sábado, 11 de agosto de 2012

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI #07: “O FILME É, ACIMA DE TUDO, VOCÊ MESMO!”

Vi “Paixão e Sombras” (1977), obra-prima autobiográfica e metalingüística do diretor Walter Hugo Khouri, com uma pequena defasagem cronológica em relação ao filme que ele realizaria logo em seguida, mas isso foi mágico: se “As Filhas do Fogo” (1978) precisava ser visto em comunhão com meus melhores amigos, “Paixão e Sombras” precisava ser consumido, introjetado, penetrado no elã de minha solidão, em sua primeira vez: é uma obra de arte minimamente significativa, daquelas que precisam ser revistas N vezes, a fim de que eu consiga apreender pelo menos um terço de seus discursos gritados pelo espírito: é um filme no qual não consigo encontrar defeitos, salvo a inevitabilidade de ter um fim. É um filme que não se acaba, mas que se inscreve perpetuamente no coração, no cérebro e na alma do espectador. É uma obra-prima, insisto. Quiçá, o melhor filme do diretor, tão ou mais incisivo que o espetacular “Eros, o Deus do Amor” (1981).

Neste filme, Marcelo (Fernando Amaral), um personalíssimo diretor de cinema, passeia pelos estúdios de sua nova produção. Deseja reatar a parceria com uma atriz-musa (Lílian Lemmertz), mas esta está contratada para outro filme, no Rio de Janeiro. Sua assistente, Ana (Monique Lafond, excelente), obviamente apaixonada por ele, tenta motivá-lo, convencê-lo a escolher outra atriz, mas ele é obstinado, só quer aquela, pois “o filme é dela, para ela, sobre ela”. Perguntam-lhe por que ele só filme em interiores, e, para além de sua sinceridade vinculada à temática da angústia, ele deixa entrever que esta é uma restrição produtiva, visto que pagam-lhe pouco para financiar os próprios filmes, extremamente autorais. Neste sentido, a contribuição do espirituoso contra-regra Buda (Carlos Bucka) é vital. Numa cena genial, Ana o compara à efígie de Orson Welles. Quando perguntado se deseja participar do filme como ator, Buda rejeita. “Minha esposa vai ficar com ciúmes se me vir contracenando com um monte de menininhas”. Mas, sem que ele soubesse, já estava participando – e magistralmente – de um filme-testemunho, um estado de alma, uma obra-prima.

 Fiquei impressionado – e até chateado – por saber que este filme é tão ignorado na encantatória filmografia do diretor: é um de seus filmes mais nus, se é que se pode dizer isso de um ‘corpus’ em que a nudez é quase onipresente, em todos os sentidos do termo. Aqui, o desnudamento do Marcelo/Khouri é completo, pleno, total, incontrolável: até mesmo para os meandros economicistas de minha pesquisa de Mestrado, este filme será utilíssimo. Ele funciona sob qualquer frente ou lado que nos disponhamos a analisar: é um filme perfeito. Preciso dele muito mais vezes em minha vida. Minha vida.

 Wesley PC>

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI #06: “AS ALEGRIAS DO CORPO CESSAM. A ANGÚSTIA, O DESESPERO, A SOLIDÃO... TUDO ISSO CONTINUA PARA SEMPRE!”

Terminada a sessão de “O Último Êxtase” (1973), já estava ansioso para ver um novo filme do Walter Hugo Khouri. Ainda que o filme anterior me instaurasse uma aura de paz adolescente (paz que se soletra P-I-C-A, como acrescentaram meus queridíssimos companheiros de sessão), para além de toda a sua angústia reincidida, eu precisava ser uma lufada do mal-estar anímico que afligia tanto as almas dos personagens khourianos. E isto foi o que encontramos em “As Filhas do Fogo” (1978).

Conhecia pouquíssima coisa sobre este filme, salvo que ele tinha sido rodado na cidade gaúcha de Gramado e abordava um tema espírita, mas o filme transcende qualquer expectativa que eu depositasse sobre ele. Não gostei tanto quanto os meus amigos, mas está acima de “ótimo”. É uma obra muitíssimo coerente tanto em relação ao universo do próprio diretor quanto em relação a si mesma: “é um filme perigoso!”, como sintetizou meu melhor amigo, através de uma mensagem de celular, ao final da sessão.

