sexta-feira, 23 de julho de 2010

RACIONAIS MC’S, CAPÍTULO 4, VERSÍCULO 4:

Há quem tenha muito medo do quadragenário Pedro Paulo Soares Pereira, há quem o considere um símbolo sexual. Em meio a essas duas adjetivações dominantes, este paulistano é, em minha opinião, um dos maiores gênios da cena musical brasileira contemporânea, sob o apelido Mano Brown, líder da extraordinária banda paulistana de ‘rap’ Racionais MC’s. Eu, particularmente, já era fã da banda desde que adquiri a segunda parte do disco “Nada Como um Dia Após o Outro Dia”, de 2002, subtitulado “Ri Depois”, mas nunca havia prestado atenção integral a sua obra mais famosa, “Sobrevivendo no Inferno”, datado de 1997 e executado à revelia pelos meliantes do lugar em que vivo. Até hoje!

O que quero dizer com “escutado à revelia”: apesar de as maravilhosas e pungentes letras deste álbum ultra-realista condenarem a ostentação capitalista e o consumo inadvertido de drogas, conforme atesta o trecho da canção destacada:

“Foda é assistir a propaganda e ver, não dá pra ter aquilo pra você,
playboy "forgado" de brinco o trouxa, roubado dentro do carro na Avenida Rebouças!
Correntinha das moças, madame de bolsa, dinheiro
Não tive pai, não sou herdeiro.
Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal, por menos de um real,
minha chance era pouca,
Mas se eu fosse aquele moleque de touca, que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca, "de quebrada". Sem roupa, você e sua mina,
Um, dois! Nem me viu! Já sumi na neblina!
Mas não...

Permaneço vivo, prossigo a mística!
27 ano, contrariando a estatística!
Seu comercial de TV não me engana,
HÃ! Eu não preciso de status nem fama”
(“Capítulo 4, Versículo 3”)

Pois então, ouvindo este disco no caminho para o trabalho, não conseguia conter a emoção enquanto ouvia as músicas: o tom era demasiado cinematográfico em suas largas narrativas, o teor crítico das letras ia de encontro ao que eu vivo todos os dias, mas nenhuma das canções me tocou tão profundamente quanto a faixa 4, “To Ouvindo Alguém me Chamar”, perfeita tanto na forma quanto no conteúdo. Há um trecho ali, inclusive, em que há a descrição de um embate de interesses violento entre dois irmãos (um criminoso; outro, universitário) que me esculhamba por dentro e por fora sempre que a reouço. Forte, muito forte!

A canção em pauta tem mais de 11 minutos de duração e não posso transcrever sua letra integral aqui, mas peço licença para citar as partes da canção que destacam este conflito:

“Nunca mais vi meu irmão
Diz que ele pergunta de mim, não sei não
A gente nunca teve muito a ver
outra idéia, outro rolê
Os malucos lá do bairro
Já falava de revolver, droga, carro
Pela janela da classe eu olhava lá fora
a rua me atraia mais do que a escola
Fiz 17, tinha que sobreviver
Agora eu era um homem, tinha que correr
No mundão você vale o que tem
eu não podia contar com ninguém
Cuzão,
fica você com seu sonho de doutor!
Quando acordar cê me avisa, morô?
Eu e meu irmão era como óleo e água
quando eu sai de casa trouxe muita mágoa
Isso há mais ou menos seis anos atrás
Porra, mó saudade do meu pai!”


