sábado, 30 de julho de 2011

EU MIJEI EM CIMA DE UM PATO, SEM QUERER, QUERENDO...

Banheiro é lugar de mijar a cagar e tomar banho, mas, aqui em casa, as funções adicionais deste cubículo doméstico são tão desagradáveis que, eventualmente, obrigam-nos praticar as necessidades fisiológicas acima descritas noutros locais. Tive que mijar no quintal, mais cedo, e, sem querer, mirei um pato com minha urina. Bebi mais água e, obrigado a mijar novamente no quintal, mirei numa pata. Estava chovendo e a água que caía das nuvens já deve ter lavado a excreção urinária depositava sobre as penas dos bichinhos, mas... Pôxa, de vem em quando mijar na porcaria de um ralo de banheiro é tudo o que eu gostaria de fazer no sábado!

Não deve ser difícil entender que o parágrafo acima ostenta uma luta entre a indignação pessoal e a tentativa de não julgar um viciado em drogas. Queria ter mais força de amar até mesmo os desagrados causados pelo vício alheio e ajudar quem precisa de meu apoio, mas, de vez em quando, é difícil. O capital é cruel, o capital devasta as famílias!

Por algo que eu gostaria que fosse apenas uma coincidência, depois que eu mijei sobre o pato, assisti a “O Refúgio” (2009, de François Ozon), sobre um casal viciado em heroína que se destrói por causa do vício. Ele morre, ela engravida. Calhou de meu irmão entrar no quarto no exato momento em que Melvil Poupard injeta heroína na artéria do pescoço, antes de morrer de overdose. Mas ele fez de conta que não viu nada, que não entendeu o aviso. Numa cena posterior, a personagem de Isabelle Carré, grávida de 6 meses durante as filmagens, alisa a sua barriga, deitada numa banheira. É o tipo de cena que emociona por si mesma. Uma cena linda, que só torna ainda mais efetiva a dramaticidade do diálogo abaixo, entre a viúva do viciado e seu cunhado ‘gay’:

“ – Vocês nem parecem irmãos, não são sequer parecidos...
- Ah, mas isto é normal!
- Por quê?
- Porque nós somos diferentes”.


Diante do contexto destacado, tenho certeza que este diálogo tão prenhe de truísmo é reconduzido ao terreno prenhe das emoções doridas e duradouras.

Wesley PC>

... E, NA RESPOSTA ANTI-RACISTA, É UM BRANCO VELHO QUE TENTA ESTUPRAR UMA NEGRA JOVEM!

Já folheei o guia “1001 Filmes para ver Antes de Morrer” inúmeras vezes e, até então, nunca havia detido particular atenção na página 34, sem fotos, onde há uma resenha do clássico filme afro-americano “Within Our Gates” (1920, de Oscar Micheaux), ousada e incisiva crítica cinematográfica qualitativa ao racismo aventureiro que o diretor D. W. Griffith deixou percorrer o mundo através do vergonhosamente ótimo “Nascimento de uma Nação” (1915). Vi o referido filme, por acaso, na manhã de hoje, e fiquei impressionado com a urgência do mesmo: não é tão qualitativamente acachapante quanto o clássico griffithiano – e nem tinha como sê-lo, tamanha a repressão que o negro Oscar Micheaux deve ter sofrido ao dirigir, produzir e escrever este pequeno clássico – mas é um ótimo filme, impressionante em sua devoção filantrópica e em suas múltiplas variações narrativas.

Em termos gerais, bem gerais, Sylvia Landry (Evelyn Preer) é a protagonista do filme. Ela interpreta uma professora apaixonada por um médico, que é vítima de uma tramóia de inveja e, entristecida, dedica-se avidamente a salvar uma escola para crianças negras do fechamento. No trajeto, crimes se desenrolam e, numa surpreendente reviravolta mnemônica intra-fílmica, conhecemos o mote sobrevivencial da protagonista que, em ermos tempos, fora quase estuprada por um parente próximo, seu próprio pai branco, que não a conhecia, visto que ela fora criada por uma família aditiva negra, linchada até a morte num contexto deveras injusto. Contar mais é estragar a beleza reivindicante do filme, mas este é um filme que, definitivamente, deve ser melhor conhecido. Portanto, eis um ‘link’ integral para esta preciosidade: assistam-no!

