmo quando não havia este incremento erótico-voyeurístico, costumava obter paz na copa daquela árvore tão imponente. Já cheguei, inclusive, a passar os minutos cruciais de uma virada de ano neste lugar, sentindo pena de mim mesmo e sendo consolado por mim mesmo, ao mesmo tempo. Até que, um dia, o vizinho do fundo aproveitou um qüiproquó para denunciar-me à polícia, insinuando que eu subia na árvore, tarde da noite, para fumar maconha. Nada contra, mas era mentira. E eu desgosto de mentiras. E, depois desta denúncia, tive que ficar mais cuidadoso em relação às minhas terapias arbóreas noturnas, cuidado este que também tem a ver com o fato de eu ter sido flagrando em plena atividade ‘voyeur’ pelo desnudo vizinho da frente...

Pois bem, na tarde de hoje, minha mãe pediu que eu subisse novamente nesta mangueira, para colher alguns frutos maduros, antes que estes caíssem e fossem devorados por nossa cabrita. Lá em cima, percebi que alguns galhos da mangueira foram cortados, que outros foram devorados por cupins e que eu não possuo a mesma destreza de outrora enquanto escalador. Mas como me foram apaziguadores aqueles instantes pragmáticos em que estive sobre aquela árvore companheira, que me legou tantas e tantas lembranças positivas e uma nostalgia sobrevivencial que tem muito a ver com esta desolação clicherosa que sempre me toma de assalto aos finais de anos... Foi bom!

Antes de subir na tal mangueira, eu estava a ler alguns capítulos do deslumbrado livro midiático do comunicólogo Henry Jenkins, “Cultura da Convergência” (2006), no qual ele diferencia espectadores/consumidores casuais dos fiéis e dos zapeadores. E, logo em seguida, que estas categorias não são estanques, que todos nós trafegamos entre uma e outra categoria, se bem que, na maioria das vezes, eu sou fiel: quando me sento diante da TV para ver algo, este algo é o que quero ver e é o que eu efetivamente vejo. Estava vendo algo quando minha mãe pediu que eu subisse na mangueira. E como foi bom interromper o que estava fazendo para atendê-la...

Wesley PC>

DOURADO, Luiz Ângelo. “HOMOSSEXUALISMO E DELINQÜÊNCIA”. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963 (página 72), OU ALGO BEM ALÉM/AQUÉM DISSO:

“O verdadeiro objetivo da ciência é beneficiar o homem, mas é preciso, também, que o homem esteja preparado para compreender e assimilar os postulados científicos. Sem o preparo prévio do grupo social, é muito pouco provável que se destruam falsos ‘tabus’ e preconceitos inconsistentes. E este preparo só poderá ser conseguido com uma política educacional que tenha em mira a multiplicação das escolas e a educação rela do povo, no bom sentido moral e científico. Do contrário, chegaremos ao paradoxo de encontrarmos em um mesmo grupo social, de um lado, reduzidíssima elite com elevado adiantamento científico e, de outro, a grande massa analfabeta e ignorante, presa fácil de qualquer absurdo que lhes gritem aos ouvidos e de todos os preconceitos medievais repetidos, automaticamente, de geração em geração”.

Em outras palavras, o que foi dito acima pode ser aplicado em contextos bem mais gerais do que aquele pretendido pelo título do livro. Por exemplo: hoje externei a alguns vizinhos que, desde pequeno, eu nutro um anseio por ser evangélico. Eles acharam tal anseio incondizente com minhas posturas comportamentais, mas o problema da inaceitação desejosa perpassa por desentendimentos que vão além/aquém da definição de “evangélico” por mim pretendida. Talvez eu precise dar um descanso cibernético para mim mesmo: minha mãe pediu que eu passasse pelo menos uma manhã sem ligar o computador. Creio que esta quarta-feira é uma boa oportunidade de tentar pôr esta admoestação em prática. Neste intervalo, gostaria, se possível, de pedir que, se alguém identificar a que filme pornográfico europeu pertence a imagem acima, que me indique o nome do mesmo(risos). Na verdade, ela faz parte, enquanto corruptela autoral, do curta-metragem “Jardim das Vulvas”, que eu realizei, ao lado de alguns colegas de curso, em 2002. No roteiro, a intenção metafórica do fotograma é óbvia, creio. Até mesmo quem me conhece superficialmente sabe o que eu quis dizer com isso: é um pedido comunal de socorro. SOCORRO, POR FAVOR!

Wesley PC>

“TU JÁ GASTASTE CADA NOITE DE TUA VIDA, SOZINHO, CHORANDO POR CAUSA DE UM AMOR VERDADEIRO QUE NUNCA CHEGA?!”

Glupt!

Em mais de um sentido, eu acho a cinessérie protagonizada pelo ogro da Dreamworks um embuste. Porém, no plano cinematográfico, sou obrigado a admitir que, mesmo se equivocando e se assumindo como produto mercadológico ferrenho, cada um dos quatro filmes possui verdadeiros achados moralistas, dignos dos panegíricos mais crentes por parte de pessoas que, como eu, acreditam na porcaria do “amor verdadeiro”, definido como um conto de fadas pela personagem de Cameron Diaz, a princesa Fiona. Por que acho que haja um embuste por detrás desta cinessérie? Vejamos:

Não vou mentir que ri muito diante de “Shrek” (2001, de Andrew Adamson & Vicky Jenson). Gargalhei, pura e simplesmente, nas várias vezes em que eu o reassisti. Porém, incomoda-me o discurso de alguns críticos deslumbrados no que tange à suposta iconoclastia narrativa do filme, que, na verdade, é apenas um truque para vender o mesmo (bom) discurso de auto-ajuda familiar caro à maioria dos produtos hollywoodianos. Se eu não escutasse estes ditos críticos, ficaria mais tranqüilo em relação ao filme. Aliás, intranqüilo ou não, ele merece pelo menos nota 9,0. É ótimo, repleto de tiradas e atuações geniais!

Em relação a “Shrek 2” (2004, de Andrew Adamson, Kelly Asbury & Conrad Vernon), já nutro uma antipatia direcionada. Irrito-me sobremaneira com a distorção do discurso de aceitação das “pessoas como elas são”, quando o próprio enredo é incapaz de manter um casamento entre o ogro e a meio-humana Fiona, até que ambos estivessem no mesmo patamar racial. Se deu certo com o burrico que se apaixona e se reproduz com uma fêmea de dragão, por que não daria certo com eles, “do jeito que eles realmente são”? Na verdade, minhas insatisfações com este filme são mais direcionadas, mas acho que este pequeno detalhe já explica o porquê de eu sair esbravejando da sessão, quando o vi no cinema, há seis anos, que abomino esta tendência hollywoodiana de inverter pretextos narrativos espúrios para engendrar continuações monetifágicas. Mas os personagens e as tiradas continuavam ótimos. Calei a boca, dando mais ou menos nota 6,0!

“Shrek Terceiro” (2007, de Chris Miller & Raman Hui) foi mal-falado até mesmo pelos críticos que se derreteram pelos aspectos “errados” do primeiro filme, mas eu gostei bem mais do que o segundo. Achei que a inveja do Príncipe Encantado e da Fada-Madrinha foi mais bem delineada neste segundo filme, que, sim, beira a iconoclastia, ao escancarar os estratagemas ideológicos que justificam a disseminação de “contos de fada” ao longo dos séculos. Ri em diversas cenas e fui tocado por uma forte identificação tragicômica com a majestosa cena em que um rei transformado em sapo falece. Leva um 6,5 bastante digno.

E, por fim, “Shrek Para Sempre” (2010, de Mike Mitchell), filme que acabo de ver e que contém o questionamento acima relatado, que fez com que tudo o que eu escrevi até então fosse redirecionado para outra área, mais íntima, mais pessoal, mas dolorosa de minha existência (ou persistência) espectatorial: chavonado em mais de um sentido, este é um daqueles filmes que levam-nos ao conformismo benfazejo, que nos obriga a perceber que os incômodos de nosso cotidiano são positivos em relação à execução voluntária dos papéis sociais para os quais nossa vontade foi escalada por meios que não conseguimos deixar de entender como voluntários, quando foram sutilmente coagidos ao longo dos mesmos séculos e séculos de ideologia disseminada através dos referidos contos de fada. O tal do “verdadeiro amor” existe? Enquanto praga de fim de ano, pensei muito nisso esta semana, mas, por alguns momentos, o filme me tranqüilizou, ao me fazer gargalhar na seqüência em que Pinóquio pinta seu pai de verde e o entrega como se fosse um ogro quando é ofertada uma larga recompensa para quem entregar um destes seres ao vilanesco Rumpelstiltskin ou quando uma canção de Enya serve de fundo sonoro para um discurso do mesmo tirano. Gargalhei, mas, por dentro, eu estava devastado. E, neste momento, eu assumo: todo este texto é um largo embuste até aqui. Eu sou um embuste! E, sim, cara Fiona, eu já gastei muitas de minhas noites a chorar, sozinho, pelo tal amor verdadeiro que nunca chega... E como eu tenho medo de estar sendo egoísta por causa disto!