Começa o trecho mnemônico familiar mais ou menos assim, o eu-lírico fala sobre outros assuntos e volta:

“Meu sobrinho nasceu
diz que o rosto dele é parecido com o meu
Eh, diz... um pivete eu sempre quis
meu irmão merece ser feliz
Deve estar a essa altura
bem perto de fazer a formatura
Acho que é direito, advocacia
acho que era isso que ele queria
Sinceramente eu me sinto feliz
graças a Deus, não fez o que eu fiz
Minha finada mãe, proteja o seu menino
o diabo agora guia o meu destino”


O narrador comenta agora o veredicto que o incrimina, relembra mais fatos de sua infância, repete algumas vezes o refrão místico que explica o título e, após descrever de forma subjetiva o que é ser alvejado por balas de revólver, termina:

“Sinto a roupa grudada no corpo
Eu quero viver
não posso estar morto!
Mas se eu sair daqui eu vou mudar
Eu tô ouvindo alguém me chamar”


Barulho de aparelho hospitalar indicando falência cardíaca. Fim da canção. Obra-prima! Tive que interromper meu percurso por alguns segundos, olhar para o lado e, só então, continuar. Lembro que, em 2000, quando ainda estava começando na UFS, fui abordado por um bêbado do bairro Rosa Elze, que me disse, em tom intimidador: “isso, estude mesmo, que um dia, quem sabe, tu irás me tirar da prisão”. E eu nada fiz em resposta, assustado, além de tentar sorrir... Depois de muito levar paulada, é difícil: Mano Brown e seus companheiros sabem muito bem disso!

Wesley PC>

quinta-feira, 22 de julho de 2010

NA FALTA DE UM EPITÁFIO FUNCIONAL DIGNO...

Era tarde da noite em Gomorra. Juliana estava bêbada (logo, fumava) e comentava com seus interlocutores que não trabalharia jamais no DAA, onde eu gasto mais de 8 horas por dia. Eu ri. Ela riu, uma risada demorada e gostosa, como ela mesma definiu. Às 11h30’ de hoje, eu, minha chefa e o chefe de minha chefa fomos praticamente agredidos – no plano físico – por um maníaco que espumava de ódio ao saber que teria que esperar mais algumas horas para receber documentos cuja entrega estava prevista para o dia 22 de julho, que se encerra às 20h do horário comercial de hoje. Quando ele invadiu o espaço em que eu estava sentado e eu disse que ele teria que sair dali, visto que o local para atendimento é atrás do balcão, a cólera deste homem triplicou. “Eu sou funcionário da Petrobrás, sabem o que é isto?! Pago R$ 50.000,00 só de impostos. Eu pago o salário de vocês todos!”: este era o discurso que o demônio em forma de funcionário público repetia, aos brados, diante de uma platéia boquiaberta. E, não pela primeira vez, eu vislumbrei a minha própria morte no local de trabalho. Detalhe: o ente maldito prometeu regressar no turno vespertino. O que será que nos espera?

Wesley PC>

quarta-feira, 21 de julho de 2010

ADMOESTAÇÕES PRETENSAMENTE CORRETIVAS SOBRE A CRÍTICA DAS REPRESENTAÇÕES EM SENTIDO LATO? TU OUVISTE O MESMO QUE EU OUVI?!

Sim, Oskar Schindler JÁ morreu! Antes de o fazê-lo – como se isto fosse voluntário (risos) – salvou muitos judeus da morte certa nos campos de concentração nazistas ao empregá-los sem salários em suas fábricas. Por causa de sua tendência nata ao adultério, morre falido e divorciado, esquecido na penumbra do tempo, até que Steven Spielberg, defendido como “construtor cinematográfico de heróis”, interessa-se por um livro biográfico em que ele era protagonista e realiza o seu melhor filme, recebendo a partir daí o reconhecimento adulto por parte de seus detratores críticos de outrora. Simples assim? Não, não é!

