sábado, 21 de dezembro de 2013

QUERO SER ÍNDIO (PARA ALÉM DO NATAL...): O CHORO PRESO PRECISA SAIR!

Escrevo com a alma irritada neste exato instante. Não queria, mas escrevo. Coisas ruins aconteceram em minha casa há pouco e, desde o início da semana que me sinto traído, abandonado, desdenhando por meus amigos (em especial, os cinéfilos): a oitava edição da Mostra de Cinema e Direitos Humanos da América do Sul está acontecendo em Sergipe e, graças a ela, estou descobrindo documentários contemporâneos absolutamente arrebatadores. Dentre eles, uma parcela corresponde ao que vem sendo chamado de “cinematografia indígena”, pois é realizada pelos próprios habitantes das tribos silvícolas sobreviventes do Brasil, que não raro trazem à tona a questão da própria auto-representação e o quanto isso se atrela à sobrevivência cultural de suas famílias. Estou saindo das sessões (vide exemplos aqui, aqui e aqui) absolutamente deslumbrado, mas não tenho com quem compartilhar: as sessões estão quase sempre vazias, chegando ao cúmulo de, numa delas, só ter eu na sala! Isso me deixa triste, ensandecido... E, sem saber a quem culpar, sinto raiva de mim mesmo!

Na tarde de hoje em particular, atingi um paroxismo depressivo e culpado tão intenso que, a fim de me desvencilhar de contatos fúteis ou desculpas escorregadias, desativei a minha conta no Facebook, que facilitava bastante o meus contatos com outrem (ao menos, quantitativamente) mas volta e meia engendrava algum desentendimento. Enquanto isso, meu irmão bêbado gabava-se de ter comprado um revólver. Emputecido de cólera que eu já estava, segurei o seu braço com força e disse que não permitia que ele falasse em armas na minha casa. Minha mãe chorou, meu irmão olhou para mim de forma iracunda. Disse-lhe que não tinha medo de morrer, que ele poderia me espancar até a morte se quisesse, mas eu não arredaria pé de minha decisão. Mais choro, mais raiva... Após alguns minutos, consegui contornar a situação, depois de precisar me ajoelhar no chão, beijar o meu irmão nos pés e ingerir uma dose de uísque caro. Eu estava ensandecido, mas fui obrigado a me acalmar para não causar uma tragédia (familiar) maior.

Passei umas duas horas conversando com meu irmão, que chorava feito uma criança, dizendo que me amava. Eu não sabia o que lhe dizer, como responder reciprocamente à sua declaração reiterada de afeto, mas, do meu modo, acho que me fiz entender. Porém, ele estava bêbado. Entupido de ‘crack’ e, ainda assim, queria mais. Quer mais! Acaba de sair de casa, como se nada do que conversamos e discutimos por tanto tempo tivesse importância imediata. E eu não sei se estou mais triste ou com raiva, mas, se por um lado, parece que não estou bem, por outro, aprendi muito sobre mim e os meus semelhantes nesta última semana de solidão imputada e infelizmente concreta. Minha vida mudou, portanto!


Wesley PC> 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A DIRETORA INSISTE EM BRIGAR COM O FILME, QUE INSISTE EM VIVER, MAS ELA NÃO DEIXA QUE ELE SEJA BOM, APESAR DOS GRITOS, DO VIGOR, DA PUJANÇA, DA COERÊNCIA, DA AUTOCRÍTICA INVOLUNTÁRIA...

Sybila Arredondo foi presa em 1985 por suspeitas de atividades terroristas e, mais tarde, quando presa novamente, foi condenada a quinze anos de prisão, dos quais cumpriu quatorze. Viúva do escritor peruano José María Arguedas, tem como sobrinha Teresa Arredondo, que resolveu documentar o reencontro com a tia em “Sibila” (2012), filme que vi há algumas horas e que ainda me causa forte irritação... Um dos motivos: nada do que foi dito até agora - nem sequer o fato de o filme ter um I na primeira sílaba do nome da protagonista, que é com Y! - importa fora de seu contexto familiar pequeno-burguês, irca!