Wesley PC>

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O AMOR ANTES E DEPOIS DE UM FILME DO JULIO MÉDEM – PARTE II: O QUE NÃO DÁ PARA FAZER, A GENTE FAZ ASSIM MESMO!

Definitivamente, eu não duvido nem por um segundo que “Os Amantes do Círculo Polar” (1998) seja um dos filmes preferidos de minha amiga Ayalla. É a cara dela, do começo ao fim. Cada segundo de filme! E, como tal, cabe aqui uma comparação entre o seu enredo maravilhosamente pecaminoso e uma “anedota”:

Imaginem que um moço ama outro moço e outro moço. Um os moços não gosta de quase ninguém e o outro até gosta, mas não de moços. Porém, o segundo moço deixa que o moço de que ele não gosta passe a língua em seu pênis, mesmo que ele tenha moças que, de vez em quando, deixem este mesmo pênis penetrar suas vaginas. Passar a língua neste pênis, na anedota em pauta, é uma demonstração de amor? Não sou eu que respondo.

Ouso comentar que fiquei comparando-me ao filme o tempo inteiro. Achei-o lindo. É ma trama repleta de coincidências e pecados. Um menino que ama uma menina. O pai dela morre. O pai dele se separa para ficar com a mãe dela. A mãe dele sofre. O pai dele será abandonado pela mãe dela num momento posterior da estória, quando eles já são considerados irmãos, mas se amam. Num dia, ela pede que ele escale uma janela para beijá-la. Ele o faz, ela está nua e não acorda. Ele está acordado e, reagindo ao vento, começa a se masturbar. Deita-se, e ela está na cama, nua. O que se antecede e o que se segue a esta seqüência são demonstrações de amor?

Como se quantifica ou se qualifica demonstrações de amor? E se o moço acima ama dois moços porque num destaca a parte de cima da cintura e noutro a parte de baixo? Aliás, é possível que haja amor de verdade de um moço por outro moço? Não sou eu quem responderá. Estou aqui para recomendar o filme, que é lindo, lindo, lindo...

Wesley PC>

O AMOR ANTES E DEPOIS DE UM FILME DO JULIO MÉDEM – PARTE I: NAS PALAVRAS DE OUTREM

Acabo de ver “Os Amantes do Círculo Polar” (1998), elogiadísismo filme do diretor espanhol Julio Médem e, numa cena em que os ditos “irmãos” que se apaixonam compram um presente para a mãe de um deles, aquele coração vermelho me trouxe à mente a canção do grupo paulistano Língua de Trapo que segue abaixo, a mesma banda que, nesta semana encantou-me com os versos mulher de amigo meu prá mim é homem. Por isso, você é o homem de minha vida (risos). Segue letra integral de “Eu Amo Esse Homem”, uma das diversas obras-primas tragicômicas e românticas do grupo:

“Eu amo esse homem, Deus sabe como o quê
Me deu casa e comida e uma estrela do PT
Eu gostei tanto dele ter me dado a estrelinha
Não sei pra quê que serve, mas achei tão bonitinha

Cedinho vai pra escola, estuda engenharia
Mas quando chega à tarde, a roupa tá passadinha
O assoalho está brilhando e a comida está na mesa
Eu amo esse homem, disso eu tenho certeza

Eu amo ele tanto, nem posso acreditar
Ele me quer tanto bem, nem me deixa trabalhar
Me dá tantos perfumes e roupa decotada
Que eu só posso usar dentro da casa fechada

Eu amo esse homem, Deus sabe como o quê
Me deu casa e comida e uma estrela do PT
Eu gostei tanto dele ter me dado a estrelinha
Um dia desses, à tarde, comi ela com farinha”


Preciso explicar por que gostei tanto da canção e do filme ou a combinação entre fotograma e letra já basta? Pelo sim, pelo não, a postagem seguinte segue com o mesmo assunto...

Wesley PC>

PARA O MEU PRÓPRIO BEM, “TANTO A FAZER EM TÃO POUCO TEMPO”...

Ainda há pouco, vi frustrado o meu anseio de assistir a um filme ‘pop’ fubenga que eu queria ver num canal fechado. Meu irmão chegou do trabalho, para almoçar, e ligou a TV num canal esportivo. Preferi não criar um conflito desnecessário, visto que ele tem mais necessidade de estar afastado do tédio do que eu. Deixei ele para lá e declinei de meu anseio. Afinal de contas, filmes ‘pop’ repetem-se com freqüência, mais cedo ou mais tarde, estarei vendo o filme que acho que quero ver...

[PAUSA]

Escrevi o parágrafo acima às 13h12’. O filme que eu desejava ver começara às 13h. Às 13h18’, olhei para o lado e percebi que meu irmão já estava quase dormindo, em minha cama. Não pensei duas vezes, afastei-me do computador, peguei o controle remoto da TV e sintonizei no canal fechado FX, onde estava sendo exibido o filme que eu achava que queria ver: “Os Estragos de Sábado à Noite” (1998, de John Fortenberry), protagonizado por um Will Ferrell em início de carreira. Suspeitava que o filme fosse ruim, mas insisti em vê-lo mesmo assim. Guardava uma memória afetiva de seu título nacional, visto que, além de apreciar paródias fílmicas bem-feitas, foi um dos primeiros títulos que vi anunciado numa exibição local, quando entrei para a universidade. Para meu desagrado, porém, o filme não somente é demasiado sem graça, como não tem quase nada de paródico, sendo muito inferior ao esquete do programa humorístico de TV “Saturday Night Live”, do qual deriva. Mas não me arrependo de ter visto o filme. Eu queria...

Para cada filme extraordinário que vejo, cinco ou sete filmes ruins o circundam. É como se eu precisasse deles para manter um certo equilíbrio qualitativo, como se meus parâmetros avaliativos só pudessem ser considerados “honestos” se eu me submetesse também a ver filmes ruins. Por isso, os vejo, mesmo sabendo que eles são ruins. E, confesso: às vezes, me surpreendo com 2 ou 3 deles, ao detectar protótipos de inteligência sub-reptícia obnubilados pelas fortes exigências mercadológicas dos mesmos. O que me leva a outro dilema: se disponho de um tempo tão restrito para ver meus filmes, não seria o caso de ser um pouco mais seletivo? Sim, ousaria dizer, mas, desde pequeno, sempre tive medo de confundir os significados pragmáticos de seletividade e preconceito.

Pelo sim, pelo não, sou bastante seletivo não somente em relação ao que vejo ou ouço, como em relação ao que faço como um todo. E, nestes quatro dias finais do ano 2010, ainda tenho tantas pendências artísticas para compensar... Tenho muito o que fazer ainda, mas que isto não implique que estou (in)satisfeito com o que já fiz até então. Não me suicidarei este ano, garanto! Nem que eu precise repetir isto para mim mesmo 517.012 vezes por dia!

Wesley PC>

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

“SEM ISSO [A “PISTOLINHA DE CARNE”, A RÔLA], MEU FILHO, NÓS NÃO SOMOS NADA, NADA!”

Apesar de o nome do filme ser “A Última Mulher” (1976, de Marco Ferreri) e de a protagonista do mesmo ser a deslumbrante Ornella Muti, que exibe seu corpo fenomenal para a câmera em diversas seqüências, quem manda no filme é o jovem personagem de Gerard Depardieu. E, quando digo “manda”, quero ser mais do que literal: o operário Gerard manda no filme! Protesta no trabalho que os patrões e sindicalistas parecem ter feito um acordo para prejudicar os funcionários, cumprimenta-se com seus amigos defendendo a libertação chilena, vive sozinho em casa com seu filho pequeno, mas... Como é machista! Manda e desmanda em tudo e todos, desfilando a torto e a direito a sua superioridade fálica, a ponto de, depois de passar diante da tela da TV várias vezes, minha mãe perguntar, escandalizada: “por que este homem fica nu o tempo inteiro?”. Só vendo o filme para entender, Rosane!

Obra-prima: eis o que é “A Última Mulher”! Definitivamente, um filme que deve ser visto por qualquer um que reivindique modificações socialistas ou sindicais ou que ame uma mulher mas sinta ciúmes dela. Um filme definitivamente obrigatório, que eu não sabia que existia, como sói acontecer com algumas preciosidade européias mui contestadoras, até este ano. Como me faria bem ter visto este filme na adolescência! Um dos filmes que melhor utiliza discursivamente a nudez masculina em toda a História do Cinema, quiçá da Arte [bem mais do que o exibicionista e quase pornográfico “Sem Cortes” (2003, de Gionata Zarantonello), por exemplo, que focaliza em ‘close-up’ um pênis da primeira à última seqüência!], que culmina numa seqüência bem mais felizmente previsível que o escandaloso discurso publicitário do cartaz do filme: “amor, ódio, solidão, humor, sensualidade. Nada irá te preparar para o devastador clímax”. Para mim, prepara sim – e muitíssimo bem: o filme me deixou em perpétuo estado de estupor!