Creio que terei muitas oportunidades futuras de comentar o assunto, trazendo à tona, inclusive, os posicionamentos contrários e ácidos de Jean-Luc Godard num de seus filmes contemporâneos à glorificação do industrial alemão, mas fui intimado a pensar nisso na noite de hoje por ocasião da apresentação de monografia de um jovem inteligente e incomodamente autoconfiante que trabalha comigo. O foco de seu trabalho era o extraordinário romance em HQ “Maus”, de Art Spiegelman, já comentado de forma apaixonada aqui mesmo no ‘blog’, insuficientemente abordado pela Academia até então. Sua apresentação consistia de um escasso tempo de 10 minutos em que ele esboçaria prioritariamente o esqueleto formal de seu trabalho, já escrito, apresentação esta acompanhada do mantra quem quiser saber mais sobre isso, leia a minha monografia!”. Eu serei um destes que lerão o tal trabalho. Os professores de História, curso ao qual o rapaz se filia, também. Oficialmente, isto não seria um problema, mas, após a apresentação, num intervalo adicional de tempo reservado à discussão sucinta do tema esboçado, um determinado professor interroga o monografando, de forma negativo-assistencialista, justamente sobre a questão mais repetidamente abordada em sua fala: a explícita negação representativa do heroísmo inabalável no trabalho de Art Spiegelman. Qualquer um que tenha lido a obra ou escutado a fala atropelada do rapaz em pauta, sabe que este é o ponto G do enredo. O professor presente à apresentação, para além de seu carisma e talento docente, não.

Em dado momento deste momento final dialogístico da apresentação monográfica, o futuro graduado em História ouve de um audiente: “o que tu querias provar com a escolha desta obra para tua monografia?”. Fiquei surpreso ao constatar que a resposta “ir além das fontes oficiais na representação da História” não era uma contestação suficientemente válida! Digo mais: não somente o interrogador docente pareceu ignorar o viés responsivo do rapaz como explicou justamente o que ele já havia explicado como se estive reinventando a roda, não percebendo o verdadeiro pleonasmo universitário em que incorria. Típico, aliás!

Não quero aqui tomar partido do rapaz. Todos sabem que seria eu tentado a isto por motivos vários e que vão além da esfera crítica desta postagem, mas o que me incomodou (no sentido positivo do termo), o que me perturbou na apresentação como um todo foi o vácuo entre emissor e receptores no processo comunicacional propriamente dito. É como se nestas apresentações para obtenção de títulos de graduação, não se prestasse a devida atenção no que está sendo abordado... Fiquei curioso para saber se isto se repetiria nas apresentações seguintes, mas tinha horário a cumprir no DAA, tinha meu tributo diuturno à burocracia. Como eu sempre digo: hoje em dia, só aprende realmente algo quem se diverte ao fazê-lo!

Se eu concordo que Oskar Schindler mereça ser chamado de herói? Isso fica para outra oportunidade...

Wesley PC>

NESTE EXATO MOMENTO, ESPERMATOZÓIDES SE ESCONDEM EM MEU CABELO!

“E a donzela que agradar ao rei seja rainha em lugar de Vasti. E isso pareceu bem ao rei; e ele assim fez”. (Ester, 2: 4)

Wesley PC>

OS DISCOS QUE EU COMPREI PELA CAPA NA CORRERIA DO FIM DE PERÍODO...

Como vários de outros alunos da Universidade Federal de Sergipe, também enfrento atropelos com o chamado “final de período”: os professores largam-nos ao bel-prazer durante os três primeiros meses de aula e, na última semana, resolvem compensar suas ausências com trabalhos-surpresa, provas emergenciais e diversas outras atividades impositivas que nos tiram o sono. É o que está acontecendo comigo: pendências, pendências e mais pendências... Por isso, meu tempo para ver e comentar filmes está exíguo.

A fim de não me submeter por completo à inanição cultural, recorro sofregamente à música. Por que sofregamente? Simplesmente porque não há mais espaço em meu computador para eu acondicionar novos discos, mas a curiosidade e o fascínio que novas capas despertam sobre mim é maior! E por que estas capas me despertam fascínio? Porque é muito mais difícil entender como uma crítica de música nos influencia antes de ter ouvido um tal disco, visto que o grau de subjetividade aqui adotado é ainda maior que num filme ou livro. Assim sendo, estas foram as três minhas maiores descobertas musicais desta atribulada última semana: o novo clássico de música eletrônica norueguesa “Melody A.M.” (2001), do Röyksopp; a bela mixórdia entre MPB e música cubana perpetrada por Marina de la Riva em disco homônimo de 2007; e o superlançamento espanhol de ‘post-rock’, “II” (2010), do grupo Toundra. Resumirei abaixo o que achei de cada um deles:

• “Melody A.M.”: merecedor de página dupla (896-897) no guia “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer”, este é um disco que não nos fisga de imediato. É aquele tipo de batida quase ‘chill-out’, que deve ser repetido em som brando, quando estivermos com um humor oscilante entre o hiper-agitado e o exaurido. Suas faixas costumam ser largamente utilizadas em comerciais de TV e a mais conhecida do disco é a número 2, “Eple”, mas a minha canção preferida foi, sem dúvida, a faixa 5, “Poor Leno”. Basta um segundo de audição para conhecer os óbvios motivos de minha apreciação (risos), mas o disco possui outros destaques, que serão melhor revelados à medida que eu escutá-lo com maior atenção;

• “Marina de la Riva”: que brilhante descoberta! Amei a combinação entre música tipicamente brasileira e sons tipicamente cubanos, às vezes misturando letras de duas canções diferentes num mesmo espaço-tempo musical. Abertura com “Tin Tin Deo”, mesclada ao “Xote das Meninas”, já é suficiente genial, mas os grandes momentos do disco são mesmo “Ta-hí” (famosa na voz de Carmen Miranda, no passado), “Sonho Meu” (sim, aquela mesma consagrada pela Maria Bethânia, em acordes mais vagarosos e igualmente encantadores), “Adeus, Maria Fulo + La Mulata Chancletera” (não se descreve esta combinação musical: se ouve e se geme!) e “Te Amare y Después” (que foi tema de um filme nacional que ainda não vi). Disco obrigatório, a ser conhecido e divulgado com fervor!;

• E, por fim, “II”: tive acesso ao mesmo depois que alguns amigos virtuais espanhóis recomendaram-no de pé, com a ressalva de que “não traz nada de novo, mas é bem-executado pra porra!”. Receio concordar. É leve, apaziguador e catártico como todo bom ‘post-rock’ instrumental e talvez funcione melhor no conceito do que na execução, mas faixas ibéricas como “Tchod” (logo na abertura) e “Bizâncio/Byzantium” (no fecho) compensam qualquer mesmice elogiosa detectada na audição proveitosa dos 40 minutos de ruídos aprazíveis. Sem contar que a capa do disco é um verdadeiro primor!

E é isso: deixa eu voltar para as minhas atividades acadêmicas, que ainda tenho muito o que fazer!

Wesley PC>

SERÁ QUE SOU EU QUE ESTOU FICANDO VELHO?!...

Não tive brinquedos – no sentido mais convencional e capitalista do termo – quando era criança. Como tal, não pude compreender a contento os chamarizes cômico-dramático-enredísticos de “Toy Story – Um Mundo de Aventuras” (1995, de John Lasseter) quando este filme foi lançado nos cinemas e visto por mim, ainda na adolescência. Digo mais: nunca pude experimentar o mesmo prazer que meu caro Rafael Maurício sente sempre que revê este novo clássico animado, não obstante ter feito o possível para me encantar com “Toy Story 2” (1999, também de John Lasseter, ao lado de Ash Brannon & Lee Unkrich), considerado pelos críticos como superior ao primeiro. Não achei. Ri muito durante a sessão, graças á empolgação de minha mãe, mas... Ainda faltava alguma coisa, aquele “quê” que me fisgasse... Ontem, numa data consagrada como “o dia do amigo”, este quê apareceu: derramei lágrimas ao final de “Toy Story 3” (2010, agora sob o comando de Lee Unkrich) e ouso dizer, empolgado, que por pouco o filme não é perfeito!

Não sei quais dos freqüentadores habituais de Gomorra já viram o filme, mas, de coração, recomendo-o: é uma das poucas obras que, ao invés de privilegiarem o tema do pai que erra e se redime (cada vez mais comum nos desenhos animados de longa-metragem produzidos pelos mais diferentes estúdios), opta por um libelo encantador à amizade, englobada aqui tanto em seu sentido qualitativo quanto em suas possibilidades quantitativas. Digo mais: não sei se é de bom tom antecipar as reviravoltas do maravilhoso enredo, mas um paralelo com o que encontro em Gomorra é bem-vindo, no sentido mais emocionado e sincero do termo. Eis um filme comercial que realmente deve ser visto!

