sábado, 26 de maio de 2012

SE ME DISSEREM QUE É SENTIMENTO DE CULPA, EU ACREDITO!

Deus sabe o quanto eu adoro a vida 
Quando o vento vira sobre as costas, jaz outro dia 
E eu não posso pedir mais nada 

Quando o sino do tempo toca em meu coração
 E eu esquematizo um dia melhor
 Bom, ninguém fez esta guerra para mim 

E os momentos que me divertem, 
Num lugar de amor e mistério,
 Estarei lá a qualquer momento 

Oh, os mistérios do amor 
Onde não há mais guerra,
 Estarei lá a qualquer momento” 

 É uma tradução muito livre, eu sei, e talvez os versos não façam tanto sentido linearmente quanto o fazem na canção “Mysteries”, que abre o belíssimo álbum “Out of Season” (2002), de Beth Gibbons & Rustin Man, que ouço repetidamente desde ontem pela manhã. Já havia comentado sobre a sintonia pessoal com este álbum triste noutra ocasião, mas o modo como ele me abateu de ontem para hoje foi ainda mais intenso. Não consigo parar de repetir algumas canções enésimas vezes: estou apaixonado, ou melhor, sou apaixonado!

Completamente obsedado pelo álbum que estou – mais uma vez! – frustrei-me quando estraguei sem querer um dos fones de ouvido que utilizo para ouvir música enquanto caminho. Mas insisti repetir as mesmas canções no fone defeituoso: além da já destacada “Mysteries” e da faixa 04, “Romance”, citada no texto anterior (escrito há um ano e alguns dias) e obviamente propensa à identificação romântica, a faixa 05, “Sand River” tem muito a ver não apenas comigo como também com o clima frio e, ao mesmo tempo, caloroso que me circunda: parece que vai chover (o que me agrada), mas, ao mesmo tempo, demora tanto para chover...

Assustado que estava em relação ao fim de semana vindouro (sinto-me particularmente solidário no último e no primeiro dia da semana), fiquei confinado em minha sala de pesquisa até as 21h. Gravei 3 DVDs com alguns filmes que me interessavam, mas que talvez não tenha muito tempo para ver em breve. Era muito mais uma precaução: tenho medo da solidão, como pode? Ainda hoje, eu tenho medo da solidão...

Mas a vida me manda seguir em frente. E eu segui. No caminho, me deparei com uma revista policial: dois garotos, obviamente menores de idade, estavam com as mãos na parede, enquanto policiais gritavam com eles. Tentei ouvir o diálogo intimidador, mas consegui apreender apenas o final de uma frase violenta: ...uma taca!. Era isso o que o policial gritava. E eu continuei caminhando, até chegar em casa e assistir ao longa-metragem “Brasil Animado” (2010, de Marina Caltabiano), ao lado de minha mãe, que me preparou um delicioso prato de comida. O filme não era completamente ruim, mas oportunista e reiterativo. Me incomodou e a divertiu por alguns minutos. Depois eu dormi, sonhei com algo que não me lembro e despertei, graças a uma ferramenta de meu telefone celular. Era pouco mais de 7h quando levantei. Às 9h15', resolvi cochilar um pouco. Por volta das 11h, ouvia novamente “Out of Season”, repetidas e repetidas vezes. Me sentia “fora de estação” também. E eu cantava:

 “Autumn leaves
 Beauty's got a hold on me 
Autumn leaves 
Pretty as can be” 

 Estou apaixonado, sou um apaixonado clicheroso, e sim, sim, talvez eu esteja vitimado pela culpa decorrente de uma recaída imaginária. Nada que um filme do Philippe Garrel talvez não possa resolver ou acentuar. Arriscar-me-ei diante de ambas as possibilidades. Até mais tarde, senhoras e senhores!

 Wesley PC>

sexta-feira, 25 de maio de 2012

EU ACREDITO EM DEUS, EU INSISTO EM ACREDITAR EM DEUS!

A cópia de “A Cicatriz Interior” (1976, de Philippe Garrel) de que disponho não possui legendas. O filme tem trechos falados em inglês, em alemão e em francês, mas quem disse que eu senti falta das legendas? Não porque tenha entendido o que os personagens dizem efetivamente, mas porque o filme em si é de uma genialidade gritante, num idioma de alma, de coração, de Deus...

