sábado, 6 de outubro de 2012

“PAI, COISAS BOAS ESTÃO ACONTECENDO A TEU REDOR: É SÓ DIZER SIM!”

Era para eu ter escrito algo sobre o filme do João César Monteiro que vi entre amigos na noite de quinta-feira: “Branca de Neve” (2000), em nível superficial de análise, quase uma radionovela que inverte cinicamente o antagonismo constitutivo dos contos de fada. Ia comentar sobre quão terapêutico foi olhar para uma tela sem imagens enquanto ouvíamos alguém aceitar o “sim” como algo positivo para a entrada do júbilo em sua vida, ia exaltar o filme enquanto cinema de primeira grandeza, mas os meus intentos originais se misturaram com outras atividades, assuntos, carências... O tempo faz isso: ele mistura!

A frase-título desta postagem está associada ao seriado televisivo (“Homeland”) que estou vendo na última semana e foi proferida num episódio que desgostei, mas que me serviu de incentivo para sair de casa, conversar com alguém, enfrentar a brutalidade alheia, em prol de um prazer conjunto, dizer “sim”! Mas o sono veio antes, junto com os vírus de computador bem-intencionados e com a vigilância tímida de um pai impotente. Não era motivo para me lamentar: cada passo é um novo passo, “devagar se vai ao longe”, diz o ditado popular.

Voltei para casa e pedi que minha mãe me preparasse alguns pastéis. Assisti a “Cópia Fiel” (2010, de Abbas Kiarostami) na TV, e não sei se entendi bem as intenções do diretor com este filme. Se fosse dirigido por Alain Resnais, talvez ficasse mais fácil para eu avaliar o impacto daqueles pantins pequeno-burgueses na experimentação narrativa que faz com que rememorações maritais permeadas pela ausência efetiva emergissem na tela de forma tão afobada, intensa, que abarca até mesmo o espectador... Meu telefone celular permanecia em silêncio: ninguém quis falar comigo. Disse mais um “talvez” e fui dormir...

Num sonho, caminhava por uma ruela perigosa. Soube que vários presidiários perigosos haviam escapado de uma penitenciária na cidade de Areia Branca, mas precisava continuar caminhando, a fim de chegar em minha casa. Cavalos em chamas passaram correndo diante de mim. Senti o fedor de suas carnes queimadas, senti medo e compaixão. De repente, surge um policial, apontando uma arma contra mim. Disse-lhe que era inocente, que só queira chegar em casa, mas, ainda assim, ele disparou oito tiros contra meu corpo. Doeu, sangrou. Sabendo que eu era, de fato, inocente, ele me pegou nos braços, pôs-me em sua viatura e conduziu-me à casa de uma enfermeira socialista chamada Isaura, mas que, na realidade, era a candidata socialista à prefeitura de Aracaju, Vera Lúcia. Ela convidou um sobrinho tatuador para limpar as minhas feridas, extrair os projeteis disparados contra meu corpo e, mais tarde, após muito conversarmos, o policial que me feriu me deixou em casa. Sorri e o perdoei. Acordei com medo e, quando levantei para mijar, senti dores em meu corpo, como se as balas ainda estivessem lá, me machucando. Temi que alguém quisesse invadir a minha cozinha, depois que ouvi (ou pensei ouvir) disparos no quintal. Tive medo, mas precisava me deitar novamente. Acordei pouco depois das 8h. Não pretendo ligar o celular tão cedo!

Wesley PC>

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A RAZÃO DO TELEFONE DESLIGADO PELA MANHÃ, UM FILME ESTONIANO, A PREOCUPAÇÃO MATERNA COM A CHUVA E AS PALAVRAS NÃO MENCIONADAS (PORQUE CONSTRANGEDORAS, TALVEZ):

A antevisão da nudez de Pärt Uusberg fez com que eu imaginasse que “A Classe” (2007, de Ilmar Raag) tivesse algo a me oferecer caso eu ficasse insatisfeito com a sua abordagem cosmopolita (no pior sentido do termo) daquilo que hoje é designado mercadologicamente por ‘bullying’. Quando eu soube que se tratava de um filme estoniano, o interesse foi renovado, mas, à medida que o filme avançava, eu ficava cada vez mais constrangido com a rudimentaridade de seu roteiro, ingênuo e dicotômico ao limite da imbecilidade.