Profundamente coerente em sua velhice, vivendo na França, Sybila insiste em tachar a sua sobrinha de ingênua, por crer que as atividades militantes em que ela se envolvera na juventude – e das quais não se arrepende – sejam encaradas como terrorismo. Quando a sobrinha diretora insiste em interromper os seus depoimentos para afirmar a sua discordância ideológica, Sybila não se contém: “tu estás a falar como se fosse o Bush!”. A diretora corta a cena neste ponto. Ele é um pouco mais que ingênua: ela nega-se a entender a tia militante, por mais que seu discurso proponha o contrário. Sybila recusa-se a admitir que o Sendero Luminoso era uma célula terrorista, recusando inclusive esta antonomásia, segundo ela um apelido pejorativo para um Partido Comunista Peruano legítimo!

Ao declarar esta raiva contra o posicionamento regressivo da diretora, não me atenho apenas às suas palavras, mas ao gesto reacionário que é o filme como um todo, que quase ameaça calar a imponente personagem real, envelhecida porém segura em suas crenças e atitudes: construído sob o signo da saudade e sob o elogio ferrenho da noção de família, Teresa Arredondo confessa que quase não ouviu falar sobre a tia na infância porque seus pais evitavam falar dela. Ela acha isso justificado e, quando confronta a sua tia, pergunta se ela não passa em como a sua filha Carolina lidou com a dor de sua prisão. Sybila não arrefece: “o que ela experimentou foi algo que fez com que ela tivesse uma vida, que ela relacionasse a sua própria vida com os apelos da nação!”. Teresa discorda, Sybila não passa a mão em sua cabeça conservadora: elas divergirão, a não ser que o diálogo se prolongue, mas a diretora é quem manda no filme, e encerra a projeção quando ele prova que pode ser vívido e interessante. Uma vergonha, um despautério. Mas o filme sobrevive, o filme grita, Sybila é uma personagem maravilhosa, para o País pelo qual ela lutou (apesar de ser chilena), para o mundo, para mim... E isso diz muito mais que ser a tia de alguém!

Apesar de forçar a emoção a todo custo, o filme obtém legitimamente - mesmo em sua faceta aburguesada -  em momentos como aquele em que Carolina, a filha da protagonista, encontra uma carta da mãe escrita num pedaço de papel higiênico, ou quando a diretora focaliza uma escultura em miniatura que mostra atrocidades infanticidas atribuídas aos radicais socialistas. Por estes momentos e pela magnífica personagem real, o filme vale muitíssimo (muitíssimo mesmo!) a pena!

Wesley PC>

QUANDO O PÃO FICA “TÃO DURO QUANTO CACETE DE TARADO”...

Finalmente assisti ao seminal (sem piada dupla) “Escola Penal de Meninas Violentadas” (1977, de Antônio Meliande), produção que disparou a violenta onda ‘sexploitation’ na Boca do Lixo, em que filmes e mais filmes sobre gurias nuas aprisionadas eram lançadas aos borbotões! Apesar de não ser efetivamente bom, o sadismo do roteiro merece ser destacado: na trama, uma lésbica obsessiva disfarçada de freira implanta uma filial da república de Salò num reformatório rural. Com a ajuda de um carrasco surdo-mudo e sexualmente ativo, ela subjuga diuturnamente as internas, com a alegação de que leva a crueldade a cabo para enfrentar o Diabo ao mesmo tempo em que parece estar aderindo às suas práticas. “É uma forma de enganar o demônio”, explica a louca. Não convence, mas isto rende seqüências de muito impacto, tanto conteudístico quanto formal (a direção de fotografia do próprio Antônio Meliande é muito boa, por exemplo) e erótico.