Por vezes, lembra os filmes mais mitológicos de Pier Paolo Pasolini; noutras vezes, remete aos filmes sacros do Luís Buñuel. Em mais de uma situação, as imagens sublimes de Sergei Paradjanov vêm à mente, mas, no geral, “A Cicatriz Interior” é um filme do Philippe Garrel. E ele só parece consigo mesmo. Genial, absolutamente genial!

Não sei se resumir a trama é importante aqui, visto que o filme é composto por elementos epifânicos quiçá alineares: uma mulher sozinha no deserto é arrastada por um homem. Noutro momento, uma criança dá voltas ao seu redor. Em seguida, ela cavalga, ao lado da criança. Depois, um arqueiro nu sai do mar. A criança aparece brincado na neve espumada. O deserto ainda está lá, tendente à vulcanização, ígneo do começo ao fim, ao som das canções graves da cantora-protagonista Nico. Fiquei apaixonado pelo que vi. E cri em Deus durante a sessão, tanto quanto cria antes e quanto permaneço a crer agora, no intervalo entre o depois e a revisão.

Wesley PC> 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

“DEUS TENHA PENA DO TEU FUTURO EMPREGADOR!”

Na noite de ontem, eu e alguns amigos conversávamos, à beira de uma escadaria, sobre as justificativas preconceituosas para a associação indébita entre homossexualismo e pedofilia. Expliquei-lhe que isso se dava por causa de uma oportunista inversão social entre causas e conseqüências da carência. A fim de me ajudar na compreensão do tema, algo que eu cognomino como Deus permitiu que eu finalmente assistisse a “Kes” (1969) um dos primevos filmes do cineasta Ken Loach, com o qual tenho diversas divergências de cunho metodológico-político. Comparando este filme antigo com as produções que este cineasta britânico realizou ao longo dos mais de quarenta anos seguintes, constata-se que suas variações de estilo não são tão divergentes quantos alguns pensam. Ele apenas burilou o seu estilo (em minha opinião, para um viés menos incisivo que o anterior), caracterizando-se definitivamente como um dos maiores especialistas cinematográficos contemporâneos na crítica empregatícia.

O filme que vi hoje demonstra bem isso. Sempre cri que, conforme sintetiza o resumo publicitário de sua trama, esta seria a estória de um garoto incompreendido pelos colegas e pela família que desenvolve uma relação muito próxima de companheirismo com um falcão que treina desde pequeno, mas o filme não se prende a este ‘leitmotiv’ dramático: seu roteiro é composto por uma sucessão de pequenos acontecimentos, quase triviais em sua legitimação da violência contra as crianças pré-proletárias, que não possuem uma progressão narrativa no sentido lato. Se há uma teleologia no filme, esta não é enredística, mas sim condizente com a própria rudeza de um sistema capitalista preocupado apenas com “a transição entre escola e emprego” por que devem obrigatoriamente passar todas as crianças. Ou seja, o destino de “ser pago por algo que não se gosta de fazer” é tão irrevogável neste filme quanto nos demais filmes do Ken Loach, dos quais eu não gosto muito, insisto em dizer, mas que me surpreendem por suas exceções e por sua inegável coerência estilístico-formal. O surpreendente “Meu Nome é Joe” (1998), já comentado neste ‘blog’, é um ótimo parâmetro comparativo.