 No filme, o citado ator adolescente sem roupa interpreta (mal) Joosep, um ‘nerd’ hostilizado por toda a classe do colégio em que estuda. Durante uma agressão, quando os rapazes de sua turma retiram toda a sua roupa e o atiram no banheiro das mulheres, um dos seus opositores desenvolve a necessidade estranha de defendê-lo, talvez para agradar à sua namorada, que o tacha de covarde por imitar aquilo que todos fazem. Porém, esta mesma namorada que o incitou a ser um defensor do oprimido rapaz começa a ter ciúmes da relação espúria de amizade entre eles, imaginando que os dois desenvolvem um relacionamento homossexual. O paroxismo desta crise será uma felação forçada e seguida por vômitos dolorosos, desencadeadores, a posteriori, de um massacre nos moldes colegiais estadunidenses. Tinha tudo para ser boa esta estória, não é? Mas, insisto: o filme é péssimo! 

 Assisti a “A Classe” antes de dormir e, ao despertar, lembrei que sonhara com minha irmã mais velha, que se recusava a abandonar o filhote masculino de gato morto entre as três fêmeas sobreviventes. Minha mãe acha que o sonho tem a ver com o parto iminente de minha sobrinha de 13 anos, que foi hospitalizada por causa de uma gravidez de risco, enquanto eu lia um texto do teórico político David Held, sobre os modelos de democracia vigentes na modernidade. Não tive interesse em ligar o telefone celular: precaução, talvez? Fuga de uma discussão inevitável que, ao contrário do que parece, não é evitada por mim? Talvez. O que importa é que minha mãe se preocupa sinceramente comigo e fez questão de me telefonar para perguntar se eu havia vestido um casaco antes de sair de casa...

 Wesley PC>

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

REPETINDO: GERMES DE CIÚME E INVEJA AMEAÇAM SE INSTALAR EM MINHA PSIQUÊ, SOCORRO!

Percebendo a gênese de um problema (ou o ponto de partida para a sua solução), meu subconsciente enviou o Elia Kazan em meu auxílio, através do ótimo filme 'noir' "Pânico nas Ruas" (1950), em que a estrutura básica dos filmes policiais (um homem da lei perseguindo um bandido) serve a um contexto de necessária descontaminação, já que alguns apostadores inoculam sem saber uma peste em potencial numa comunidade de imigrantes. Senti-me contemplado pelo estratagema profilático do filme, inclusive no que diz respeito ao apaziguamento de minha consciência, visto que, na madrugada, sonhei que um mesmo 'déjá vu' (fezes caninas na cozinha, a vontade de beber água, etc.) se repetia várias vezes. Era fato? Era alucinação? Era perturbação realista? Tudo junto? O filme responde: obrigado por tentares me curar, Elia Kazan! 

Wesley PC>

terça-feira, 2 de outubro de 2012

“FALE MAL DA POLÍCIA, NÃO DOS POLICIAIS!” (OU: FOCO NA DOENÇA, A PARTIR DA METADE DA PRIMEIRA TEMPORADA DE UM SERIADO)


“ – O que aconteceu com tua mão?
 - Acabei de esmurrar o meu melhor amigo! 
- Ouch! 
- Dói pra caralho (desculpe o palavreado)! 
- Eu estava me referindo ao teu amigo...”

 Há mais de seis meses que recebo recomendações deveras elogiosas sobre o seriado televisivo estadunidense “Homeland” (2011). Somente no domingo me dispus a iniciar a audiência dos 12 episódios de sua primeira temporada, suspeitando que fosse me identificar com a psicose profissionalizada da protagonista, magistralmente interpretada pela muitíssimo premiada Claire Danes. Dito e feito: até hoje, terça-feira, assisti a seis episódios e estou em transe, de tanto que o estado moral dos personagens tem a ver comigo!

 Basicamente, “Homeland” conta a estória de uma paranóia: um fuzileiro norte-americano (Damian Lewis) é resgatado no Iraque após oito anos de tortura e confinamento. Uma agente da CIA (a referida Claire Danes), com base numa confissão pessoal, suspeita que este fuzileiro, tratado por todos como herói, seja um traidor da nação, convertido ao islamismo extremista. Os diretores dos episódios (o especialista em tensão Michael Cuesta entre eles) manipula à revelia as expectativas espectatoriais, compartilhando as perspectivas de ambos os protagonistas, fazendo com que nos apeguemos igualmente a eles, ainda que tendamos a concordar que a agente da CIA tem razão em suas suspeitas. À medida que o seriado avança, entretanto, descobrimos que ela é viciada em remédios contra psicose e que ela pode estar se apaixonando pelo homem que investiga... Dizer mais, por enquanto, é especulação!