 Na trama do filme, duas amigas (Paola Morra e Rosina Malbouisson), tão íntimas quanto possível, reencontram-se na opulenta residência campestre de uma delas e, lá, deparam-se com mistérios relacionados ao passado encoberto da família da mesma. Uma das amigas chama-se Ana e a outra Diana. Ambas conhecem a passional caseira Mariana (Maria Rosa), tachada de “devoradora de homens”, que alega gostar daquela residência muito mais que seus proprietários, o que não deixa de ser verdade. Um homem que alega ser riquíssimo suplica um prato de comida na porta da chácara, o que instaura uma discussão sobre luta de classes muito marcante (e personalizada, claro) na obra do diretor. Este faz sexo com Mariana, enquanto implora por vinho, muito vinho. E, nas fronteiras da rica residência onde a ouriçada Mariana vive, encontramos a doutora Dagmar (Karin Rodrigues), uma parapsicóloga que passa o dia inteiro a gravar vozes de pessoas que morreram. Até o desfecho do filme, saberemos que ela era apaixonada (e correspondida) pela falecida mãe de Diana. O resto, só vendo o filme: difícil sintetizar em palavras tanta emoção!

Apesar de eu ter ficado encantado com o filme – lindo em todo o seu vigor lésbico e sobrenatural – meus amigos ficaram ainda mais deslumbrados que eu: seja a amiga que lastimava uma insipidez moral no dia anterior, mas que se arrepiou quando as personagens falam em sincronicidade, seja a minha irmã espiritual, órfã de mãe, que se projetou com toda supremacia típica de seu magnífico ser na reação histérica da personagem Diana ao sinal de que sua angustiada progenitora ainda tenta se comunicar com ela... Um filme belíssimo e estranho, como não poderia ser diferente partindo do idiossincrático ser vivo responsável pela confecção de todos os aspectos mágicos de sua realização. Amo Walter Hugo Khouri!

Wesley PC>

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI #05: “ – VOCÊS VÃO EMBORA HOJE? – DEPENDE DO QUE CONSEGUIMOS PESCAR OU CAÇAR. DEPENDE DO TEMPO. DEPENDE DE TANTA COISA...”

“O Último Êxtase” (1973) é o um dos primeiros filmes em que o diretor Walter Hugo Khouri faz uso de seu alter-ego cada vez mais recorrente Marcelo, já adotado antes em "As Amorosas" (1968), então vivido por Paulo José. Interpretado aqui por seu próprio filho, Wilfred Khouri [lindo, meu Deus, estou apaixonado por ele até agora!], Marcelo, neste filme, desempenha outra função: um personagem inaudito, um projeto de homem angustiado e egoísta diferente dos outros congêneres, mas tendente à insuportabilidade. Por mais que eu tenha gastado quase todo o tempo de projeção do filme repetindo os mesmos elogios à beleza iridescente do intérprete, meus companheiros de sessão detestaram o comportamento isolacionista do personagem: no filme, ele, a namorada e um casal de amigos resolvem acampar num bosque. Chove bastante, e eles se entendiam, mas Marcelo insiste em ficar por lá. De repente, aparece um casal rico no lugar em que eles estavam (Lílian Lemmertz e Luigi Picchi, atores recorrentes na fauna khouriana) e oferece-lhes conforto, mas Marcelo recusa, rejeita, e insiste para que sua namorada faça o mesmo. Ela não faz. E o restante do filme são olhares e cisões... Principalmente, olhares.

Os amigos que estiveram presentes à mesma sessão que eu não gostaram tanto do filme, mas eu me derreti, me apaixonei avassaladoramente por tudo o que se relacionava a esta obra magnífica. Walter Hugo Khouri realizando um filme juvenil? Quem diria?! E, para o meu escândalo aguardado, ele superou qualquer expectativa que eu tivesse depositado sobre ele: o filme é lindo, angustiante, severo, forçando-nos à identificação questionadora. “Eu já fui assim. E odiava!”, comentou um de meus amigos. “Eu já namorei alguém assim: ele era insuportável!”, acrescentou outra. E, de minha parte, eu sem saber direito o que sentia, mas era como se não pudesse conter ou descrever o meu amor por aquele personagem: Marcelo, quando jovem, é lindo. Lindo e birrento, mas, acima de tudo, lindo – por fora e pelo que deu para perceber de seu interior...

 Wesley PC>

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A FOTÓGRAFA LUCIA ARANA NASCEU EM LIMA, CAPITAL DO PERU, EM 1981, MESMO ANO QUE EU. O RESTO, A IMAGEM FALA!


Definitivamente, o resto a imagem fala! Se eu pudesse me calar, fingiria que me calaria agora. Oh, o desejo!

Wesley PC>

ALIENÍGENA É AQUILO QUE SE ESCONDE DENTRO DE NÓS!

Tive um pesadelo estranho hoje. E acabo de redigir uma expressão pleonástica: no sonho, eu sodomizava um rapaz. Eu, quase impotente, virgem, tendenciosamente incapaz, estava a comer um cu! Mal terminei de gozar, olhei para o lugar onde estávamos e havia um extraterrestre esverdeado se desfazendo no jardim repleto de grama fresca. Sabe-se lá por qual motivo (vergonha? Frustração?), o meu parceiro sexual levantou-se, ainda sem roupa, e espancou o alienígena. O detalhe escabroso: ele, o garoto que eu comi, possuía bunda dos dois lados de seu corpo!