Wesley PC>

PORCARIA, POR QUE EU FUI DORMIR LOGO NO FINAL?!

Quando eu era pequeno, lembro que minha mãe reclamava sempre que “cinema nacional não prestava, que só tinha filme de putaria!”. Eram raros os filmes brasileiros que ela elogiava, quase todos protagonizados por Amácio Mazzaropi, Oscarito ou congêneres. Segundo ela, só mesmo as comédias ingênuas das décadas de 1950 e 1960 prestavam. Hoje, ela pensa diferente...

Sempre que um filme brasileiro oitentista é exibido em horário nobre na TV, faço questão de convidá-la a assistir ao filme comigo e, via de regra, ela gosta bastante do que vê, fica surpresa pelo preconceito bobo que tinha com este tipo de filme, em que o erotismo era utilizado com inteligência e percuciência e não gratuitamente como se pensava. Foi o que acabou de acontecer durante a sessão de “Profissão Mulher” (1982), de Cláudio Cunha, emocionante estória de quatro mulheres que, cada qual a seu modo, revelam-se solitárias e infelizes no amor, não obstante a emancipação feminina laureada na publicidade da época...

Dentre as diversas subtramas do filme, obviamente foi a trágica estória da secretária mocoronga Vera (vivida por Lady Francisco) que me chamou mais a atenção: mal-vestida, maquiada como uma bruxa e vilipendiada por quase todos ao seu redor, ela é constantemente humilhada: recebe um vibrador numa cerimônia de amigo secreto, é xingada quase o tempo inteiro pela sobrinha a quem criou depois que os pais da mesma faleceram, é furtada num ônibus, etc.. Seu único prazer efetivo dá-se quando ela derrama água fervente sob sua vagina, sozinha em seu banheiro. E, de supetão, eu me imaginei no lugar dela: “ai, meu Deus, será que vou terminar assim?”.

Para além ou aquém da dignidade da personagem, infelizmente eu cochilei durante os quinze minutos finais do filme (!) e perdi o desfecho da trama dramática da personagem. Segundo minha mãe, parece que ela morre. Vou averiguar, mas, pelo sim, pelo não, fiquei muito contente com a beleza do filme, com o feminismo sincero que ele sustenta (ainda que erótico e um tantinho oportunista em mais de um momento) e me emocionei com a canção-tema, cujo refrão diz algo como “deixa eu morrer”, antes de explicar o que é carregar no corpo o peso de ser uma mulher por profissão. Não é um filme tão bom quanto eu (não) esperava, mas é bonito, muito bonito. Minha mãe não me deixa mentir: ela gostou desta pérola do Cláudio Cunha bem mais do que eu!

Wesley PC>

sexta-feira, 29 de julho de 2011

HOJE TEM! (EM 6 TÓPICOS)


1 – Às 22h de hoje, tem filme do Cláudio Cunha no Canal Brasil e, pelo andar da carruagem virtual, será este visto no cartaz, de maneira que já estou me preparando para tal;

2 – “Bored”, canção de abertura do disco “Adrenaline” (1995), do Deftones, não me sai da cabeça;

3 – Eu preciso de dinheiro para comprar um fone de ouvido novo. O meu estragou;

4 – Dispensa de matrícula não é um procedimento pago;

5 – Hoje eu ouvi gritos de um senhor idoso itabaianense revoltado, aqui no trabalho;

6 – A depender do caso, ser homem também é profissão!

EPÍLOGO: é isto mesmo o que vocês estão pensando...

Wesley PC>

quinta-feira, 28 de julho de 2011

DA ARTE (PRETENSAMENTE RECORRENTE) DE “FAZER O BEM SEM OLHAR A QUEM”...

Não é nenhuma novidade que, no tipo de trabalho que exerço, deparo-me com pessoas bonitas. Não raro estas pessoas bonitas são mimadas e/ou desagradáveis, mas algumas delas ainda conservam um tanto de modéstia, aquele apelo involuntário para que eu me debruce com muito mais cautela na resolução dos problemas burocráticos que se expõem diante de mim. Ontem eu ajudei um desses menininhos bonitos a resolver um problema de formatura. Por voltas das 17h, ele telefona para o meu setor de trabalho e diz algo como “eu nem sei como te agradecer”. Eu pensei: tenho várias idéias em mente...”, mas disse apenas: “o que é isso?! relaxe e se forme com gosto, visse?”. Não posso distinguir pessoas em meu trabalho nem esperar agradecimentos direcionados: faço o que faço porque tenho que fazê-lo. Ponto!