Vinte e nove anos e dois retratos etários distintos separam “Kes” e “Meu Nome é Joe”, mas os elementos comunais entre ambos não tornam inviável a especulação de que o segundo personagem representa uma continuidade de caráter em relação ao protagonista do primeiro filme: caso o pequeno Casper tenha sobrevivido às agruras de sua adolescência, talvez ele tenha se tornado tão “fracassado” quanto o esperançoso Joe. Entre um e outro filme, a utilização do futebol enquanto ferramenta de sociabilidade (mal-sucedida porque impositiva, no primeiro caso; potencialmente bem-sucedida porque voluntária, no segundo) chamou a minha atenção: no segundo filme, a antevisão das práticas desportivas do protagonista Joe fazia parte de sua descrição personalística, mas, em “Kes”, surpreendeu-me deveras uma longa seqüência em que o técnico da escola em que o garotinho Casper estudava obriga-o a vestir um calção ridiculamente maior do que ele e escala-o como goleiro, enquanto simulam uma partida entre o Manchester United e o Spurs. O interessante é que, enquanto Casper fica se dependurando na trave como se fosse um macaco, um letreiro aparece na tela, indicando o placar da fictícia partida. Em meio à crueza do realismo do filme, este elemento exógeno instaura a necessidade de analisar com cautela os progressos fílmicos de Ken Loach: ao contrário do que eu pensava, ele não é um mero bibelô tardio do ‘Free Cinema’. Ele tem algo a dizer. E diz. Diz quase sempre da mesma forma, mas, agora, percebo que isto não é mera reiteração, mas sim uma concatenação de fases complementares e sistematicamente programadas do desenvolvimento de indivíduos que, desde cedo, são conduzidos ao embrutecimento pelo trabalho. Por mais discreto que seja na condução emocional das seqüências fortemente dramáticas de seus filmes, priorizando a nudez da psique (mesmo quando os corpos humanos estão cobertos) aos devaneios existenciais incondizentes com a opressão irreflexiva do cotidiano laboral, Ken Loach efetivamente emociona. O velório elíptico do falcão Kes no final do filme que leva o seu nome que o diga!

 Wesley PC> 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

PHILIPPE GARREL É UM DOIDO, ABSOLUTAMENTE TRANSTORNADO. LOGO, GENIAL!

Oficialmente, assisti a poucos filmes do cineasta experimental Philippe Garrel. Três, para ser bem preciso: o extraordinário “Le Révélateur” (1968, mencionado aqui); o belo e devastador “Les Hautes Solitudes” (1974, comentado aqui); e o impecavelmente inesgotável “Amantes Constantes” (2005, citado ‘en passant’ nesta resenha). Estas três obras excelentes são mais do que suficientes para que eu ateste a sua genialidade e o adote como grande motivador cinematográfico: por mais difícil que seja categorizar o seu estilo, a qualidade vanguardista de suas obras salta aos nossos olhos. E, quando falo olhos, sou bastante literal, visto que não raro o cineasta adota estratagemas sumamente silenciosos em suas obras-primas, priorizando a grandiosidade de suas imagens em preto-e-branco, comumente etéreas e religiosas, como acrescenta Gilles Deleuze. Não tinha por que eu não me tornar seu fã o quanto antes!

 Depois que me ouvi um elogio apaixonadíssimo do crítico Luiz Carlos Oliveira Junior a “Elle a Passé Tant d’Heures Sous le Sunlights...” (1985), fiz questão de verificar se conseguia encontrar o referido filme, do qual vi apenas algumas cenas, impressionantes em seu compêndio de imagens metalinguísticas, diálogos inaudíveis, referências artísticas elevadas, arte em estado bruto. Tenho que ver isto o quanto antes! Porém, antes deste apogeu, programei-me para conferir um punhado de filmes anteriores, vários deles protagonizados por sua ex-esposa, a cantora Nico, ex-vocalista do The Velvet Underground. Estou ansioso! E toda esta ansiedade – diga-se de passagem – é mera metonímia sentimental: novamente, há algo que me conduz a uma identificação frontal com os temas recorrentes deste gênio. Estou em crise. Ponto.

 Wesley PC>

“A REVOLUÇÃO É FEITA POR PESSOAS, NÃO POR INDIVÍDUOS!” (TEORIA VERSUS PRÁTICA)

Ouvi este prognóstico num filme argentino que não conhecia [“A Noite dos Lápis” (1986, de Héctor Olivera)], mas que me chamou a atenção positiva justamente por causa de sua adequação a um discurso político nacional bastante coerente. O filme em si não é muito bom, mas os seus fundamentos reivindicativos são demasiado sólidos, o que faz com que eu mantenha o meu vigor defensivo acerca do cinema argentino como sendo uma das filmografias mais interessantes, em seu conjunto, já realizadas. Até hoje, aliás: afinal de contas, nos filmes argentinos – mesmo os exemplares mais convencionalmente genéricos – os problemas da Nação são sempre o ponto de partida para as crises dos personagens, por mais egoístas ou abestalhados que estes pareçam.