Num dado momento, quando se sente avassaladoramente tomada por desejo sexual por uma interna recém-chegada (Sueli Aoki), a freira pede para ser chicoteada por seu assecla aparvalhado, o que excita por extensão uma de suas noviças. De repente, o chão sob a cama parece pegar fogo! Mais tarde, ela despeja sal sobre uma garota cujas costas estavam repletas de feridas. A menina desmaia, obviamente. Em seguida, é a vez de obrigar uma revoltosa a comer lavagem de porco, rastejando na pocilga e, em seguida, beijar as suas mãos e agradecer a Deus pela comida concedida... Situações de muito impacto, não há como negar!

Os ‘flashbacks’ que explicam como as garotas foram parar no reformatório também são impressionantes: uma é quase estuprada pelo padrasto idoso e fortemente embriagado (ironicamente, ao som de uma canção cujo refrão é: “bebida não faz mal a ninguém/ eu bebo, sim, estou vivendo/ tem gente que não bebe e está morrendo”...); outra tenta se defender de uma curra e proteger a virgindade; uma terceira esfaqueia o cafetão; e por aí vai...

Apesar de não ser bom, insisto, tecnicamente o filme é impactante e, enquanto objeto de pesquisa, tenho muito o que abordar a partir desta obra tão importante (e, ao mesmo tempo, tão ignorada) para o contexto produtivo cinematográfico brasileiro: é mal-feito pacas, segundo critérios tradicionais de avaliação, mas é uma verdadeira demonstração de arrojo em seu enfrentamento criativo da penúria financiadora. Um filme seminal, portanto. Agora com duplo sentido, visto que é tanta guria com os peitos de fora que, na moral: quem gostava de bater punheta no cinema deve ter se esbaldado!


Wesley PC> 

MUITO MAIS (OU MENOS) QUE “UM RASKÓLNIKOV DO AUTO-EROTISMO” (TEXTO ESCRITO ÀS 23h08’ de 19/12/2013):

Em pouco mais de dois dias, consumi avidamente as duzentas e cinqüenta e oito páginas que compõem “O Complexo de Portnoy”, romance de Philip Roth que, quanto lançado em 1967, causou celeuma por ser “uma epopéia da masturbação”. A minha obsessão mui pessoal por este tema me obrigava a devorar o livro, devidamente recomendado por este resenhista, que, afinal, foi quem fez o imenso favor de me emprestar o livro. Apesar do talento inquestionável de seu elogiado autor, entretanto, o livro não funcionou muito comigo: ele envelheceu pessimamente, por causa da diluição da neurose hebraica tão bem levada a cabo por Woody Allen a posteriori, em seus filmes e livros de contos que abordam praticamente os mesmo temas...

No romance, acompanhamos uma longa sessão de análise de Alexander Portnoy, o complexado protagonista, que se confessa para o seu psicólogo, enfatizando o quanto o comportamento dominador de sua mãe (e também a passividade de seu pai, constantemente vitimado por prisões de ventre) o transformou num homem atormentado por ser incapaz de constituir família, tendo passado, conforme ele mesmo admite, “metade da sua adolescência num banheiro”. Por mais enumerativo que o narrador seja em relação aos seus atos masturbacionais, o livro enfada: é judeu demais, guetificador em excesso! Ao final do romance, inclusive, há um glossário de termos iídiche que são utilizados nos diálogos. Pensava que o livro faria jus às suas antonomásias, mas é um compendio de frustrações familiares edipianas. Não me atrevo a dizer que ele seja ruim, mas me frustrou deveras!