Repetindo: para além de suas qualidades técnicas e narrativas quase irrepreensíveis, o que mais impressiona neste seriado é a perfeita composição da protagonista Carrie Mathison, tresloucada, obcecada por trabalho, apaixonada por suas teorias conspiratórias e, apesar de estar sempre ocupada (ou talvez por isso mesmo), é uma solitária inveterada, uma mulher que não pode sequer se dá ao luxo de confiar nos amigos, salvo o companheiro mais velho de profissão Saul Berenson (Mandy Patinkin), que também possui seus segredos e frustrações pessoais interferindo em seu trabalho como investigador... Que seriado impressionantemente adulto este, visse? Gostei bastante!

Apesar de estar postagem ter como objetivo justamente o que aparece no corpo deste texto, acrescento um elogio particular em relação a “Homeland” no que tange ao oportuno momento em que comecei a assisti-lo, no sentido de que posso estar sendo afligido por germes de ciúme (e/ou inveja) nos últimos dias, germes estes que, se regados, podem se transformar em sentimentos nocivos que podem prejudicar o meu relacionamento estimado com alguns de meus melhores amigos. Hora da profilaxia supra-televisiva, Wesley! 

Wesley PC> 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

AINDA SOBRE A TAL BALANÇA...

Há pouco, visitando alguns antigos colegas de trabalho, recebi um abraço caloroso de uma amiga que se sentia desapontada com alguns constrangimentos enfrentados em seu setor. Ela havia chegado de uma viagem ao Recife, disse que ter me visto expulsou algumas de suas tristezas e enviou-me uma bonita mensagem de celular. Como eu estava com muita vontade de urinar, fui ao banheiro da Reitoria da Universidade, onde eu me encontrava naquele instante. Todas as cabines estavam ocupadas, de modo que precisei utilizar o mictório. Na hora da balançadinha, chegou um rapaz falando alto, que me assustou e fez com que algumas gotas de mijo caíssem sobre minha calça. Ainda afobado, apaguei sem querer a mensagem carinhosa de minha amiga. Estou sorridente, mas meus interlocutores desejados insistem em ficar macambúzios, mal-humorados. Pena...

Wesley PC>

PESANDO NA BALANÇA...


E, para que eu durma bem, uma confissão: ainda me sinto contente!

Acabo de assistir ao longa-metragem "O Ataque da Mulher de 15 Metros" (1958, de Nathan Juran) e fiquei impressionado com a justificação psicológica do filme, que associa a trama típica de ficção científica B a um estudo da libido humana, muitíssimo bem transmutada na fala de um personagem: "à medida em que envelhecemos, atingimos a maturidade. Mas a Mãe Natureza insiste em nos compensar, potencializando as nossas frustrações". No filme, a protagonista-título é a herdeira milionária de um caríssimo diamante. Ela é casada com um gigolô, que espera que ela seja definitivamente internada por histeria ou alcoolismo, até que ela se depara com um alienígena gigantesco que viaja num satélite circular e o contato radioativo com o mesmo faz com que ela fique cada vez maior, incluindo a sua patológica obsessão pelo homem que ama, sexualmente interessado noutra mulher, uma ruiva frívola. A cena final do filme é absolutamente antológica, justificando magistralmente as frases em itálico nesta postagem. Senti-me contemplado: posso dormir contente agora, assumo esta culpa!

Wesley PC>

SERÁ QUE O MEU EXTREMO CONSERVADORISMO IMPEDE QUE EU SEJA UM AMIGO MELHOR DO QUE EU PODERIA SER?

A pergunta acima é mais necessariamente retórica do que efetivamente angustiada, mas resume bem o estado de espírito interno que me afligiu enquanto eu não consegui escrever a crítica do filme "Intocáveis" (2011, de Olivier Nakache & Eric Loredano, publicada aqui), filme que vi no cinema há alguns dias e que me desagradou sobremaneira, não obstante os meus companheiros de sessão terem sorrido bastante.

Quando digo que desgostei do filme, refiro-me menos às suas qualidades cinematográficas efetivas que ao seu poderio ideológico malévolo, no sentido de que, em minha opinião, a distorção enredística do filme - que faz com que uma bela estória de amizade inesperada entre homens tão diferentes assuma ares de crítica sociológica à diferença de classes alavancada pela fetichização da arte - é perigosa, levando-se principalmente em conta o fato de que o filme tornou-se um fenômeno mundial de bilheteria, o segundo maior de toda a história do cinema francês, aliás!