Na trama, o garoto Andy dos filmes anteriores cresce: 15 anos se passaram desde o primeiro filme e, seguindo a marcha inexorável dos papéis capitalistas, o garoto agora vai para a faculdade, não tendo mais tempo de brincar com seus velhos companheiros de plástico. Diversos qüiproquós fazem com que os brinquedos protagonistas estejam prestes a ser atirados ao lixo e caiam numa creche, onde crianças peraltas e um urso de pelúcia vilanesco e amargurado causam desconforto e desprazer provisório aos mesmos. Eles, porém, estão juntos. Mesmo nos momentos mais árduos, eles estão juntos. E foi isso que me bastou. Quanto mais o filme avançava e eu encontrava uma ou outra cena de que não gostava, quando ele abordava o tema da amizade incorruptível, eu me enternecia. Sabia o que o filme estava tentando fazer, no plano da sedução emotiva, mas dei-me ao luxo de sucumbir: o filme é lindo! Os meus companheiros de sessão ficaram igualmente agradecidos e emocionados e, junto a mim, concordaram que a cena final é absolutamente balsâmica! Mal sabiam eles que eu teria um reencontro agendado com os gomorrenses nesta noite de quarta-feira. Tudo indica que o evento vai bombar... e trazer à tona muitas emoções não-cicatrizadas. Quem viver, verá!

Wesley PC>

segunda-feira, 19 de julho de 2010

“RATATATÁÁÁÁÁÁÁ! PRECISO EVITAR QUE UM SAFADO FAÇA MINHA MÃE CHORAR”...

“ – Ai, Sr. João de Deus, dói muito! Estás a ir-me no cu?
- ‘Tou”


Os moradores da rua em que habito dormiram com dificuldade nesta última madrugada. Uma diabética senil que lá vive surtou entre 1h30’ e 3h15’ da manhã e gritou bastante no período de tempo descrito, aproveitando o ensejo para chutar os móveis, empurrar a porta do seu quarto com violência e empreender um verdadeiro escarcéu barulhento. Tão incômodo quanto penoso, no sentido de que até mesmo os moradores viciados em denúncias policiais não sabiam a quem denunciar: como denunciar alguém que reage apenas instintivamente a uma doença? Conclusão inicial: dormi muito pouco nesta madrugada, angustiado com aqueles gritos impotentes!

Como drama pouco é bobagem, despertei de sobressalto na manhã de hoje: enquanto minha mãe lutava no quintal para resgatar uma galinha que voou para o quintal da vizinha e lutava contra os ataques eróticos de nossa cabrita no cio, minha cadela ‘poodle’ Zhang-Ke era estuprada por nosso cão vira-latas Bogdanovich, que tem o triplo do seu tamanho. Ou seja, a cadelinha gritou bastante, apavorando-nos, a mim e à minha mãe. Sem sabermos o que fazer, cometemos o típico erro de jogar água gelada sobre o cão, que ficara engatado em sua parceira sexual forçada, mas, tal qual acontecera com meus vizinhos, cresce o dilema: como denunciar alguém que reage apenas instintivamente a uma doença? Conclusão secundária: fiquei condoído ao perceber que minha cadelinha estava a mancar e que meu cachorro (um mero seguidor dos instintos animas, tadinho) estava tremendo de frio, tamanha a quantidade de água gelada que atiramos sobre ele. Deu pena!