Naquela que talvez seja a minha seqüência favorita, Gerard recusa-se em aceitar de volta, em sua casa, a mulher por quem se apaixona freneticamente, mas esta se atira nua sobre ele, que a desdenha, a recusa, corre para a cozinha, abre uma revista pornográfica lésbica em que mulher sugam as vaginas umas das outras, e tenta se masturbar, mas não consegue se concentrar. Na cena seguinte, ele precisa besuntar seu órgão sexual com pomadas e ungüentos, tamanho o excesso de uso. Ah, se eu tivesse visto este filme com 12 ou 15 anos de idade, como eu aprenderia sobre a “alma masculina”, que tanto me encanta e me fascina. E que está dentro de mim também, aliás, convém acrescentar.

Tentando encontrar um paralelo com outros filmes, o entrecho de “A Última Mulher” e uma mistura de “Lua de Fel” (1992, de Roman Polanski) com “Anticristo” (2009, de Lars Von Trier), perpassado por situações de descoberta e desconhecimento sexual caras a “A Lagoa Azul” (1980, de Randal Kleiser), sendo ainda mais veemente em sua selvageria erótica que os três filmes juntos, sem qualquer demérito comparativo para cada um deles. Não preciso acrescentar que “A Última Mulher” tornou-se um dos meus filmes favoritos, preciso? Uma aula sobre o que é ser homem, ter um homem, desejar um homem. Como me identifiquei com a seqüência em que Gerard põe seu filho de menos de 2 anos de idade para beijar a vagina de sua amante Valerie. Se eu tivesse um pai, ele teria feito o mesmo comigo, teria me ensinado algumas proposições básicas sobre masculinidade, teria me direcionado a admoestação preventiva que intitula esta postagem? Obra-prima!

Marco Ferreri é um gênio, Ornella Muti é deslumbrante, e o corpo perenemente nu e flácido do jovem e rechonchudo Gerard Depardieu é um troféu mnemônico para os meus orgulhosos e frustrados desejos amorosos recentes! E tu sabes do que estou a falar, não sabes?

Wesley PC>

HOJE EU ACORDEI AO SOM DE FIONA APPLE ...

“You'll never see the courage I know
It's color's richness won't appear within your view
I'll never glow the way that you glow
Your presence dominates the judgements made on you”


Eu tinha uma promessa agendada para as 8 horas deste domingo, mas não dormi bem na noite anterior. Os efeitos do excessivo consumo etílico e toxicômano de meu irmão caçula, anteriormente descritos, manifestaram-se em sua previsível tendência incômoda a partir das 4h da madrugada de hoje. Queria dormir – precisava, aliás – mas meu irmão vomitava bile, pedia água, suplicava para que lhe prestássemos cuidados que poderiam ser evitados se ele nos ouvisse antes de se enfurnar no arsenal de drogas degenerativas que ele insiste em consumir sempre que está de folga. Mas, família que é família não abandona o ente querido. E eu terminei acordando muito tarde, com mensagens acumuladas em meu celular. “Fica para outra vez”. Assenti. Não foi culpa minha, mas é como se fosse sempre minha culpa. “Criminal” foi a faixa pensamental imediata. Tentei seguir o meu domingo, ouvi Fiona Apple o restante do dia. Gosto da melancolia do “Tidal” e, ao telefone, bem que poderia recomendá-lo a um amigo ranzinza. É um disco que me encanta e me faz projetar memórias de uma pessoa real. Uma pessoa real, com a qual meu contato é predominantemente virtual. Mas hoje não houve contato. Hoje eu me controlei e não enviei sequer uma mensagem para ele. Por dentro, eu tinha um motivo e, por fora, eu repetia a letra da faixa 07 do disco, “Never is a Promise”, para mim mesmo, como se fosse uma justificativa. Não era, mas eu tinha que lavar pratos, tinha que comer arroz com repolho roxo, tinha que ensaboar os testículos, tinha que deitar no sofá do vizinho e acariciar seus cabelos molhados, tinha que tomar conta do cachorro, tinha que seguir em frente...

“Tu nunca viverás esta vida que eu vivo/
Eu nunca viverei a vida que me desperta no meio da noite/
Tu nunca ouvirás a mensagem que eu te envio/
Tu me dirás que será tão ruim que eu deveria desistir dessa luta”


Mas eu não farei isso: e nunca é uma promessa!

Wesley PC>

domingo, 26 de dezembro de 2010

QUEM É JEAN-LUC GODARD: “FILME SOCIALISMO” (2010) – “AS COISAS COMO ELAS SÃO”: “POBRE VAKULINCHUK”!

Entre o filme de Jean-Luc Godard que vi na madrugada de hoje e aquele a que tive acesso na manhã de hoje, 44 anos se passaram. Em 44 anos, muitas ilusões são perdidas, para além do que Honoré de Balzac teria oportunidade de descrever em qualquer um de seus livros, ideais para serem lidos em frente a postos de gasolina, onde lhamas pastam e documentaristas africanas deambulam...

Em mais de um sentido, “Filme Socialismo” não é um filme difícil. De outra forma, é até perfeitamente legível para quem teve acesso à obra de Jean-Luc Godard através de um patamar linear, percebendo as sutis diferenças e interpenetrações entre uma fase e outra, dentro da taxonomia que eu antecipei alhures. “Filme Socialismo” é um filme contemporâneo, globalizado até, e, como tal, emula a decadência, vivencia a decadência, experimenta a decadência – mas, genial como seu diretor consegue ser, não se rende a ela: é superior a ela, conforme demonstra numa impecável seqüência conclusiva em que o logotipo do FBI contra a pirataria cultural é contrafeito por um típico letreiro godardiano: QUANDO AS LEIS NÃO SÃO JUSTAS, A JUSTIÇA ANTECIPA-SE À LEI. Estamos autorizados a fazer o que quisermos como este filme, visto que é justamente o diretor por ele responsável que cunhou um de meus apotegmas culturais favoritos: “não acredito em direitos autorais, mas em deveres autorais”. Deveres autorais. Ponto. E estes definitivamente ululam neste filme!

Difícil, por outro lado, é escolher a cena mais genial do filme, aquela que melhor diagnostica seu ‘état de choses’, em diálogo prenhe com o recorrente díptico frasal (“des choses/ comme ça”) que atravessa quase toda a produção: numa cena, Patti Smith afirma que a guerra é a negação da arte; noutra, uma criança loira e mimada conduz uma orquestra no interior da garagem de sua casa, vestindo uma camiseta com estampas russas; numa terceira, uma mulher mia diante de gatos vistos no computador; numa quarta, pessoas fazem aeróbica diante de uma tela de TV, num palco improvisado no centro do navio em que se passa a maior parte da trama. Alguém disse que este filme não funciona em conjunto, mas sim pela análise isolada de suas partes. Eu discordo veementemente: “Filme Socialismo” é um filme que vai de encontro ao Capitalismo, no sentido de que entende que a arma mais efetiva deste último é a separação dos povos e culturas. “Filme Socialismo” amalgama e, nesse sentido, dialoga sobremaneira com uma das obras-primas de Manoel de Oliveira, “Um Filme Falado” (2003), em que cada um dos personagens comunica-se em sua língua pátria e são entendidos, mas não salvos da morte por terrorismo internacional, religioso e reivindicativo. Jean-Luc Godard e Manoel de Oliveira têm muito em comum, mas isto seria assunto para uma tese de doutorado, não para uma mera postagem emergencial de ‘blog’ subjetivista.

Infelizmente, porém, as legendas disponíveis para este filme são exageradamente elípticas e não traduzem a pletora de idiomas e citações que abundam neste filme. Este comportamento elíptico, aliás, foi tão ostensivo que cheguei a pensar que o mesmo fosse proposital, sugerido pelo diretor, que, noutra oportunidade, manifestou-se contrário à legendagem dos filmes, visto que estas palavras impostas sobre a tela maculariam a imagem. Declaração típica de gênio, de purista, de utópico, de sonhador... E Jean-Luc Godard é tudo isso. Além disso, se refletirmos com calma. Eis um filme que radiografa por dentro as esperanças que ainda podem ser depositadas sobre a conversão positiva do século XXI, mas... Quem se dispõe a vê-lo? Quem possui o arsenal teórico e/ou videográfico para compreendê-lo? Infelizmente, a intenção aqui é bem maior que a realidade e, infelizmente, no mundo real, as leis – mais corruptas do que injustas – são quem ditam as leis. Por menos tautológica que esta afirmação pareça...

Wesley PC>

QUEM ERA JEAN-LUC GODARD: “MASCULINO-FEMININO” (1966) – “O TRABALHO HUMANO RESSUSCITA COISAS MORTAS”

Tendo visto e reverenciado a maior parte dos filmes godardianos, ouso taxonomizar seus longas-metragens em cinco fases distintas, mas de difíceis distinções entre si: a fase teórico-reflexiva do espelho, a fase ativista desconstrutiva, a fase da transição marital televisiva, a fase da metalinguagem naturalizada e a fase hodierna, religiosa e eletrônica. Ainda não pus no papel esta minha taxonomia pretendida, mas as bases são estas e, obviamente, o filme que acabo de ver pertence à primeira fase. “Masculino-Feminino” (1966) é um típico filme especular, em que, num momento de sublime autoconsciência crítica, um letreiro invade a tela: ESTE FILME DEVERIA SE CHAMAR ‘OS FILHOS DE MARX E COCA-COLA'. Jean-Luc Godard é e sempre foi um gênio político aplicado no próprio cotidiano!