Seja como for, a leitura me trouxe à tona minhas reminiscências particulares com a masturbação: quando a descobri, aos doze anos de idade, aderi compulsivamente à sua prática, tendo sido flagrado em ato por dois vizinhos numa oportunidade quase esquecida... Já houve dias em que eu me masturbei mais de quatro vezes, que nem o protagonista do livro, mas asa minhas crises de culpabilidade eram diferentes: o meu catolicismo ferrenho de outrora me obrigava a uma constante negociata com a idéia do Deus punitivo desta religião, de modo que, até os vinte anos de idade, tenho relatos quantificados de quantas vezes ejaculei solitariamente. Hoje, sou muitíssimo mais tranqüilo em relação a esta prática – até porque tenho o saudável hábito de ingerir o próprio esperma, o que me proporciona um bem-estar duplicado – mas, na noite em que eu avançava o nono décimo de leitura do romance, deparei-me com uma situação pitoresca: estava numa cozinha, observando um rapaz que amo interagir com a sua namorada, que agora se instalou em sua casa como se fosse sua esposa. Ele a abraçava, a beijava, demonstrava que, se não a ama, ao menos compensa muitíssimo bem os seus favores sexuais. Quando ele foi banhar-se, prostrei-me à janela, na esperança de vê-lo nu. Consegui, o que, com certeza, redundará num ato onanista anterior ao sono. Porém, flagrei-me atordoado por sentimentos que se assemelhavam a um arremedo de ciúme. Não gostei disso! Tomara que a ejaculação em sua homenagem me expurgue desta sensação ruim. “Ven der putz shteht, ligt der sechel in drerd”, acrescentaria Alexander Portnoy, numa definição contida da página 124 da edição do livro que me emprestaram. Sabe o que quer dizer esta sentença? “Quando a pica se levanta, o cérebro se enterra no chão!”. Eu discordo deste determinismo pusilânime. O protagonista, além de desagradável e neurótico, trata de forma malévola as mulheres com quem se relaciona ao amadurecer, quando exerce uma função acessória na secretaria de Direitos Humanos da prefeitura da cidade em que vive, culpando à sua mãe por seus comportamentos. Ele é um hipócrita, um vilão ressentido. Não quero ficar assim: o Deus em que acredito (mas não o personagem) que me livre disso!


Wesley PC> 

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

AGORA EU TENHO CERTEZA: OS EGÍPCIOS POBRES E MANCOS MASTURBAVAM-SE DESDE ANTES DO FINAL DA DÉCADA DE 1950!

O título desta publicação é um absurdo truísmo, mas sirvo-me deste aspecto de manchete sensacionalista para atestar o quanto fiquei positivamente impressionado com “Estação Central do Cairo” (1958, de Youssef Chahine), mais um ótimo filme que eu descobri graças ao essencial guia “1001 Filmes para Ver Antes de Morrer” (no caso, na edição de 2008, de que disponho)...

Na trama, o próprio diretor interpreta um rapaz manco que, sendo adotado por um vendedor de jornais, trona-se também jornaleiro. Masturbador contumaz, ele coleciona recortes de mulheres nuas no mocambo onde vive, mas é obcecado por uma linda vendedora de refrigerantes contrabandeados chamada Hanouma (Hind Rostom), que, por sua vez, pretende se casar com o seu patrão Abu-Serih (Farid Shawqi). Este se interpõe com a decisão de alguns de seus empregados em se sindicalizarem, enquanto que, na estação ferroviária onde essas histórias acontecem, vários outros dramas cotidianos se intersecciona, como o sofrimento da garota apaixonada por um rapaz que vai estudar noutra cidade e que é rejeitada pela família dele, que não permite sequer que ela se despeça no dia de sua partida. Ela chora. Ele vai embora, acenando para sua irmã e seus sobrinhos... Enquanto isso, o jornaleiro esfaqueia uma amiga de Hanouma, enciumado com os delírios casamenteiros da moça, que servirão de tática empregada por seu pai adotivo para que ele vista as mangas de uma camisa-de-força como se fosse um manto nupcial...

Uma trama novelesca, eu sei, mas surpreendentemente conduzida para a época (e para o contexto muçulmano, claro!), com uma eficiente trilha musical de Mouad El-Zahry que, se não merece ser demoradamente elogiada aqui, é porque parece um plágio descarado da partitura de Miklós Rózsa para o clássico “Farrapo Humano” (1945, de Billy Wilder). Deveras providencial ter descoberto este gracioso filme egípcio quando o platonismo se instala violentamente sobre mim, como de praxe!