 Terminada a sessão de espancamento do que é diferente, vi-me num quarto, sozinho, querendo assistir a um filme de ação sobre alienígenas malévolos, justamente [“Independence Day” (1996, de Roland Emmerich), se não me engano]. Recebo dois telefonemas – um de um amor cafajeste de infância, outro de um rapaz ingênuo que não lembro bem quem seja – ambos perguntando se eu desejava levar à frente a minha virgindade por muito tempo. De repente, senti-me perseguido por eles, que alegavam me amar tanto, ao ponto de quererem fazer sexo comigo. Acordei como se ainda fugisse...

Resolvi assistir a um filme e este foi marcado precisamente pelo signo da inversão erótica. Estou tentando interpretar tudo o que senti por vias supra-oníricas, mas não sei ainda se estou conseguindo. Talvez eu não seja um bom legista de extraterrestres...

 Wesley PC>

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI #04: “ELE É QUEM MAIS GASTA. A FAMÍLIA É TODA PERDULÁRIA!”

Ao contrário do filme que vi ontem, muito lento e diluído narrativamente, “O Palácio dos Anjos” (1970), exuberante produção colorida de Walter Hugo Khouri, é dinâmico e tramaticamente acessível: cansada de ser assediada moral e sexualmente por seu patrão Ricardo (Luc Merenda), a bela secretária Bárbara (Geneviève Grad) é interceptada na rua por uma mulher (Joana Fomm, no vigor de sua juventude e beleza) que lhe oferece uma proposta de trabalho aparentemente irrecusável: ela possui um bordel de luxo e tenta convencer Bárbara a integrar a sua fauna de coquetes, mas ela recusa inicialmente. Ao chegar em casa e fazer as contas de todas as suas dívidas, ao lado de duas amigas, Bárbara exorta-as a não mais “dar de graça” e, ao invés de trabalhar para a mulher que lhe dera a idéia da prostituição-chique, monta em seu próprio apartamento um cabaré requintado. Uma das companheiras de Bárbara não gosta da idéia e volta para a casa de seus pais. Numa cena impressionante em seu poder de inversão khouriana, vemos Bárbara freqüentar bares e outros lugares comumente freqüentados por homens em busca de aventuras sexuais, a fim de encontrar uma nova prostituta juvenil para o seu empreendimento...

Apesar de reducionista (o filme é muito mais do que isto, tenham certeza), a sinopse acima revela uma inaudita versatilidade por parte do diretor e roteirista, que, neste filme em particular, denota conhecer a alma feminina tanto quando se dispõe a desnudar a alma masculina. Em dado momento, aliás, há o ponto em que ambas as almas se confundem: em pelo menos um momento da trama, Bárbara é chistosamente chamada de “Ricardo”, por causa da voracidade com que conduz seus negócios, e, ao final, confunde-se plenamente com ele em sua sanha capitalista, organizando a disponibilidade erótica das garotas sob sua administração como meros bibelôs proporcionadores de prazer pago. Em mais de um sentido, enxergo neste filme uma espécie de ousada autocrítica por parte de seu idiossincrático realizador, sempre na fronteira entre a descrição sincera das angústias anímicas mais ferozes e a ambigüidade naturalmente associada a qualquer representação sexual. Como os filmes khourianos são também notados pela quantidade exorbitante de cenas sexuais, no impactante desfecho de “O Palácio dos Anjos”, a autocrítica chega ao seu paroxismo: é lícito prostituir-se? E prostituir aos outros, como se justifica? 

Para falar a verdade, este foi um de seus filmes que eu menos apreciei: por incrível que pareça, a agilidade rítmica me deu sono, mas tenho certeza de que, ao revê-lo, gostarei muito mais. Por ora, dois detalhes me enchem de orgulho acerca desta produção: a trilha sonora agonizante do inspirado Rogério Duprat e a seqüência protagonizada por Norma Bengell, que interpreta uma esposa indignada pelo sucesso de Bárbara enquanto meretriz em relação a seu marido. Sentimos na pele – eu, o diretor e os demais espectadores – o tapa na cara que Bárbara leva nesta seqüência. Mas, mesmo assim, seguimos em frente: o mundo é um lugar injusto!

Wesley PC>

QUANDO SE ESTÁ DEPRIMIDO, DORME-SE. NO ESTADO ESPIRITUAL OPOSTO, TAMBÉM!