Se o filme quisesse estar focalizado no tema da amizade (no caso, baseada na saga real do tetraplégico Philippe Pozzo di Borgo, que desenvolve uma relação de intimidade duradoura com seu então empregado pessoal, o argelino Yamin Abdel Sellou), ele seria muitíssimo mais de meu agrado - para além de seus clichês inevitáveis - mas, do modo como foi engendrado, não me convence enquanto "filme bobo", como uma grande amiga quis enquadrá-lo. Fiquei com tanto medo do que este filme me causou que, durante todo este domingo, em paralelo à contenteza que me tomou de assalto por causa da efusão de platonismo benfazejo em relação a um rapaz que me deixou abraçá-lo e cheirar seus cabelos ao longo da madrugada, senti-me tolhido por um arremedo de culpa, como se o bem-estar que eu sentia fosse conseguido às custas da reiteração da angústia metafísica alheia.

Agora, depois de escrita a crítica, sinto-me um tanto melhor, mas que este filme continua a me causar pavor sociológico, ah, ele continua...

WPC>

domingo, 30 de setembro de 2012

TUDO NO MUNDO TEM UM PREÇO, AINDA QUE HAJA ALGUMAS PROMOÇÕES...

Na noite de ontem, formulei uma exceção idiossincrático-institucional: “além de sorveterias, estou apto a me sentar em pizzarias sem me sentir tão capitalisticamente incomodado”! Pode parecer um truísmo, uma babaquice, mas a formulação deste ultimato concessivo me é deveras importante no que tange à delimitação dos espaços de consumo explícito que ainda me disponho a freqüentar neste mundo (quem me conhece, sabe o quanto a minha apreciação dos supermercados tem a ver com isto). Problema resolvido?

 Se, por um lado, o parágrafo acima parece me tranqüilizar acerca de um desentendimento básico acerca do mundo ao meu redor, por outro, ele me beneficia em nível terapêutico elementar. Porém, mesmo que eu estivesse à vontade na tal pizzaria que, segundo o que é visto na foto, oferece desconto em relação às sobremesas consumidas, no momento em que esta foto foi tirada eu me agoniava mentalmente: havia desgostado absurdamente de um filme que havia visto entre amigos. Eles sorriram bastante durante a sessão e insistiram que o filme era “bobo”, mas eu não apenas não achei graça como me senti tolhido pela malevolência da obra em pauta, cujo título eu prefiro não citar por ora, enquanto me acostumo com o bloqueio criativo esporádico que me impede de começar a escrever a crítica difamatória sobre ele...

Depois de ter estado nesta pizzaria, fui a um espaço boêmio e concomitantemente melancólico com alguns dos amigos mais queridos que nutro em vida e, em seguida, estive na casa do meu companheiro de mesa, que me apresentou a um disco interessantíssimo de ‘indie rock’ [“Simple Math” (2011), de Manchester Orchestra], o qual estou a ouvir agora e gostando muito. Salvo por mim, por ele e por uma rapariga adorável que estava conosco, as pessoas que ouviram a sexta faixa (“Virgin”) do referido álbum, na madrugada de ontem para hoje, não gostaram do que ouviram. E esta divergência natural e saudável de apreciações ficou me angustiando levemente nesta noite de domingo: é como se eu estivesse a me sentir culpado por ser diferente, frívolo em relação à obtenção do bem-estar artístico que eu tendo a ressacralizar... Talvez seja um dilema idiota (como eu próprio, inclusive), mas ele está aqui, ele se manifesta, ele penetra os versos da canção que ouço e repito:

“We built this house with our hands, and our time, and our blood 
We built this up in one day to fall downward and rust 
We built this house with our hands, and our time, and our blood 
You built this up in one day to fall downward and rust” 

Em suma: sinto-me contente neste exato instante. Perturbado psicologicamente, preocupado com o bem-estar metafísico de meu melhor amigo, ciente de que nossas “diferenças constitutivas” possam engendrar desentendimentos futuros, hipnotizado por sanções platônicas, mas contente assim mesmo. E é nisso que eu talvez me convenha focar, por enquanto. Quando o futuro chegar, estarei aqui para ele!

Wesley PC>