Wesley PC> 

“E, NESTA SOLIDÃO, SEM TER ALEGRIA, O QUE ME ALIVIA SÃO MEUS TRISTES ‘AIS’”...


“Amâncio soltou um ai.

[...]

Entretanto, Amâncio despertou com um novo gemido e levou ao peito as mãos que se ensoparam no sangue da ferida. Olhou em torno, à procura de alguém; mas o quarto estava abandonado. 

Então, fechou novamente os olhos estremecendo, esticou o corpo e uma palavra doce esvoaçou-lhe nos lábios entreabertos, como um fraco e lamentoso apelo de criança: - Mamãe!...

E morreu”.

(página 274 da edição que possuo em mãos neste exato instante).


A cena acima ocorre no vigésimo primeiro capítulo, o penúltimo, de “Casa de Pensão” (1884), romance de Aluísio Azevedo que terminarei de ler ainda hoje. No início da saga do protagonista Amâncio, foi impossível não compará-lo diretamente com “Ilusões Perdidas” (1843), de Honoré de Balzac, obra-prima literária [comentada aqui] que, por motivos muito fortes, abalou-me pessoalmente, visto que remete a uma amizade destruída pela má administração dos prazeres e volições terrenas.  Não obstante o seu propalado pendor naturalista tropical, a obra de Aluísio Azevedo despertou em mim semelhantes impressões: por mais diferente que sejam os alvos e/ou as vítimas, as armas de destruição são mui parecidas... Minha vida é uma sina, afinal!

Na trama de “Casa de Pensão”, o jovem Amâncio chega do Maranhão ao Rio de Janeiro para estudar Medicina. Não porque goste, não porque queira, mas para agradar aos seus pais, uma mãe complacente e terna e um pai rígido e aparentemente avessos a sentimentalismos. Logo associado a alguns amigos pândegos, Amâncio vai morar na localidade mencionada no título e, tendo muito dinheiro, atrai a atenção de seu suposto amigo João Coqueiro, proprietário da hospedaria ao lado de sua esposa bem mais velha, a francesa Madame Brizard. A fim de assegurar sua rentabilidade oportunista, João Coqueiro, ciente dos desejos carnais iridescentes de seu hóspede, convence a sua irmã solteira Amélia, dois anos mais velha que o outro, a seduzir Amâncio. Ela o faz: entrega-se concupiscentemente a ele, após um planejo cozimento desejoso. Ele, encantado com os jorros de gozo de que se beneficia, gasta aos borbotões. O problema é que quem passa a ter dinheiro sempre quer mais. E Amâncio apaixona-se por outra mulher, a esposa de um conterrâneo seu, protegido de seu tio, que foi quem primeiro o hospedou quando ele chegou ao Rio de Janeiro. Mas, como se percebe na citação que destaquei, o protagonista morre antes do desfecho do romance... É uma sina também?

Para além de uma ou outra vaticinação pretendida, na tarde de ontem confessei a alguns amigos que sou incapaz de me desapaixonar, acumulando todas as minhas paixões frustradas e/ou inalcançáveis em meu coração sequioso. Um dos meus interlocutores, entretanto, aquele que mais me conhece desde a adolescência, contestou se eu “superava” aqueles objetos passionais nos quais consigo empreender sucedâneos erotógenos. Não soube bem o que dizer, mas, diante dos exemplos trazidos à tona, parecia que sim: sou um platônico contumaz. Quando alcanço algo de quem eu me apaixono, posso me sentir apto a apaixonar-me por outrem, deixá-lo livre de minhas persecuções infindas. Conforme insiste um outro amigo, fruto justamente de minha paixonite, eu tenho uma intensa “vaidade de santo”...