Por causa de problemas relacionados à gravação do DVD em que estava contido o filme, tive que assisti-lo sem legendas e, definitivamente, a minha compreensão da língua francesa não comporta o excesso de citações literárias típica dos filmes godardianos, mas, ainda assim, creio que consegui entender o básico. As deliciosas canções interpretadas por Chantal Goya e a beleza e o carisma eternamente juvenis de Jean-Pierre Léaud cativaram-me facilmente. E fiquei absolutamente chocado na cena em que, sentindo necessidade de urinar durante a projeção de um filme, o protagonista, definido como ”um jovem instável” abre a porta do banheiro e depara-se com dois homens se beijando. Fecha a porta, mija e, logo em seguida, não titubeia e escreve na porta do cubículo sanitário: ABAIXO A REPÚBLICA DOS COVARDES! Contra quem era esta admoestação repressiva? Nos filmes de Jean-Luc Godard, as perguntas são bem mais relevantes que as respostas!

Num dialogo tipicamente confinado entre homem e mulher, um pergunta à outra qual é o centro do mundo. Ela reclama que eles acabaram de se conhecer e, como tal, é muito cedo, para perguntas difíceis. Diante da insistência dele, ela responde: “o amor”. E ele retruca, dizendo que, se fosse ele a responder, teria dito “eu”. Eu não seria igual ao amor no que tange à centralização do mundo? Pensei durante este diálogo genial e tipicamente romântico, conforme acontecia demasiado nesta fase pontuada por espelhos da filmografia em longa-metragem deste brilhante cineasta.

Poderia elencar citações geniais por parágrafos e mais parágrafos, mas, como disse antes, meu entendimento do filme foi parcial, em razão de minha defasagem francófona quanto à transmutação dos contos de Guy de Maupassant em petardos contra a Guerra do Vietnã. Porém, não cansaria de dizer sobre este filme: genial, absolutamente genial! E não pude controlar o gracejo na cena em que o protagonista assina uma petição em prol da libertação de presos políticos brasileiros... Jean-Luc Godard na madrugada é algo que faz bem, muito bem. Que frescor!

Wesley PC>

sábado, 25 de dezembro de 2010

NÃO MAIS UM ESTAFERMO!

Acabo de ver, meio sem querer, a versão fílmica do Robert Zemeckis para “A Christmas Carol”, obra literária do ensebado e bem-intencionado Charles Dickens que já me recomendaram N vezes para ler, em inglês mesmo. O nome do filme era “Os Fantasmas de Scrooge” (2009) e tratava-se, conforme já foi dito, da enésima versão para a conhecida estória do velho avarento que é visitado por fantasmas do Natal Passado, do Natal Presente e do Natal Futuro. Não importa quantas vezes eu já tenha visto esta trama, eu quase sempre gosto dela. Identifico-me um pouco com o tal do Ebenezer Scrooge: detesto Natal! Fui ensinado ou obrigado a tal, desde pequeno, visto que algumas das brigas e dissensões mais violentas de minha família aconteceram durante o que deveria ser a comemoração desta data. Fiquei traumatizado!

Para o meu deleite e surpresa, o que mais me encantou no filme do versátil Robert Zemeckis foram as “brechas” na estória, além do aspecto demasiado sombrio de algumas passagens. Sem contar os personagens que são abandonados, mesmo que sejamos obrigados a sentir tanta pena deles... Personagens que são, acima de tudo, personagens e que, como tal, por mais que nos enterneçamos de suas agruras e possamos evitá-las se tornássemos homens mais felizes, é como se algo ficasse sempre por resolver, como se algo escapasse às nossas forças morais. Como me pareceu egocêntrico aquele desejo infantil final, transformado em canção na voz do Andrea Bocelli: “God bless us everyone”!

Fiquei com uma vontade plangente de ler este livro agora, conforme tanto já me recomendaram. Em inglês mesmo, visto que Charles Dickens tem aquele charme anglofílico clássico e caturra. E, enternecido e amargurado que eu não tenho como deixar de estar, percebo que meu vocabulário adjetivo se renova graças à obra-prima de Eça de Queiroz que leio. Não sou avarento, mas tendo a ficar defensivamente amargo por causa de paixões naufragadas do passado, do presente e, ao que tudo indica, também do futuro. Ou talvez não. Que elas não estão naufragadas coisíssima nenhuma. Tal como diz a criada Juliana ao final do sexto capítulo, “ – ‘Não se pode estar melhor! A barca vai num mar de rosas’. E acrescentou, com uma risadinha: - ‘E eu ao leme!’”. Quem me dera... Que Deus me proteja e que nos abençoe, a cada um de nós!

Wesley PC>

OS DISCOS QUE EU NÃO COMPREI PELA CAPA (VERSÃO 25 DE DEZEMBRO):

A rua em que habito é conhecida como uma das mais festivas do Conjunto Residencial Brigadeiro Eduardo Gomes, aqui no município de São Cristóvão - SE. Conclusão: a barulheira tipicamente ferial, associada ao final do mês de dezmebro, está altissonante, o que não impediu que, por diferentes motivos e recursos, eu dedicasse parte do dia de hoje à audição crítica de três discos recentemente baixados:

Reggae Resistência” (1988), de Edson Gomes: conforme citado abaixo, um disco clássico, que, em apenas 10 faixas, sintetiza porque este baiano faz tanto sucesso na periferia até hoje. “Sistema do vampiro” logo na entrada, “Malandrinha” em seguida e “rastafary” na faixa 03. Só por estas 03 faixas, dava para ficar repetindo, repetindo, que já fazia a cabeça de muita gente, mas ainda tem “Cão de Raça”, “Na Sombra da Noite” e “Samarina”. Uma jóia para ser ouvida em som alto, sem um pingo de vergonha integracionista!

The Holy Bible” (1994), de Manic Street Preachers: citei-o recentemente, no sentido de que é um disco melhor no papel do que nos ouvidos, mas, ainda assim, a faixa 04, “She is Suffering”, já é minha preferida. As demais faixas falam sobre suicídio, dor, automutilação, anorexia, campos de concentração, tristeza, abortos, traições, maldade inata e tudo aquilo que me chamou a atenção só de olhar a capa. À primeira audição, não é bem o que buscava, mas potencial é o que não falta...

• “Music Has the Right to Children” (1998), de Boards of Canada: minha mãe não gostou, porque os grunhidos contidos na faixa 12, “Aquarius”, a fizeram lembrar-se de meu irmão: “é a voz de Rômulo aí, é? Não? Certeza?”. Eu ri com isso, mas, no geral, este é um disco de música eletrônica ambiente, cadente, mais lenta, com poucas frases e repleta de repetições que justificam e/ou explicam o título do álbum. Não vou citar nenhuma faixa preferida, além da 12ª, visto que só o ouvi uma vez (hoje pela manhã, quando acordei), mas é bem agradável e dançante, ao mesmo tempo.

De resto, eu preferia um pouco de silêncio. Preciso prosseguir a leitura de “O Primo Basílio”. Preciso voltar para minha criada Juliana!

Wesley PC>

“ELE TRAZIA SEMPRE O SUOR NO ROSTO, O CORPO CANSADO, E NADA NO BOLSO”...

Estes são versos compostos e vociferados pelo cantor baiano Edson Gomes, sobre seu pai e sua atual configuração trabalhista racial, na canção “Hereditário”, faixa 08 do ótimo e já clássico disco “Reggae Resistência” (1988), que ouço agora, para ver se acalmo a fúria etílica do meu irmão Rômulo. Tento, mas, independentemente de funcionar ou não, está me sendo pitoresco comparar o seu discurso de arrependimento deste ano com o do ano passado. As mesmas lágrimas e a mesma lamentação (“eu vou mudar, neste ano eu mudo!”), enquanto segura uma lata de cerveja numa das mãos e uma pedra de ‘crack’ na outra. E, na Internet, um amigo virtual apresenta-me ao trabalho pictórico da canadense Agnes Martin (1912-2004), sob o pretexto de que este quadro abstrato anexado à postagem, datado de 1960, lembra a textura do tecido da camisa que eu vestia numa dada fotografia... E não é que parece mesmo?!

Caramba, o disco do Edson Gomes supracitado é muito curto - apenas 10 canções em 35 minutos e 37 segundos - mas como se mescla bem aos protestos familiares de meu irmão, como se parece com ele. E como é bom, acima de tudo, muito bom! Mas é também curto e, assim sendo, quando acaba, meu irmão sai de casa, reclamando que não tem dinheiro “para tomar uma”, não obstante estar com dois copos cheios de cerveja na sala, ambos enchidos por ele, que os abandonou pela metade, como se fosse um personagem mimado de M. Night Shyamalan. Na rua, a qualidade das músicas sendo executada é inferior, e eu penso seriamente em repetir o CD, para ouvi-lo com mais cautela nostálgica, visto que eu próprio projetei lágrimas recentes ao som de “Malandrinha”:

“Há muito tempo que eu queria ter um grande amor como você.
Que demorou, mas chegou e minha vida se transformou.
Todo tormento já passou. Em minha vida, tudo é amor.
Não esperava que, um dia, viesse ser feliz assim”...