Apesar de ter certeza do que expus sobre mim mesmo no parágrafo anterior e de acreditar que é possível manter-se profissionalmente ético diante das tentações da beleza alheia, fiquei fantasiando um pouco no que eu diria àquele menino se o encontrasse noutro contexto, se, ainda agradecido, ele me puxasse para conversar sobre algo e eu o desapontasse dando em cima dele. Aí eu dormi, despertei e vi um filme bobo chamado “O Solteirão” [péssima tradução nacional para “Solitary Man” (2009, de Brian Koppelman & David Levien)], em que Michael Douglas interpreta um homem de 60 anos que, depois que quase se descobre portador de uma doença cardíaca terminal, torna-se um traidor compulsivo de sua esposa, fode com garotinhas de 18 anos a torto e a direito. Apesar de ter desgostado do tom condescendente do filme, algo me forçava a uma identificação com aquele personagem, nem que fosse de forma inversa: ele teve tudo (dinheiro, poder, mulheres) e terminou sozinho; eu tenho algumas coisinhas e, eventualmente, me sinto sozinho. Acho que o filme tentou ser alternativo ou pró-depressivo, mas transformou-se num mero clichê pré-geriátrico com finalidades sexualmente terapêuticas. Me decepcionou deveras, apesar da promissora presença do Jesse Eisenberg!

Na foto, uma imagem simbolicamente efetiva acerca do que sinto agora e do que tentei explicar acima: trata-se da contracapa de “II” (2010), disco da banda espanhola de ‘post-metal’ Toundra, o qual já havia comentado de relance aqui e ouvi com fervor na noite de ontem e na manhã de hoje, período temporal em que aconteceram os eventos descritos acima. É um disco fofinho, recomendo deveras, ajudou-me a sentir melhor. Trabalho e faço o bem a outrem (quando posso) porque gosto. Ponto.

Wesley PC>

quarta-feira, 27 de julho de 2011

ESTA FOTO FOI TIRADA NA TARDE DE ONTEM...


...E, se (me) serve de consolo, não, eu não me acho feio. Eventualmente solitário, talvez. Mas não feio. E é nessas horas que o protagonista-narrador de “O Templo do Pavilhão Dourado” (1956) me consola:

“A beleza... é, a beleza é como um dente cariado. Ele se esfrega em nossa língua, fica ali doendo, insistindo em sua própria existência. Finalmente chega uma hora em que não conseguimos mais agüentar a dor e vamos ao dentista para extrair o dente. Então olhamos para aquela coisinha suja, marrom, escura e cheia de sangue, e pensamos: Então é isto? Só isto? Aquilo que me causou tanto sofrimento, que me fez lamentar incessantemente a sua existência, que estava teimosamente enraizado em mim, é agora um mero objeto morto, Mas esta coisa será realmente a mesma que aquela? Se esta antes pertencia à minha existência exterior, então por que, através de que tipo de providência, ela se uniu à minha vida interior e conseguiu me provocar tanta dor?“ (páginas 135-136, editora Rocco - 1988)

Eu não leio Yukio Mishima somente: Yukio Mishima me lê!

Wesley PC>

HOMOEROTISMO DE VERDADE TAMBÉM É COISA DE HETEROSSEXUAL!

Marco Berger é um cineasta argentino que goza de crescente reputação elogiada entre os apreciadores homossexuais de cinema. Seu filme “Plano B” (2009), ainda não visto por mim, chama muito a atenção de quem acredita piamente na extinção de barreiras sexualistas, defendendo a tese de que a transição entre o homossexualismo e o heterossexualismo (e vice-versa) é tão possível e recomendável quanto estimula o “bissexualismo absoluto” que Sigmund Freud descobriu em cada um de nós. E é mais ou menos obre isso que “O Relógio” (2008), curta primevo do diretor, fala...