Na trama do filme ora comentado, um grupo de estudantes secundaristas nos é apresentado durante um protesto pelo direito da meia-passagem estudantil. Obtiveram êxito. Porém, eles continuaram a se reunir em atividades consideradas subversivas, de modo que são capturados pelo governo militar e torturados e aprisionados até a morte. Pior: seus paradeiros nunca foram oficialmente confirmados. São designados como “desaparecidos” até hoje! Impossível não se emocionar com as cenas em que os amigos entoam canções de protesto em suas celas ou com a reexibição, na cena final, de fotografias em que eles erguem, contentes, os seus cadastros de transporte escolar, obtidos a partir do protesto que dá nome ao filme. Com certeza, ele merece ser mais bem conhecido, (e valorizado) do que é.

Em minha opinião, o que talvez tenha impedido o filme de alçar vôos qualitatuvos mais amplos –  já que seu roteiro é coeso e atordoante – foi a má interpretação do personagem principal, Pablo Díaz (Alejo García Pintos), um garoto chistoso e apático, e alguns atropelos técnico-narrativos atrelados à utilização da trilha sonora xaroposa e dos “alívios cômicos” enredísticos, mas nada que justificasse o debate insosso ao final da sessão em que ele foi apresentado, debate este que será assunto para postagens vindouras, visto que vi este filme como parte de uma programação cinematográfica batizada de “América Recontada” numa universidade particular sergipana. Quando eu me atrevi a participar do tal debate, na noite desta terça-feira, a minha intervenção discursiva foi tachada de “tecnicista”. Fiz de conta que não entendi o erro de interpretação, ao passo que assegurei a minha disposição em externar algumas opiniões polêmicas na discussão dos dias vindouros, quarta e quinta-feira. Que venham, portanto!Por ora, ainda estou a digerir o que apreendi e aprendi no filme...

 Wesley PC>

terça-feira, 22 de maio de 2012

PARA QUE SAIBAM QUE EU FALO SÉRIO, UMA CENA DE FILME:

Claude e Philippe estão deitados numa mesma cama. São apenas jovens amigos, sem maiores pretensões além do dia-a-dia. Um deles está dormindo. O outro permanece acordado. Na madrugada, um deles sente a compulsão de alisar o corpo do outro. Sonolento, este permite, estimula. Um se apaixona, o outro não, conforme anuncia a sinopse acostada aqui. O que sem apaixona persegue o que não está apaixonado. Este o rejeita, não mais permite que se alisem. Ao final, o dinheiro dá o tom. É como se fosse uma metonímia: um filme curto, porém simplesmente apaixonante!

Apesar de este pequeno filme de apenas 44 minutos ter ficado desconhecido para mim por mais de trinta anos, depois de visto, ele vai de encontro a seu título e tornou-se importantíssimo para mim: “Uma História Sem Importância” (1980, de Jacques Duron) é um filme que transforma em palavras, imagens e sons algumas memórias e conseqüências daquilo que eu apelido de assimetria do desejo. Enfrento situações como aquela por muito tempo. E enfrentarei bem mais, tenho certeza. Mas não me arrependo: faço cada segundo ao lado de quem eu aliso valer a pena. Ao menos, para mim e para quem se preocupa comigo. Pois não sei como perguntar ao rapaz em pauta se ele está apreciando ou não o que lhe faço. Confio apenas em seus suspiros concessivos e ereções incontidas. Já é algo, quiçá o bastante!

Wesley PC>

EU SÓ QUERO DIZER QUE AMO!