Só canto até essa parte. Depois eu só danço. Não ouso esperar mais de um outrem inalcançável. E, lendo a biografia da tal da Agnes Martin, interesso-me particularmente pela ostensividade com que ela se afasta do abstracionismo racionalista (isso existe?) e mergulha num compêndio de traços e malhas cromáticas que remetem ao taoísmo, para ficar apenas num exemplo isolado e enciclopédico. Creio que voltarei a falar sobre ela no futuro, bem como sobre Edson Gomes, bem como sobre a toxicomania de meu irmão, bem como sobre as coisas que aprendo com meus amigos virtuais... E, se eu tivesse um pai, estaria agora seguindo os seus passos, trazendo o suor no rosto, o corpo cansado, nada no bolso, mas um sorriso largo e de enfrentamento, acima de tudo. Por que, mesmo sem pai, minha mãe me ensinou a agradecer: por isso, eu digo OBRIGADO!

Wesley PC>

PROPAGANDA ESPÚRIA DAS LOJAS AMERICANAS:

Na madrugada de hoje, um interlocutor frasal desejou-me “boas compras” natalinas, acrescendo o desejo escrito com várias onomatopéias de gargalhadas (KKKK). Era uma piada, facilmente compreensível e de muito bom tom sarcástico, na situação que ele e eu encontrávamo-nos no momento: ele, confinado numa festa em que canções pornográficas eram executadas sob um pretexto natalino troncho; eu, sofrendo o que sofri nas descrições imediatamente anteriores. Para além de eu achar graça ou não na referida piada, foi-me um alento sentimental deveras particular: tu que vem daquele interlocutor me faz bem e, como tal, lembrei-me de um episódio comercial recente, acontecido no interior de uma das filias das lojas fundadas em 1929, pelos norte-americanos John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger: um rapaz foi comprar chocolates, enquanto outro ficou lendo o exemplar do livro de Máximo Gorki que acabara de comprar. Entre um e outro, várias pessoas, R$ 5,00 e uma porrada de sentimentos assimétricos. Para infelicidade de um deles, talvez a fila tenha sido rápida demais. E, por receio de irritar o outro com suas obsessões fotográficas incompreendidas, a contemplação haverá de ser mais mental do que material: o temor borrou a imagem, mas não obliterou os intentos passionais que se forçavam respeitosos. “Ele nunca tentou te agarrar a pulso, não?”, contou-me ele, transmitindo um receio externado por um parente. “Não, não, ele é uma boa pessoa”, disse-me ele, como sendo esta a resposta típica e defensiva a meu respeito. E, além dos chocolates, eu comprei alguns DVDs virgens nas Lojas Americanas, em 21 de dezembro de 2010.

Wesley PC>

E, SE HOUVER UM “ANO QUE VEM”, ESTE É O FILME QUE DEVE SER REVISTO!

Na primeira cena de “O Dia da Besta” (1995, de Alex de la Iglesia), um padre vira-se para outro e pede para se confessar. “Por quê? Tu pecaste?”, pergunta um. Não, mas vou pecar bastante. É a única forma de salvar a humanidade”, responde o outro. Uma cruz enorme despenca da igreja e mata um dos padres. O outro encontra um mendigo queimado vivo na rua, rouba a sua carteira e manda-o para o inferno. Era véspera de Natal, dentro e fora do filme. E minha mãe estava ao meu lado, sentada no sofá, gargalhando diante da genialidade anárquica deste filme primoroso, ideal para efetivar a catarse citada na postagem anterior. Não é um filme necessariamente triste nem muito menos perfeito (não obstante ser dramático em sua melancólica observação de um mundo em decadência que, ainda assim, merece ser salvo), mas resolveu o problema: curou a minha depressão natalina deste ano!

Nos 103 minutos de projeção deste filme espanhol mais do que inspirado, crimes são cometidos em prol da salvação da Humanidade, uma pletora de ‘heavy metal’ é ouvida e mencionada na trilha sonora, cogumelos amanitas são reivindicados enquanto complementos psicotrópicos para o transe que fundamenta qualquer experiência religiosa elevada, o Diabo se manifesta como um ser que sente inveja fetichista de Jesus Cristo, o charlatanismo de exorcismos televisivos é dilacerado e um grupo de assassinos que se autodefinem como "higienizadores citadinos" é metonimicamente citado enquanto denúncia contra os ataques xenofóbicos que vêm assolando a Europa desde bem antes da produção do filme. Em suma, "O Dia da Besta" é arrebatadoramente genial em toda a sua euforia, culminando numa bela declaração positiva de que o verdadeiro Bem deve ser praticado anonimamente. Se houver um “ano que vem”, eis o filme que eu indico prontamente para ser exibido num Natal em família. Maravilhoso!

Wesley PC>

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

EM BUSCA DA TRISTEZA PERFEITA NUM CONJUNTO DE CANÇÕES SUPRA-NATALINAS E, (IN)FELIZMENTE, NUNCA A ENCONTRANDO...

Eu queria estar trabalhando nesta noite de Natal. O trabalho liberta”: está lá, inscrito sobre as grades dos campos de concentração nazistas, hoje convertidos em zonas de turismo histórico. Num telejornal, visto há pouco, uma repórter perguntou a uma mendicante o que ela estaria fazendo durante o ‘réveillon’: “estarei nas ruas, pedindo escolas, mas os meus filhos ficarão em casa, viu?”, disse ela para a câmera. Na janela do meu quarto, um irritante pisca-pisca executava canções natalinas tradicionais. E eu imaginava se, em algum lugar do mundo, alguma mulher pobre estaria sendo infibulada com pedaços de vidro extraído de uma árvore artificial comemorativa. Tomara que não. De coração, tomara que não. “Haveria arte sem tristeza?”, perguntou-me um menino bonito, com um largo pedaço de pizza de mussarela nas mãos, na noite de terça-feira. E, como sói acontecer, ano após ano, meu irmão senta em frente a nossa casa e chora. Diz que vai parar de usar drogas degenerativas, mas... Entediado, taca fogo numa pedra de ‘crack’, depois noutra, depois noutra... Minha mãe chupa tangerinas no sofá, enquanto eu busco discos tristes na Internet. Queria ouvir algo completamente impregnado de sordidez, a fim de introduzir a catarse neste coração apertado sabe-se lá por que. O que está me incomodando, meu Deus?! Por dentro, me sinto tão bem. Estive ao lado de quem queria ontem, estou vivo, vejo, ouço e tenho o dom de falar e escrever, mas um desconforto atroz me persegue. Pus algumas faixas do disco “The Holy Bible” (1994), da banda galesa Manic Street Preachers, para serem executadas, enquanto me empanturrava de chocolate, em cima da cama de minha mãe. As letras das canções são impregnadas da tal “tristeza perfeita” citada no título perscrutador desta postagem. Uma delas menciona uma mulher que está sofrendo. Outra descreve o cotidiano de alguém que se define como um aborto ambulante. Uma terceira demonstra como um prego enferrujado é ideal para se rasgar a perna enquanto se morre no verão. O compositor das canções se suicidou. Supostamente, pulou de uma ponte. Seu corpo nunca foi encontrado. A inscrição na entrada do campo de concentração de Dauchau foi uma de suas principais inspirações compositivas. Eu acredito que é importante ter musos na arte. Minha cadela tem medo de fogos de artifício e minha mãe não pode assistir TV no quarto porque este recinto está impregnado de fumaça tóxica. Não é desta vez. Por dentro, eu me sinto bem. Aquele menino é tão bonito... Meu muso!

Wesley PC>

SEMPRE SE PODE DESCER O NÍVEL UM POUCO MAIS!

É nesse tipo de situação que eu me lembro de um famoso chiste recorrente dum professor de Filosofia amigo meu, que, ao comentar a subsunção voluntária à decadência por parte de algumas pessoas, acrescenta: “quando se pensa que estas pessoas já desceram de nível o suficiente, elas retiram uma pazinha dos tornozelos e cavam mais!”. Eis como eu me sinto agora, depois de ter sobrevivido à sessão de “Os Vampiros Que Se Mordam” (2010, de Jason Freidberg & Aaron Seltzer), pseudo-paródia apologética dos filmes “Crepúsculo” (2008, de Catherine Hardwicke) e “A Saga Crepúsculo: Lua Nova” (2009, de Chris Weitz), respeitando, inclusive, a linearidade narrativa de ambos os filmes, sendo muito pouco cômica em relação à já ridícula concepção da cinessérie. São apenas 82 minutos de duração, mas... Como demoraram a passar!