No filme, um rapaz que joga futebol encontra outro rapaz que gosta muito de futebol num ponto de ônibus. Como já é tarde da noite, um deles propõe que outro divida uma corrida de táxi e que passe a madrugada em sua casa, até que os ônibus voltem a circular. Na referida casa, o primo do rapaz que convidou o outro assiste TV na sala, usando apenas uma cueca vermelha. O rapaz convidado não consegue deixar de perceber o quanto este primo é bem-dotado no plano fálico. Entretanto, como é hora de dormir, ele divide o leito com seu novo amigo, deitado a seu lado, usando apenas uma cuequinha azul. Nem um nem outro consegue dormir. Amanhece e eles se despedem. Ponto. Eis, mais ou menos, o enredo do filme.

Apesar de este enredo ser construído sob a égide de um “desperdício de possibilidades” por causa da subsunção estrita dos rapazes ao rótulo do heterossexualismo – como disse um amigo meu numa resenha fotologística, publicada aqui – eu achei o filme encantador e plenamente excitante do modo como ele foi realizado: é incrível o quanto fotograma pulsa daquilo que chamo de assimetria do desejo. Ah, se estes novos amigos pusessem em prática a lógica bem-vinda do “amigos também transam” (risos) – E, de coração, tornei-me fã do Marco Berger, mais um gênio argentino contemporâneo!

WesleY PC>

“AQUELE CANALHA PENSA QUE ESTÁ EM SODOMA E GOMORRA”...

“ – Por que chegaste tão atrasado, doutor?
-Problemas com as mulheres... É um problema danado!
- Ainda bem que eu não sofro disso...
- Pois deveria! (...) Repita comigo: ‘eu gosto de mulher, eu gosto de mulher’”...


Apesar de achar Carlos Imperial nojento, é difícil não ficar interessado em assistir a um filme com este título tão satírico e que possua, logo de cara, um diálogo tão engraçado quanto este entre um psicanalista fanfarrão e um paciente homossexual extremamente afetado que luta para se converter em heterossexual. E, apesar de este não ser o mote enredístico central de “A Banana Mecânica” (1974, de Braz Chediak), o mesmo é de suma importância para o hilário – e um tantinho surpreendente – desfecho do filme. Juro que, nalguns momentos, gargalhei tão alto que até acordei a minha mãe, que dormia em seu quarto, enquanto eu via o filme na TV da sala. Engraçado mesmo!

“A Banana Mecânica” é mais uma daquelas pérolas do cinema brasileiro que poucas pessoas conhecem. É um filme apenas mediano, irregular e picareta ao extremo, mas com cenas muito divertidas e reveladoras de um pensamento tacanho acerca da sexualidade, impositiva em seus ditames de exploração da nudez feminina. Noutras palavras: definitivamente, não consigo enfiar na minha cabeça que tantas fêmeas se sintam obcecadamente atraídas pela bizarra figura do Carlos Imperial, mas, aqui, confesso que fui tomado por um pouquinho de simpatia por seu personagem. Talvez eu tenha me identificado um pouco com sua cruzada tola contra os puderes erotógenos alheios, de maneira que achei a orgia libertadora pretendida na seqüência final prenhe de boas intenções. Eis um filme que, definitivamente, merece ser mais conhecido – e Ary Fontoura ficou uma graça de sutiã! (kkkkkkkkkkk)

Wesley PC>

terça-feira, 26 de julho de 2011

DE COMO EU DEIXEI DE ME PREOCUPAR COM A INFECÇÃO DÉRMICA SUPOSTAMENTE CAUSADA PELO EXCESSO NERVOSO DE SEBORRÉIA...

Recentemente, um amigo percebeu que a pele de meu rosto está maculada por pequenas infecções dérmicas causadas por sobejo de seborréia, sobejo este causado por supostos paroxismos nervosos de minha parte. Ou seja: de acordo com alguns proto-diagnósticos médico-cibernéticos, eu estaria estressado. Estaria. Porque isso foi ontem. Hoje um problema burocrático atroz instalou-se em minha vida burocrática e, como percebeu uma querida colega de trabalho, minha “alergia facial” voltou a se manifestar. Por isso, a exigüidade textual recente aqui no ‘blog’: estou estressado!

Wesley PC>

segunda-feira, 25 de julho de 2011

“QUANDO EU COMPLETEI 30 ANOS DE IDADE, MINHA MÃE OLHOU PARA MIM E PERGUNTOU: ‘FILHO, POR QUE TU NÃO TE CASAS COM ALGUÉM?’”

A resposta que Lothar Berfelde (1928-2002) entrega a sua mãe intitula o ótimo filme que o militante homossexual alemão Rosa Von Praunheim dirigiu em 1993: “Eu Sou Minha Própria Mulher”!