Era uma noite chuvosa. Talvez ainda seja. E eu gosto particularmente quando chove. Recebi uma mensagem carinhosa de uma grande amiga loira, dizendo que se imaginava com os patos que se banham em meu quintal. E chovia. E era bom. Nalgum outro lugar, vi uma luz acesa. Resolvi oferecer meus serviços de ordenha seminal. Parecia que ele não iria aceitar. Conversamos sobre uma telenovela que estava sendo exibida. “Este personagem é homossexual?”, perguntei. Ele: “todo mundo é homossexual!”. Rimos juntos do seu exagero. Meia-hora depois, ele estava deitado e eu ajoelhado diante dele. Retirei a sua bermuda de teflon com avidez e desejo e embebi a sua glande com minha saliva como se amasse. E, de fato, naquele instante e nos momentos anteriores e posteriores, eu o amava. E, lá fora, continuava chovendo. Fazia frio, inclusive. Precisei tirar os óculos para me concentrar melhor na visão daquele órgão sexual intumescido, que me entupia de desejo, respeito e paixão. E, de repente, jatos de sêmen irromperam de sua uretra. Tão quentes, que eu até esqueci que fazia frio. Seus olhos cerrados e gemidos abafados designavam que ele havia gostado do que aconteceu. Ele não era homossexual. Nem precisava. Por dentro, eu sorria: eu amava naquele instante! Pus para fora o crucifixo metálico que havia posto dentro de minha camiseta preta, lavei minhas mãos lambidas em seu banheiro, vesti novamente a sua cueca azul desbotada, depois que não deixei nenhum rastro de esperma sobre seu corpo, e assistimos a um programa documental exibido na TV. Falavam sobre Adolf Hitler. E lá fora chovia. Dentro de mim, mais ainda. Chove agora, mas não lá fora...

Wesley PC>

segunda-feira, 21 de maio de 2012

DE SOBRESSALTO, BATO PALMAS PARA ESSA TAL DE GABY AMARANTOS: HÁ TENTATIVAS DE RESISTÊNCIA AQUI!

Quando estive matriculado na disciplina acadêmica Tecnologia e Linguagem dos Meios de Comunicação de Massa, ministrada no período letivo passado pela professora Maíra Ezequiel, pude participar de interessantíssimas discussões sobre algo que um articulista de nome André Lemos batizou de “cibercultura remix”. Vimos importantes filmes sobre o assunto – entre eles, o fenomenal “RIP! A Remix Manifesto” (2009, de Brett Gaylor – comentado aqui) – e pude arejar meus conceitos e pré-conceitos acerca dos fenômenos midiáticos alavancados pela globalização extremada, que desestrutura as fronteiras anteriormente definidas entre a cultura de massa e a chamada cultura popular. Nesse contexto, as iniciativas do tecnobrega paraense, que engendrou uma espécie de mercado interno de consumo e distribuição de discos propositalmente “piratas”, são de vital importância para um debate mais sensato acerca das complicações valorativas desencadeadas pela necessidade de se analisar criticamente alguns objetos desta “indústria cultural alternativa”. E, nesse redemoinho de indagações, ouço amigos queridos elogiarem uma diva brega popularizada como Gaby Amarantos.

 Como não quer muita coisa, mas suspeitando que gostaria do disco e precisaria justificar minhas decisões avaliativas num escopo maior, ouvi “Treme” (2012) no caminho para a universidade, hoje pela manhã. E não é que, para além da irregularidade temática de suas 14 canções, eu gostei muito do que ouvi? Gostei mesmo, até eu estou impressionado! Logo na abertura do disco, a canção “Xirley” desestruturou qualquer clichê analítico que eu pudesse despejar sobre o disco: aquilo ali é muito próprio, muito particular, muito específico. Requer uma análise particular, particular e específica. Afinal de contas, como reagir diante de uma canção que começa descrevendo uma mulher que faz café coado na calcinha só para conquistar os machos e que, no refrão, grita: “eu vou ‘samplear’, eu vou te roubar”? Como?! Sem contar que a voz da cantora é muito bonita, que os acordes eletrônicos da mesma são positivamente dançantes e que o videoclipe da canção é absolutamente conceitual, daqueles que a gente faz questão de ver mais de uma vez para tentar fisgar o máximo possível de detalhes discursivos. Por esta canção, fiquei tentado a ficar fã da cantora! Mas ainda faltavam treze canções...