Apesar de a atriz principal (Jenn Proske, iniciante e recém-graduada em Teatro pela Universidade de Boston) ser realmente boa e estar visível e compreensivamente constrangida na maioria das seqüências e de eu ter gostado da canção interpretada pelo Marilyn Manson (“If I Was Your Vampire”) que é executada durante os créditos finais, o filme não presta porque: a) tem como base para suas piadas algo que já não presta; e b) ri de si mesmo, crente de que assim riríamos também, conforme se destaca na seqüência em que uma alcatéia descamisada de lobisomens assume que faz parte de um grupo dançante ‘gay’. Por que razão eu vi este filme? Por que eu me submeto a este tipo de coisa? Apesar de isto já ter sido motivo de várias brigas intelectuais com o autor da frase acima, sinto como se eu precisasse estar constantemente “vacinado” contra estas execráveis abominações da Indústria Cultural e, partindo de minhas crenças homeopáticas, a vacina e o veneno se confundem, visto que tendo a me interessar carnalmente por pessoas que se interessam por estes produtos e, como tal, preciso ter assunto com elas, nem que seja para falar mal... O ciclo de relações e justificativas é infindável e talvez inconvincente, mas é pessoal. Por isso, não reclamarei. Ao invés disso, comemorarei: eu sobrevivi não somente à então trilogia fílmica baseada em romances adolescentes da Stephenie Meyer(da qual, não li nenhum livro) como também ao abjeto “Os Vampiros Que Se Mordam”! Mas, só por precaução, é melhor ver algo que presta da próxima vez (risos)...

Wesley PC>

‘TE QUIERO, PUTA!’

Descobri o filme “Garotas de Programa” (2004, de Maria Lidón) graças a uma equivocada informação que o atrelava ao realizador catalão Bigas Luna – posto que é assim que a diretora assina seu filme, à època: Luna – mas me decepcionei deveras com seu conteúdo: a esbelta e loira Denise Richards interpreta uma antropóloga juvenil que decide escrever uma tese sobre homens e mulheres que se prostituem na Europa. E, aos poucos, a narrativa do filme vai se confundindo com o pseudodocumentário realizado pela personagem. Mas é tudo tão moralista, tão ruim, que lamentei ter gravado este filme de forma parcialmente indelével no disco em que selecionei produções culturais polêmicas com as quais tenciono espantar a famosa depressão natalina que me persegue. O filme é tão ruim que estimula a depressão, um lixo!

Entretanto, como não só de filmes ruins sobre prostituição vive o mundo, na noite de ontem reassisti ao clássico “Nazarín” (1958), da fase mexicana de Luís Buñuel. Tencionava presentear com este filme o irmão de um ex-colega de trabalho, que, coincidentemente, estava a visitar uma igreja localizada no conjunto residencial em que habito, mas uma contingência silenciosa impediu a efetivação de minha entrega material. Fica para domingo, portanto.

Revendo o filme, realizado pelo “ateu, graças a Deus” que recebeu o devido reconhecimento do Vaticano, deixei de gemer de satisfação diante da devoção eclesiástica e humilhante do protagonista por alguns instantes para perceber como o diretor inseriu dignidade na trama secundária do anão que se apaixona por uma prostituta que deseja se reabilitar. Tu és tão feia, mulher pública, mas eu te estimo muito”, diz o anão. “E tu pareces um girino sem patas”, responde a prostituta, “mas eu também te estimo”. A “justiça dos homens”, entretanto, impedirá que eles concretizem o amor que sentem um pelo outro. Mas já era tarde para impedir os efeitos benéficos em minha mente: eles se amavam, por mais párias que fossem considerados, um em relação ao outro. Como (quase) sempre, isso me basta. Por isso, canto ao som da banda alemã Rammstein:

“Entre tus piernas voy a llorar
Feliz y triste voy a estar
(...)
Te quiero, puta!”


Wesley PC>

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

...E DECLARAÇÕES DE AMOR!

“Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido: sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria dum luxo radioso de sensações!”

Literariamente, este é um dos trechos iniciais do sexto capítulo de “O Primo Basílio” (1878), de Eça de Queiroz, romance que me encanta sobremaneira em razão da fecundidade aplicativa de um apotegma proferido por seu autor: “o realismo é a anatomia do caráter”. Oh, como é! E o meu caráter, neste exato momento, está irradiado por reações muito semelhantes às que tomam a protagonista Luísa no trecho destacado, que também aparece na primeira faixa do disco “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor” (2000), da encantatória Marisa Monte. Na faixa em pauta, seu amigo Arnaldo Antunes profere os prosaicos versos destacado, ainda mais efetivos no videoclipe da canção, tão mal-compreendida por alguns fãs da artista, quando caiu no gosto popular à época, em razão de ter sido tema de telenovela, etc., etc.. Acho que ouvirei este disco na volta para casa, mais tarde...

No mesmo disco, “O Que Me Importa” também fez muito sucesso popular, mas, como o título do disco deixa bem evidente, há muito mais amor declarado do que somente nestas duas faixas. É um disco muito bom, ainda que mais “fácil” do que os trabalhos anteriores da cantora. Fácil no sentido de que suas composições e referências, aqui, são acessíveis a um público midiático muito mais largo. Amor é quase um clichê, amor é um truísmo, amor é base! E, como tal, eu sou um clichê, um truísta, mas deste sentimento básico não me esquivo. Se me perguntassem agora, diria que estou feliz. Citando novamente a eterna Joana d’Arc: “se não estiver, que Deus me faça estar; se estiver, que Deus me conserve assim”. Amo: “isso me acalma, me acolhe a alma. Isso me ajuda a viver”!

Wesley PC>

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

“ÉRAMOS COLEGAS, AMIGOS... HOJE SOMOS CONCORRENTES. A VIDA É ASSIM: IRÔNICA... E BELA”!

Por mais que eu repita para mim mesmo que “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos” (2010), de Woody Allen, é um filme menor, não paro de pensar nele desde ontem. Acordei tão satisfeito... No ônibus de ida, uma mulher conversava com uma amiga, dizendo que se casar é a razão da existência humana na terra: “temos que ter alguém ao nosso lado quando formos velhos, né?”, perguntou ela. Respondi mental e reticentemente:o que eu não daria por isso”... E o filme, de certa maneira, falava justamente sobre isso. E o resto é segredo. Ponto para Woody Allen, como sempre. Envelhecer é divertido!

Wesley PC>

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

E SE EU DISSER QUE VINCENT VAN GOGH (1853-1890) SE MATOU DEPOIS DE PINTAR ESTE QUADRO?

A pergunta não é minha, mas do crítico de arte John Berger que, num dos vários exercícios válidos de apreciação artística contidos no livro coletivo seminal “Modos de Ver”, nos pergunta o que achamos deste quadro antes de fazer o questionamento acima. Aliás, acrescenta: depois que sabemos que o artista se suicidou depois deste quadro, a pintura por si mesma é acrescida de elementos dramáticos e trágicos não facilmente perceptíveis. Ou talvez já percebidos, mas não com a mesma amplitude. Antes, é uma paisagem tomada por aves daninhas. Depois, é o doloroso testamento de um artista incompreendido em seu próprio tempo. Ou algo parecido.

Façamos de conta que o que eu quero dizer com esta postagem está sendo mentalmente decodificado: uma zonzeira atroz em minha cabeça, uma expectativa, uma vontade de rever o filme mais assumidamente onírico de Akira Kurosawa, o medo de que tudo saia errado num encontro aguardado desde que fevereiro de 2010 raiou no horizonte de minhas frustrações anuais... A cada dia, aproximo-me mais e mais de Vincent Van Gogh, sem o mesmo talento, é claro. Se ele dedicou boa parte de sua carreira a expressivos auto-retratos, eu dedico a quase integralidade de minha vida a auto-expressões. E, por sorte, minhas orelhas são pequenas. E tenho que comprar fones de ouvido hoje. Na foto: “Campo de Trigo com Corvos” (1890). No ouvido: “Hurt”, em versão inicial de Trent Reznor, comandando sua “banda de um homem só”, Nine Inch Nails:

“I hurt myself today
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything”


E, pelo visto, sentido, pintado e ouvido, esta canção voltará aqui mais e mais vezes!

Wesley PC>

SABE QUANDO NÃO SE ACREDITA APRIORISTICAMENTE, MAS SE INTERPRETA CORRETAMENTE ASSIM MESMO?

Hoje eu tive um pesadelo esquisito (pesadelos costumam ser esquisitos!): um rapaz lacônico e de cabelos compridos – com o qual até tento conversar de vez em quando, mas discordamos veementemente no que tange a alguns posicionamentos de prática política – assistiu ao filme feminino “Flores de Aço” (1989, de Herbert Ross – ainda não visto por mim) durante uma viagem de barco e ficou sem entender o que o filme quis dizer. No pesadelo, o filme tinha 180 minutos de duração e eu já o tinha assistido várias vezes, de maneira que tentei explicar o conteúdo do mesmo ao rapaz com base em explicações subliminares sob o uso discursivo do conceito filosófico de “tabula rasa”, que, em termos enciclopédicos, implica em dizer que o homem nasce como se fosse uma “folha em branco”, de maneira que seu aprendizado é prioritariamente baseado no recurso da tentativa e erro, na experimentação propriamente dita. O empirista John Locke (1632-1704) explicaria melhor este conceito em suas obras. A mim, restou apenas ser despertado apavorado de um uso obliquo no interior de um sonho!