Poderia discorrer mais sobre o excelente romance, traçando paralelismos entre o que ali acontece, a minha vida pessoal e os anseios de pessoas que me cerca(ra)m, mas acho que isto seria incorrer numa obviedade humilhante. Ao invés disso, suplico para que esta obra capital da literatura brasileira seja mais conhecida, lida, discutida, analisada, sentida, experimentada, evitada na prática (no que tange aos enganos ricamente descritos pela instancia narrativa). Epígrafe do livre, na primeira página de seu entrecho: “desconfia de todo aquele que se arreceia da verdade”. Como discordar?

Neste ponto, o leitor destas linhas talvez me pergunte: e o que tem a ver esta imagem masturbacional com tudo o que relato aqui, num tom deveras confessional, inclusive? Não cabendo a mim, por enquanto, responder, lanço-me à sorte do destino: que o tempo resolva a charada! Por ora, não me declaro arrependido por amar irrefreadamente nem tampouco lamento dolosamente os abandonos que se instalam sobre mim: não foi apenas culpa minha! Mas viver é bom... Por isso, Amâncio – tal qual o Lucien de Rubempré de outrora – é quem mais perde em toda a História (com H maiúsculo, para deixar a “indireta sentimental” mais evidente)!


Wesley PC> 

MAIS UM DIA COM JEAN GARRETT...


E ela espanca o cavalo. Depois chicoteia o negro. E deseja tanto o eqüino quanto o empregado. Linda a Helena Ramos com os cabelos loiros. Viúva, paranóica, obcecada. A história de vida (em potência psicanalítica, ao menos) de muitos daquela sala... Aldo Bueno é lindo. Luta capoeira numa cena, em que briga com um colega, que fica desfalecido no chão. Ele pede desculpas ao patrão, que retruca que seres humanos não são anjos. Fotografia de Carlos Reichenbach. "O diretor: Jean Garrett"; frase final a aparecer na tela: "o fim". Antes do ano 2013 acabar, tenciono rever "Mulher, Mulher" (1979). Aí eu volto aqui e digo que o Inimá Simões foi precipitado em sua crítica do filme, contida entre as páginas 42 e 44 desta excelente revista, cuja edição em pauta foi lançada em 1981, ano em que nasci. Ano que vem, aliás, completo 33 anos de idade. Serei virgem ainda? Tal qual uma viúva lúbrica...

Wesley PC>

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

PESSOA TRISTE É AQUELA QUE NÃO CHORA...

E, tendo visto mais uma obra-prima do Ozualdo Candeias, o média-metragem “Zézero” (1974), insisto em gritar que o torna um dos melhores diretores de todos os tempos e cinematografias mundiais não é apenas a qualidade de seus filmes, mas o fato de ter criado uma linguagem própria: cada uma de suas obras, além de contar com a sua participação/intervenção em diversas funções, é uma aula de armengue estilístico com intensa verve militante. É o que acontece aqui...

Logo no começo, um típico camponês recebe a visita de uma espécie de avantesma feminino, coberta de pedaços de película fílmica, mostrando-lhe diversas notícias sensacionalistas de jornal, tônica que é sarcasticamente acompanhada pela trilha sonora. O alvo da aparição é analfabeto, entretanto. Migra para a cidade, onde consegue um emprego como pedreiro. Manda parte do pouco dinheiro que consegue para a família enquanto trepa com prostitutas com o que sobra. Até que ele tenta violenta uma delas, que foge. Enquanto se masturba, ele constata que ganhou na loteria esportiva: ficara milionário! Porém, a sua família morrera num trágico acidente. “O que fazer agora com todo o dinheiro que ganhou?”, pergunta a sua consciência. “Enfia no cu”, repete a voz do avantesma, ais de uma vez, até que a sua boca fica congelada como se fosse um ânus. Genial!

Só por mostrar o pedreiro se banhando, num contexto trágico e mui realista, eu já desenvolvera uma relação pessoal de identificação e desejo com este filme soberbo. Mas o diretor caminhoneiro foi mais longe... Como não se encantar por ele? E querer chorar... Por estar vivo, por sobreviver!


Wesley PC>