E eu segui em frente: a segunda faixa, “Ela Tá Bêba, Doida (Bêba, Doida)”, possui um apelo cômico mais evidente, mas, ainda assim, chama a nossa atenção por causa da voz imponente de sua intérprete e pela percussividade somática inerente ao disco como um todo. Na faixa 03, “Ex Mai Love”, tema de uma telenovela da Rede Globo, pelo que descobri ‘a posteriori’, somos conduzidos a uma reavaliação cuidadosa dos costumes populares, visto que a letra da canção possui sutilezas comparativas bastante sintomáticas no que tange ao contexto hodierno:

 “Meu amor era verdadeiro, o teu era pirata
 O meu amor era ouro, e o teu não passava de um pedaço de lata
 Meu amor era rio, e o teu não formava uma fina cascata 
Meu amor era de raça, e o teu simplesmente um vira-lata


 Ex my love, ex my love, 
 Se botar teu amor na vitrine, ele nem vai valer 1,99

 Em outras palavras: “1,99”, segundo a canção (e sua origem efetivamente popular, diga-se de passagem) deixa de ser um mero valor de troca para ser valor de uso, jargão adjetivo. Através do uso inteligente desta expressão, Gaby Amarantos manifesta uma verve contracultural, um foco de resistência, uma declaração de que o fenômeno da “aparelhagem” que ela tanto menciona ao longo do disco não é randômico, mas estruturado, consciente, de modo que, não por acaso, está sendo gradualmente assimilado pela mídia hegemônica, a fim de ser desautorizada pela mera exaltação dos “aspectos ridículos” da artista que, em minha concepção, é nada mais do que autenticidade. Aí surge mais um dilema recorrente: pode a autenticidade ser minuciosamente calculada para causar efeito? Quem conhece a minha adesão almodovariana, sabe que minha resposta é sim!

 Mas eu continuei ouvindo o disco: as faixas 04 (“Merengue Latino”), 05 (“Pimenta com sal”, com participação de Fernanda Takai), 06 (“Gemendo”) e 07 (“Vem me Amar”) não me empolgaram tanto, achei-as apenas medianamente coerentes, mas, na faixa 08, “Galera da Laje”, tive a primeira decepção gritante em relação ao disco: aqui, a letra é vulgar, entreguista, condizente com os maus julgamentos que os detratores da Gaby Amarantos publicizam. Aí, eu comecei a pensar no quanto ela é consciente do que representa enquanto potencial estratagema contra-hegemônico “re-hegemoneizante”. A belíssima faixa 10, “Mestiça”, com uma cadência mais suave e folclórica, me deu a resposta. Este é um disco de tentativas, de urgências, de equívocos, de ações. Ouso dizer, inclusive, que gostei do que ouvi, mas, para mim, Le é muito mais relevante pelo que representa do que pelo que realmente é, se é que se pode, de fato, estabelecer uma distinção entre ambos os verbos. Sei que fui surpreendido pela qualidade do disco: ele é muito, muito melhor do que dizem por aí e do que a saturação elementar de sua capa faz pressupor!

 Wesley PC>

E, COMO NADA É POR ACASO (NEM MESMO O ACASO), ACABEI DE CITAR O QUE APRENDI COM ESTE LIVRO PARA UM AMIGO QUE CONTRA-ARGUMENTAVA COMIGO AO TELEFONE...


“Eu continuo pensando neste rio em algum lugar, com as águas se movendo realmente rápido. E havia essas duas pessoas na água, tentando se agarrar uma na outra, segurando-se o mais forte que podiam, mas, no final, não era o bastante. A correnteza é muito forte. Eles se deixam ir, são arrastados para longe.” 

Na página 282 da edição em inglês do livro do Kazuo Ishiguro que me emprestaram, podia-se ler o trecho acima destacado. Podia-se não. Pode-se. Acabei de relê-lo, aliás. Toda a crise movimentadora da trama está contida na anedota contada pelo doador Tommy à sua então cuidadora Kathy. Mas a moral da história é outra: pessoas se vão, mas as memórias delas ficam. E estas são tão fortes quanto as pessoas em si. Por isso, faz muito sentido o genial título da obra [“Never Let Me Go”, em inglês; “Não Me Abandone Jamais”, aqui no Brasil], título, aliás, que me atraiu bem mais que qualquer outro indício...

Ao contrário do que eu previa, este não se tornou um dos meus livros favoritos (achei-o quase mediano, para ater-me a uma avaliação qualitativa seca), mas ele possui um modo intrigante e potente de conduzir a narrativa, que o faz transcender bastante a mediania aventada: seu autor nos mantém em permanente suspense, por mais que, desde a primeira página, saibamos ou suspeitemos o que encontraremos ali: “eu desenvolvi uma espécie de instinto sobre os doadores. Eu sei quando passar o tempo ao lado de outrem e confortá-los, quando deixá-los para si mesmos; quando ouvir a tudo o que eles têm a dizer, e quando apenas dar de ombros e dizer apenas para que eles se livrem daquilo”. Eis como se apresenta a narradora Kathy H..