Assisti a este filme por acaso e sem muitas expectativas de gostar tanto dele. O tino burguês e monárquico do personagem biografado, aliás, me pareceu pouco suportável a princípio, mas logo me vi fisgado por sua importante luta particular: vilipendiado pelo pai nazista, aprisionado e internado numa clínica psiquiátrica depois que assassina este, Lothar logo se converteu em Charlotte von Mahlsdorf, o travesti mais famoso e atuante da Alemanha, ideologicamente obcecado pelo médico Magnus Hirschfeld, que defendia entusiasticamente a instauração médica dum “Terceiro Sexo”. Perseguida pela repressão comunista que era vigente na Alemanha Oriental até 1989, Charlotte von Mahlsdorf foi atacada por vários ‘skinheads’ neonazistas quando quis celebrar a abertura política de seu País. Mas ela não se abalou: e, em 1992, recebeu uma láurea importante do então presidente alemão. E o filme pede que esperemos 10 segundos para saber disso... Ah, como valeu a pena!

Realizado como um misto de documentário e filme ficcional metalingüístico [nos moldes formais de “Pai Patrão” (1977), dos irmãos Paolo & Vittorio Taviani], “Eu Sou Minha Própria Mulher” conta com três atores interpretando a personagem principal, sendo uma ela própria, que, não raro, intromete-se nas seqüências, visando demonstrar, com mais fidelidade, como eram aplicadas, de fato, tapinhas eróticos em sua bunda, por exemplo. De coração: tanto eu quanto meu amigo Jadson Teles, companheiro de sessão, ficamos impressionados com a rasteira que o filme nos deu: de potencial filme enfadonho a obra militante individualista e coletiva ao mesmo tempo, “Eu Sou Minha Própria Mulher” é um daqueles filmes que gritam, berram, esperneiam para serem melhor conhecidos. E merece, visse? Merece muito!

Wesley PC>

domingo, 24 de julho de 2011

“A REALIDADE, POR INTERMÉDIO DO ESTILO, REATA COM AS CONVENÇÕES DA ARTE” (ANDRÉ BAZIN)

Teria eu muito a dizer após ter-me visto diante de “Europa 51” (1952), mais dos maravilhosos filmes sobre “santidade laica” dirigidos pelo magistral Roberto Rossellini, cristão fervoroso que faz por merecer a alcunha de “meu diretor favorito” a cada obra-prima antiga dele a que eu tenho o privilégio de assistir. Aqui não foi diferente: saí da sessão experimentando a verdadeira epifania, em estado de choque, literalmente surtando. Saí da sessão ainda mais apaixonado do que entrei, perguntando a mim mesmo até que ponto o meu “amor ao próximo” tem a ver com um possível ódio que eu possa sentir por mim mesmo. Não é o meu caso, mas era o caso da protagonista, atualizadora contemporânea dos feitos de fé de São Francisco de Assis...

No filme, Ingrid Bergman, então vivendo num estágio pré-marital com o genial cineasta italiano, interpreta uma burguesa de bom coração, que não percebe que está desdenhando o amor de seu filho de 10 anos, em prol das futilidades da vida na alta sociedade. Quando o menino pula do alto de uma escada, tentando se matar (e posteriormente conseguindo), ela pensa em se converter ao socialismo, se embrenha pelas realidades caóticas das favelas italianas. Mas é pouco para ela: a ex-socialite experimenta um dia árduo de trabalho numa fábrica e constata que aquilo não dignifica ninguém, muito pelo contrário: aquilo desumaniza, escraviza! A protagonista experimenta Deus e, como tal, quer distribuir o amor de Deus pelos homens: ela ama o próximo mais do que a si mesma, posto que alega odiar a si mesma, em razão do que causou a outrem. Ela se arrepende, ela não visa à glória, ela só quer fazer o bem, ajudar quem precisa de ajuda. Conclusão: ela é internada como louca, aprisionada por aqueles que amavam a sua versão fútil anterior, enquanto seus novos apadrinhados gritam: “ela é uma santa!”. E eu gemia: que filme único, divino (literalmente), teísta, eterno, surpreendente, superior a qualquer injustiça que possa haver nesse mundo! Eis o amor em que eu acredito...

Wesley PC>