Passado o susto inicial, pude perceber que os elementos deste pesadelo real advieram de eventos que marcaram a minha noite branda de segunda-feira. Assisti ao filme “Criatura do Mar Encantado” (1961, de Roger Corman – este da foto), ‘trash’ por excelência, cujo roteiro mescla política contra-armamentista com romances insulares com tramóias de contra-espionagem com um monstro marítimo fubenga que se alimentam de carne humana e ouro. Tem como não se despertar de pesadelos depois de se assistir a um filme destes?!

Num intervalo auto-atribuído a este filme, saí de casa e visitei um vizinho febril, que bateu a porta de seu quarto, irritado por causa da dor física que sentia, largando-me sozinho no meio da sala, enviando mensagens de celular a um moço que estava justamente sendo acusado por mim de ser lacônico. Ele respondeu-me da seguinte forma: quanto mais lacônico, menos espaço para o erro. Frases curtas, pra que mais?”. Eu discordo. No mesmo momento, escrevi-lhe um texto enorme, defendendo o erro enquanto experiência gnosiológica, assumindo a mim mesmo como demonstração efetiva da validade conceitual do que Edgar Morin chamava de “hipercomplexidade”, a capacidade cerebral de reagir beneficamente, através da criação de novas sinapses, a estímulos objetivamente determinados como sendo “erros”. É assim que eu (sobre)vivo, aliás. Errando e errando! Por isso, tenho pesadelos como este... E depois venho aqui, relatá-los!

Wesley PC>

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

“EU NÃO SEI O QUE EU FARIA SE FOSSE CEGO”... “ACOSTUMARIAS-TE”, DISSE UM PERSONAGEM CEGO, EM PRONTA RESPOSTA.

Quando eu era pequeno, imaginar se um deficiente visual sonhava com imagens era uma reflexão recorrente. Desde esta época, portanto, ficar cego era uma possibilidade que muito me atemorizada. Nos últimos dias, em razão de uma forte dor em meus globos oculares, pensei novamente neste dilema, nunca respondido a contento desde que eu era criança: com o que os cegos sonham?

Por pura coincidência, no meu horário de almoço de hoje, assisti a dois curtas-metragens sobre o tema. No primeiro, “O Cego Estrangeiro” (2000, de Marcius Barbieri), mais interessante na proposta que em sua execução, um narrador cego conta à platéia a estória de alguns homens que se apaixonam por uma funcionária de livraria, viciada em leitura, sendo que, a fim de conquistá-la, eles passam a ler bem mais. Tudo o que vemos são uma tela negra e as legendas, visto que o cego fala num idioma inventado para o filme. No segundo, “Eu Não Quero Voltar Sozinho” (2010, de Daniel Ribeiro), quase uma obra-prima, um rapazinho cego apaixona-se por um colega de classe, causando ciúmes em sua melhor amiga, apaixonada por ele. O primeiro vale pela tentativa. O segundo é uma aula de tudo o que de melhor pode ser atrelado ao Cinema enquanto diversão, projeção onírica e requisição por diretos humanos. Vale a pena falar mais um pouco sobre o segundo, portanto.

Em “Eu Não Quero Voltar Sozinho”, o protagonista, cego desde que nasceu, pergunta a sua melhor amiga se ele é bonito. Ele é. Num dado momento, ele convida o rapaz por quem é apaixonado para visitar a sua casa e, crente de que este está escovando os dentes num banheiro, é flagrado cheirando uma peça de sua roupa. Ninguém reclama de nada, visto que, segundo ele, uma das vantagens de ser cego é que todos lhe prestam favores o tempo inteiro. Porém, o brilhante roteiro do filme é mais complexo do que isso: lida com as nuanças passionais de uma forma encantadora, nada óbvia, salvo por uma decisão mui precipitada no trecho final. Mas nada que tirasse o encanto do filme. Tornou-se um dos meus favoritos deste ano. E, não por acaso, fui incluído entre os personagens que ampliaram os hábitos de leitura por causa da paixão sentida por alguém, conforme anunciado no desfecho de “O Cego Estrangeiro”. Será que eu me acostumaria mesmo com a cegueira? Pelo sim, pelo não, estes dois interessantíssimos curtas-metragens demonstram que, na situação hipotética em pauta, este seria o menor dos meus problemas...

Wesley PC>

DO ATO DE FALHAR...

Apesar de estar me graduando em Jornalismo, não é comum eu me sentar diante de uma TV para assistir a programas noticiosos. Minha mãe, por outro lado, costuma deixar a TV ligada em volume altissonante, a fim de acordar eu e meu irmão, para que possamos ir para os nossos respectivos empregos. Na manhã de hoje, ainda sonolento, ouvi uma notícia peculiar, que muito me interessou: um rapaz, depois de ter se decepcionado num relacionamento romântico, tentou acabar com a própria vida, atirando duas vezes contra a própria cabeça. Não morreu. Está internado num hospital, em estado grave e, quando se recuperar, será preso, visto que atentar contra a própria vida, segundo a Constituição brasileira, é um ato criminoso. Conclusão: além de ser preso, ele vai ser extremamente vigiado, para que não tente se suicidar novamente. Pós-conclusão: a vida é um direito individual, mas também é um sério dever estatal!

Tentei encontrar uma ilustração artística que metonimizasse bem a angústia que me tomou diante desta notícia. Motivo: apesar de eu ser pessoal e radicalmente contra o suicídio, a tentação (leia-se fraqueza) é eventual. Diante do episódio de estréia do seriado televisivo “The Walking Dead”, visto no último sábado, eu (enquanto espectador) e um dado personagem (enquanto protagonista ativo) compartilhamos o pavor de estar cercado por zumbis, debaixo de um automóvel. Agoniado que eu e ele ficamos diante da dor possivelmente resultante das mordidas fatais dos mortos-vivos, atirar contra a própria têmpora pareceu uma solução atenuante diante do tormento dorido. Ele pede perdão imaginário a sua esposa, que não vê faz tempo, e atira. O que acontece? Só vendo o seriado ou acompanhando os telejornais para saber. A vida é assim mesmo!

Wesley PC>

domingo, 19 de dezembro de 2010

• UMA CITAÇÃO, À GUISA TITULAR: “IMPUREZAS DO MUNDO NÃO ME ROÇAM/ NEM A FÍMBRIA DA TÚNICA SEQUER”...

• Uma dedicatória:para meu querido Werlinho, a quem tanto devo. Eis que tento ressarci-lo com todo o meu amor. Amo-te! A ti presenteio, fazendo uso do romance que mais amo. Um pouco de mim, para ti!”. Era uma amiga de infância, que sobrevivera bravamente às minhas amizades de infância;

Um título e um subtítulo: “O Primo Basílio – Episódio Doméstico”. Era o português Eça de Queiroz, em 1878, legando ao mundo um de seus romances mais famosos, em que a expressão singular “episódio doméstico” revela-se, desde já, como um coletivo de pequenos episódios domésticos, que se somam, mesclam-se, encantam e preocupam;

• Uma advertência: “no livro do Eça de Queiroz, há também um personagem chamado Reinaldo, Wesley! E este personagem é importante. Não é como o Reinaldo que aparece em ‘Hamlet’, de William Shakespeare”. Assim me disse um terceiro Reinaldo, ciente do poder que o seu próprio e simples nome tem sobre mim e sobre as projeções de identificação inversa que depositarei sobre este livro, há muito desejado e agora plenamente saciado por minha amiga de infância, Mara Jane, a quem amo em retorno.

• Uma época de recepção: assim sendo, às 16h do décimo nono dia do mês de dezembro deste ano da graça de Nosso Senhor, eu inicio a leitura deste precioso romance realista. Consumi os dois primeiros capítulos, equivalentes a cerca de cinqüenta páginas e 1/8 do romance completo. No trecho até então lido, conheci os percalços íntimos dos personagens, seus recatos e seus preconceitos. E, num sábio joguete metalingüístico, um dos convidados da protagonista Luísa, que em breve será infiel, narra uma peça teatral de sua autoria, em que uma adúltera é lançada ao escárnio público: merece ela o perdão ou a morte? O marido de Luísa proclama impiedosamente: “sou inteiramente pela morte!”. Meu coração lateja mais forte neste instante. Quantas emoções ainda me esperam!

• Um parágrafo longe de ser conclusivo: não sei se por sorte ou por mera contingência, o personagem de nome Reinaldo ainda não surgiu no romance. Mas, de alguma forma estranha, este nome é o que grita mais alto a cada página. Tenho muito a ler ainda. Desligarei o computador. Que venha a noite!

Uma assinatura pessoal: Wesley PC>

“O VERDADEIRO VAMPIRO É O TEMPO – (...) É ELE QUE SUGA A VIDA. MESMO A NOSSA” (página 67)

A frase é do livro “O Vampiro que Descobriu o Brasil” (1999), de Ivan Jaf. A imagem é do filme “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosa” (2003, de Tim Burton), quando o protagonista explica aquele momento em que o tempo parece parar quando nos deparamos com a pessoa que amamos. A reflexão concatenadora é minha, mas poderia ser de qualquer pessoa. Qualquer pessoa! Bem que poderia ser qualquer outra pessoa...