Apesar de, aparentemente, eu ter me frustrado com o livro (minhas expectativas sobre ele eram imensas, muito maiores do que aqueles que eu saciei imediatamente), não devo dizer que me decepcionei. Longe disso: deparei-me com um universo dramático asfixiante, no sentido de que o autor nos fazia compartilhar todas as angústias dos personagens, sejam elas futuras, presentes ou, pior, passadas, logo irresolvíveis. É um livro sobre superação, sobre aceitação, sobre conhecimento de si mesmo e o reconhecimento dos obstáculos que se interpõem diante deste intento. E, agora que eu terminei de ler a sua última página, é que o conjunto passa a fazer mais sentido: é um livro para ser lembrado, para ser degustado ao longo de anos, citado nas discussões telefônicas, nos desentendimentos eventuais com amigos e/ou amantes, nas situações triviais que podem mudar vidas, para o bem e para o não-bem (prefiro não trabalhar com o conceito de mal aqui). Desse modo, portanto, não me darei ao trabalho de resenhar clinicamente o livro, de submetê-lo a uma avaliação convencional e tecnicista. Prefiro dizer que ele será lembrado, que não o deixarei ir, que não abandonarei aquilo que ele me legou. A continuação do apelo de Tommy, na 282ª página da edição que li, continua vívida, repetente, prenhe de sentido: “é assim que eu penso que é conosco. É uma vergonha, (...) porque nós amamos um ao outro ao longo de nossas vidas. Mas, no fim, não podemos continuar juntos para sempre”... Eis o que mais me conforta e assusta nesse mundo!

Wesley PC> 

domingo, 20 de maio de 2012

SEXO É UTILIZADO PARA VENDER QUASE TUDO. INCLUSIVE SEXO! (SEM ASPAS)

Acabei de assistir a um filme do Tinto Brass que me decepcionou deveras. Um filme anterior à sua consolidação como mestre contemporâneo do barroco erótico. No filme – chamado no Brasil “A Atração do Sexo” (1968) – ele é claramente influenciado por Jean-Luc Godard, ousando até mesmo citar literalmente “A Chinesa” (1967). Porém, o que era genialidade no filme godardiano dilui-se no filme brassiano: as exortações sexuais não convencem, não obstante o prólogo interessante, em que uma voz nos pergunta: e sobre os filmes? E sobre as coisas desagradáveis?”. É um filme que quer nos dizer algo, e efetivamente diz, mas peca por falar demais!

A estética do filme assemelha-se hoje ao que seria um videoclipe de ‘rock’ utilizado para vender sabão em pó: montagem muito rápida, imagens sexuais em profusão, trilha sonora onipresente, mulheres bonitas correndo nuas... Porém, todo o conhecimento teórico de causa sobre os manifestos debordianos, por exemplo, cede espaço a um amontoado de imagens e sons mais espetaculosos do que necessariamente críticos. E, nesse sentido, o filme naufraga solenemente. Nem a aparição benfazeja do próprio Tinto Brass como um ginecologista redime o filme do fracasso discursivo!

Duas seqüências destacam-se positivamente, mesmo assim: numa delas, excessivamente óbvia, um padre surge com um cartaz nas mãos, contendo a palavra “proibido”. Ele olha para a câmera e diz: “fazer amor não é perigoso, mas é proibido. Mostrarei agora, portanto, imagens de guerra, que são perigosas, mas não são proibidas”. E as imagens de guerra surgem: bombardeios, campos de concentração, cadáveres amontoados, feiúra, tudo muito desgastado pela mídia. Na outra seqüência, imagens microscópicas servem como fundo para uma narração: “foi demonstrado cientificamente que o sexo é uma atividade fisiológica como qualquer outra, tal como escarrar, cuspir, vomitar, fazer ginástica, tossir”... E eu almoçava enquanto via o filme.