No caminho para a universidade, quis ouvir o famoso disco “Sobrevivendo no Inferno” (1998), do grupo de ‘rap’ paulistano Racionais MC’s, mas ouvi uma buzina automobilística quando me acocorei para amarrar o cadarço branco de meu sapato direito e ganhei carona até o trabalho. Não pude ouvir o disco hoje, portanto, mas estava impregnado com o tipo de reivindicação social irremediável que o grupo tanto proclama: contra quem reclamar? Adianta? E, não por coincidência, o maravilhoso filme português que vi anteontem [“A Comédia de Deus” (1995, de João César Monteiro)], do qual retirei o diálogo que serve de epígrafe a esse texto, contém uma situação similar, em que um ancião sorveteiro seduz garotinhas contratadas para trabalhar no mesmo lugar que ele e, logo em seguida, é acusado de estuprado e justiçado pelos pais das mesmas num desencadear de processos vingativos cujos efeitos dilaceradores vão além da honra de juízos imediatistas de valor moral. Viver em sociedade e, ao mesmo tempo, lidar com instintos naturais é algo bastante complicado!

Wesley PC>

domingo, 18 de julho de 2010

“A VOZ DE POVO É A VOZ DE DEUS”!

A última vez em que ouvi este famoso dito popular foi no filme “Estrada da Vida” (1980, de Nelson Pereira dos Santos), visto há alguns minutos em companhia de uma família de fãs da dupla sertaneja que protagoniza o filme, Milionário e José Rico. O pai é um caminhoneiro dedicado. A mãe é uma dona-de-casa divertida. O filho é um mecânico que gostaria de seguir os passos do pai quando criança. E eu? Eu não sabia cantar a maioria das canções apresentadas no filme, mas admito a importância seminal de seu diretor para o cinema de nosso país, o que me traz de volta à cena: numa visita à Igreja de Nossa Senhora de Aparecida, a dupla protagonista deixa um LP no altar como oferenda à santa pelos préstimos concedidos enquanto padroeira, de maneira que quando um padre encontra o tal disco, seu sermão contém a frase-título desta postagem. Se eu discordei da mesma? Digamos que mais do que ter desgostado ou não do filme (que, ao final, é muito simpático e honesto com seu público-alvo), insisto que o mesmo é deveras funcional e digno de ser conhecido, não obstante os atropelos narrativos, a trama repleta de simplificações cômico-biográficas e o arcabouço indispensável no que se refere ao conhecimento de algo pessoal sobre a dupla. Digamos que a bela cena em que, do alto de um andaime de construção civil, a dupla entoa a idílica “Berço de Deus” justifica plenamente a audiência de algum espectador porventura mais ranzinza:

“Amigo irmão, não zombe da natureza
Existem tantas belezas pra gente contemplar
Se me seguir passo lente por onde vou
Com carinho e muito amor posso lhe mostrar

Em cima da terra, no fundo do mar
Existe um tesouro pra gente desfrutar
Em cima da terra, no fundo do mar
Existe um tesouro pra gente desfrutar”


Na cena em pauta, enquanto Milionário e José Rico interrompem os seus serviços como pintores de paredes para cantarem o referido libelo ecológico populista, imagens de belezas naturais tupiniquins substituem a selva de pedra em que eles se encontravam. E, neste exato momento, eu lembrei de algo que aconteceu a mim e alguns de meus melhores amigos quando descasávamos na areia da praia mais cedo: um trio de marginais adolescentes veio em nossa direção. Um deles perguntou-me o que eu escondia no meio das roupas, segurando algo em seu calção como se estivesse a me ameaçar com uma faca. Respondi, de forma ríspida: “apenas pano”. O mesmo rapaz rude tomou uma lata de cerveja doutro amigo meu e ficou irritado quando Américo recusou-se a apertar a sua mão. Foi embora mesmo assim, o que nos poupou de uma situação ainda mais inconveniente. Mas era tarde para não deixar efeitos negativos (e tênues) sobre o dia maravilhoso que passamos ao comemorar o aniversário de 29 anos de Jadson Teles: a minha paranóia típica me fazia temer violentamente um reencontro com aquelas três pessoas intimidadoras. Dos três, aliás, somente um falou conosco. Os outros ficaram calados, observando, vigiando... Era uma voz do povo manifestando-se diante de nós?

Wesley PC>