O livro em pauta é recomendado como leitura obrigatória em muitos colégios públicos sergipanos. Um vizinho presenteou-me com uma fotocópia do livro certa vez, mas nunca tive um interesse efetivo de lê-lo. Pensei que se tratasse de um livro infantil convencional, que forçasse comicidade a partir de fatos históricos legítimos. Depois que vi um formando em História atribuir a cotação máxima a este livro numa rede social cibernética de leitores, resolvi arriscar uma leitura. E como me surpreendi: o livro possui âmago dramático, para além de suas interessantes reflexões tragicômicas sobre a História de nosso país, como o destaque para a ausência de pescoço no presidente militar Camilo Castelo Branco (risos). Dizendo de outra forma: o livro, muito curto, narra o périplo de mais de 500 anos de um taverneiro português que, tendo sido mordido por um vampiro, chamado de O Velho, fica incapacitado de vivenciar alguns de seus prazeres favoritos, como fazer sexo, bebericar vinho ou comer bacalhau. O resto do livro, portanto, mostra-o caçando seu algoz eterno, a fim de recuperar a capacidade de pôr novamente um pão na boca, sem vomitar.

O filme em pauta, por outro lado, denota uma triste inversão valorativa dos interesses tramáticos de Tim Burton, que agora parece mais preocupado com a realidade convencional, abandonando o seu apreço característico pela fantasia mitômana. Dizendo de outra forma, o roteiro deste filme, realizado quando o próprio diretor enfrentava o luto por seu próprio pai, narra o conflito entre um filho ‘yuppie’ e seu pai contador de histórias. Ao final, o filho vence enquanto ponto de vista dominante, ainda que o diretor deixe espaço para nossas fantasias. Depois deste filme, Tim Burton será cada vez menos merecedor de seu próprio nome...

E, paralelamente a isso tudo, de fato o tempo pára quando vemos quem amamos. Mas, de fato, o tempo talvez seja o verdadeiro vampiro. Estar ao lado de quem amamos, portanto, é a única forma de paralisar o vampiro. Mas se quem amamos não pode estar perto, o vampiro vence. E o vampiro suga... e suga... e suga!

Wesley PC>

sábado, 18 de dezembro de 2010

“ALGUÉM NÃO PODE SER TÃO BONITO ASSIM, ISSO NÃO DEVE FAZER BEM A NINGUÉM” [“REINE SOBRE MIM” (2007, DE MIKE BINDER)]

Nunca desconfiei que o Adam Sandler tivesse um potencial dramático. Paul Thomas Anderson e Frank Coraci já demonstraram isso muito bem, mas eu precisava ver este tal de “Reine Sobre Mim” (2007, de Mike Binder) para confirmar. Não sei se para minha sorte ou azar, vendo o filme em si, o talento de Adam Sandler terminou sendo um interesse secundário: seu papel é tão formatado para ser dramática e traumaticamente intenso que quase qualquer um obteria o mesmo sucesso ao vivificá-lo ou ao pronunciar o aforismo acima, referindo-se à psiquiatra interpretada por Liv Tyler. Linda!

Quando esta frase foi pronunciada, por outro lado, pensei noutra pessoa. Numa pessoa que, de sua forma não-consentida e involuntária, reina sobre mim e com a qual já tivemos uma conversa semelhante acerca dos perigos da beleza: “é quase irrelevante que tu sejas tão bonito. Isso eu poderia encontrar em quase qualquer outro. Mas tu tens algo que somente tu tens. E esse algo é o que me faz ser teu súdito!”, disse eu, há algumas semanas. E foi por causa deste guri que, hoje especificamente, eu vi este filme e me identifiquei – mais do que o previsto pelos produtores do filme – com alguns aspectos secundários do roteiro.

Na trama, um dentista oprimido pela esposa hiper-protetora é assediado por uma paciente amargurada, que deseja lhe conceder sexo oral a fim de aplacar um pouco da dor que sente, por se sentir sozinha depois que se divorciara de um marido infiel. Na rua, ele encontra um antigo colega de faculdade, que sofrera um forte estresse pós-traumático depois que sua família inteira (esposa, três filhas e o cachorro) morreu durante um dos atentados terroristas nova-iorquinos de 11 de setembro de 2001. Triste como jamais cria que ficaria, ele retrocede mentalmente [julgamento dos personagens do filme] e age como se não se lembrasse de nada, divertindo-se do jeito que pode, dedicando-se a jogos eletrônicos e a uma coleção de discos de vinil com mais de 5.500 títulos. Ele ama música, ‘rock’ clássico, o que justifica o belo título do filme, retirado de uma canção de The Who. Mais sobre o filme, só vendo-o. Por mais simples e direto que ele pareça em seus intentos terapêuticos, é um filme bom. Eu recomendo, para além do trocadilho titular com o nome do moço bonito em que eu pensei quando imaginei Liv Tyler como um homem de 24 anos (risos). Ele, definitivamente, reina sobre mim!

À medida que o filme se aproxima do final, alguns atropelos tribunalescos típicos da democracia norte-americana ameaçam prejudicar a dramaticidade nata, mas não conseguem. Neste momento, eu concentrei-me na música. E, como tal, pensei em “Karma Chameleon”, do Culture Club, que é o meu tema do dia. Ouço-a repetidamente no dia de hoje, conforme confessei aqui. E, por alguns segundos, eu torno públicos uma página de minha agenda pessoal e um questionamento: será que eu preciso de um psiquiatra?

Wesley PC>

COMO É QUE BLAKE EDWARDS VAI EMBORA DESTE MUNDO E EU NÃO ESCREVO NEM UMA PALAVRINHA DE DESPEDIDA SOBRE ELE?!

Na verdade, já o tinha feito várias vezes (vide aqui e aqui, por exemplo), visto que grandes homens devem ser lembrados em vida e não apenas porque morrem, mas confesso que, no dia 15 de dezembro de 2010, quando o veterano cineasta sucumbe a complicações pneumônicas, aos 88 anos de idade, senti-me na obrigação de renovar o meu afeto espectatorial por ele, tão incompreendido em suas comédias repletas de observações cáusticas sobre a circunvizinha e totalizante sociedade de consumo [infeliz de quem pensa que “A Pantera Cor-de-Rosa” (1963) ou “Um Convidado Bem Trapalhão” (1968) são comédias rasteiras], em seus dramas mordazes sobre as complicações românticas de boas pessoas tidas como párias ou marginais [que o diga quem se chocou diante de “Bonequinha de Luxo” (1961) ou “Minhas Duas Mulheres” (1984)], e em seus petardos autobiográficos sobre as perseguições atrozes que os viciados em Hollywood lhe impingiam [sendo “S.O.B. – Nos Bastidores de Hollywood” (1981), “Vítor ou Vitória?” (1982) e “Assim é a Vida” (1986) alguns de seus exemplos insuspeitos e mais geniais, todos protagonizados por sua amada diva, Julie Andrews]. Blake Edwards era um gênio em vida, sempre foi! E, agora que está morto fisicamente, merece ser lembrado por um de seus filmes mais proféticos, que hoje é particularmente efetivo sobre mim: “Mulher Nota 10” (1979).

Considerado um dos mais belos exemplares discursivos cinematográficos sobre as agonias da andropausa, “Mulher Nota 10” narra o tédio barulhento de um pianista mulherengo que, mesmo tendo um relacionamento estável com sua namorada Samantha (de novo ela, Julie Andrews, esposa do diretor), atribui notas de 0 a 10 a toda mulher que passa por sua frente. A única que merece a nota máxima, porém, acabara de se casar e ele a persegue na lua-de-mel, numa ilha caribenha paradisíaca. Lá, o pianista tem acesso à “solidão dentro da multidão” que caracteriza quem decide manter-se fiel a princípios no interior de uma indústria (a fotografia escolhida para esta postagem é mais do que sintomática, neste sentido), mas não desiste de encontrar a única mulher que, até então, recebeu a nota 10 em sua contagem. A surpresa: mesmo sendo recém-casada, a tal mulher (vivida por Bo Derek, uma das mais notórias amantes virtuais do diretor) é promíscua, liberal, e resolve convidá-lo para uma orgia à base de maconha, vinho e demais estimulantes alucinógenos. E, diante desta oferta irrecusável, ele sente que está velho demais. Onde ele encontrará o verdadeiro amor?

Sem julgar qualquer um dos personagens, Blake Edwards realiza um libelo moral e existencial de primeiríssimo quilate neste filme, que, mesmo sendo conduzido pela melodia convidativa do “Bolero” de Maurice Ravel, é um filme difícil, que deve ser lido nas entrelinhas. Digo mais: é um filme que explica muito sobre mim mesmo, é um filme que diagnostica o porquê de eu venerar com tamanha determinação pessoas que insistam em se demonstrar como imperfeitas ou prosaicas diante de mim. Estas são as pessoas que realmente merecem ser amadas. Esperar demais é cair do cavalo e engessar o cérebro, como demonstra maravilhosamente o personagem surpreendentemente simpático de Dudley Moore neste filme. Blake Edwards falava diretamente comigo. Descanse em paz, gênio safado e consciencioso. Quando eu crescer, quero ser que nem tu!

Wesley PC>