Isso sem mencionar a não cumprida promessa de sexo interracial contida no título original do filme (“Nerosubianco”): não obstante suas constantes crises matrimoniais e seus declarados anseios pro liberdade, a protagonista do filme hesita em se entregar ao homem negro que a segue pelas ruas. Abraça-o numa cena final, mas foge dele antes de consumar o ato erótico. Definitivamente, um contra-exemplo brassiano, muito diferente das obras de arte que ele realizaria principalmente na década de 1990. Mas, ainda assim, é um filme inusitado. Tomara que seja mais visto... e discutido!

 Wesley PC> 

O PREFIXO DA PALAVRA SUBJETIVO É –SUB. ISSO NÃO DEVE SER À TOA...

Da primeira vez que vi “Twentynine Palms” (2003, de Bruno Dumont), eu estava sozinho. Da segunda, eu estava muito bem-acompanhado. Na primeira vez, achei o filme belo e devastador. Na segunda, também, mas fui confrontado com um novo elemento: precisei defender os personagens como se estivesse defendendo a mim mesmo. Para quem não viu ainda, a recomendação urgente: vá ver o filme e depois volte! Para quem já viu, a obviedade: não há nada no filme que não seja visto ou sentido aqui do lado de fora. Ou há?

Na segunda sessão desta alegoria extremada do tipo de relacionamento amoroso que mais surge como projeção possível diante de meus devaneios solitários, as partícipes femininas da sessão zombaram o tempo quase inteiro da personagem de Yekaterina Golubeva. Tachavam-na de estúpida, deslumbrada, louca, desvairada, masoquistamente permissiva. Eu, porém, não conseguia deixar de me identificar com ela. Talvez não tenhamos muito em comum, que seja, mas ela corresponde ao modo como me imagino se, um dia, estiver namorando alguém. Quem ama, erra. Quem ama, se equivoca. Quem ama alguém que erra e se equivoca o tempo inteiro tem mais direito de errar e se equivocar ainda mais? Para uma das convidadas, a resposta era um sonoro NÃO! Para mim, o eterno talvez...

Repassamos a limpo diversas cenas do filme, mas eu insistia em defender a protagonista, em dizer que, no lugar dela, não seria surpreendente se eu agisse da mesma forma. Por mais que minha amiga destacasse os efeitos trágicos do estupro que acontece perto do final do filme, este evento – por mais paradigmático que tenha sido enquanto inversor da “surras da pica” que dominavam a narrativa – era quase ignorado por meu subconsciente, que cria que superaria aquela mazela inevitável dos dias hodiernos. Minha amiga foi taxativa: “por mais que se ame, não se pode ser idiota para não perceber que o mundo ao nosso redor é mau!”. E eu caminhava devagar, mesmo que parece correr...

 “Twentynine Palms” é um filme que me impressiona. Por este filme em si, não me sinto apto a equiparar o diretor a Robert Bresson, como parte da crítica especializada costuma fazer, mas é um filme que me afeta bastante, que me destroça e que, por incrível que pareça, contribui para que um sorriso largo fique estampado em meu rosto. Um sorriso que talvez seja melhor compreendido numa fábula:

Era uma vez uma ervilha ou uma lesma que não se sentia como os outros de sua espécie. Sentia-se triste, deslocada, por mais que, eventualmente, achasse com quem se divertir ou fazer algo que, numa relação heterossexual tradicional, seria associado à procriação. Essa ervilha ou lesma, entretanto, cria que, algum dia, seria aceita num pomar em que outra ervilha ou lesma como ela ou diferente dela deixaria que ela se apaixonasse por ela (ou vice-versa) e eles pudessem fingir que a comunhão ora alcançada eliminasse todos os anos de angústia ou sofrimento ou desolação ou desencanto ou tristeza perene que a ervilha ou lesma experimentou. Um dia, ela vê uma cortina. A ervilha ou lesma levanta esta cortina com a língua ou com as mãos ou com o ventrículo direito e vislumbra o paraíso ou o sol ou duas pessoas que se amam, deitadas juntas. Naquele instante, a ervilha ou lesma experimenta, simultaneamente, a inveja e a felicidade. E, por mais que o mundo pendesse para o primeiro sentimento, ela sente que o segundo é mais importante. Por isso, enquanto escrevo estas linhas a ervilha ou lesma é, ainda, uma supérstite

Wesley PC>