“Wake from your sleep 
The drying of your tears 
Today we escape
 We escape”… 

O anúncio da colaboração entre a diretora Jodie Foster e o ator Mel Gibson no filme “Um Novo Despertar” (2011) implantou-me interesse quando trazido à tona. Algo naquele enredo me fisgou a atenção de imediato: tratava-se da estória de um homem francamente depressivo que, após fracassar em quase todas as tentativas de enfrentar o desânimo, transfere seus anseios e empolgações para um castor de pelúcia, através do qual volta a falar, sorrir e se comunicar com as pessoas ao seu redor. Entretanto, sua esposa acha insana a decisão de servir-se de um alter-ego animalesco para enfrentar a tristeza, de modo que o que parecia um ato bem-sucedido de enfrentamento chafurda numa cisão de personalidade, sendo necessário amputar o antebraço, com o castor de pelúcia incluído, para voltar a ser quem se é. Música-tema para este processo: “Exit Music (For a Film)”, do Radiohead.

Apesar de o filme, roteirizado por um tal de Kyle Killen, ser muito bom quando deslinda as tentativas de superação psicológica do protagonista, vivido muito bem por Mel Gibson, ele se estraga quando passa a dar voz ao filho mais velho (Anton Yelchin) do personagem principal , uma rapazola mimado e pseudo-depressivo que recebe dinheiro para realizar trabalhos escolares para seus colegas. Ou seja, a diretora Jodie Foster, que também atua como a esposa do protagonista, não conduz bem a perspectiva narrativa do filme, que ora é cedida ao Castor propriamente dito, ora está sob a tutela de Walter Black (nome do protagonista), ora soçobra nas mãos abestalhadas de Porter, o filho bitolado do mesmo. Mas, entre seus bons e maus momentos, “Um Novo Despertar” surpreende pela inusitada ternura, pela boa intenção em tratar um tema difícil de não ser ridicularizado ou vendido, como a depressão, e pelo extraordinário uso da canção composta pelo Thom Yorke. E, se no começo da letra, ele fala sobre a necessidade de despertar, enxugar as lágrimas e fugir, no final, ele fala sobre as regras e a sabedoria que sufocam. E é com essas duas que eu fico:

“We hope your rules and wisdom choke you 
Now we are one in everlasting peace
 We hope that you choke
 That you choke” 

Eu fico! Pois o filme parece obra de auto-ajuda, mas é muito mais (e também menos) que isso!


Wesley PC>

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI #03: “TROUXE UMA ÉGUA NO CIO. QUANDO SENTIR O CHEIRO, ELE APARECE. TENHO CERTEZA!”

Com exceção do episódio que dirigiu para o filme tríplice “As Cariocas” (1966), no mesmo ano, “O Corpo Ardente” (1966) talvez o menor filme – em extensão – do genial Walter Hugo Khouri. Tive a oportunidade de consumi-lo na tarde de ontem, meio sonolento, sendo constantemente interrompido (no melhor sentido do termo) por um rapaz apaixonado, que queria que eu o ajudasse a se aproximar do objeto de seu desejo – como se eu pudesse, meu Deus...

Tendo apenas 85 minutos de duração e contando no elenco com o garoto Wilfred Khouri, filho do diretor, que já aparecera anteriormente em “Noite Vazia” (1964), “O Corpo Ardente” quase não se prende a uma trama. É muito mais um estado perturbador de alma: uma mulher riquíssima perambula por uma festa organizada por seu marido. Os convidados entendiam-se, mas em respeito a ela, fingem que estão se divertindo. Percebe-se, de imediato, que há um fosso apreciativo entre marido e mulher. Ele é infiel. Ela, amargurada. Numa viagem ao interior, ela entra em contato com dois fazendeiros, que buscam um imponente cavalo preto fugitivo. Até o final do filme (uma projeção desta viagem de férias), ela se identificará com o cavalo em fuga, afinal abatido pelo fazendeiro que tanto o buscava... Preciso acrescentar algo no que tange à perfeita adequação deste resumo tramático ao ‘corpus’ temático khouriano?

 Para ser sincero, o filme me deixou mais agoniado que o normal: afligi-me tanto durante a sessão que parecia até que não estava a gostar do filme. Mas, da segunda metade em diante, entreguei-me por completo, transformei-me espectatorialmente na protagonista, vivida por uma belíssima Barbara Laage, constantemente focalizada com o rosto em ‘close-up’. Um filme absolutamente atordoante, que me fez também suspirar pelo jovem David Cardoso, que aparece de relance nalgumas seqüências. E o cavalo corria, a mulher se lamentava, o menino percebia tudo, mas não entendia: por que sua mãe está sempre tão triste? O desfecho do filme não precisa ser mais explícito. Arduamente maravilhoso!

 Wesley PC>

NO OUTRO DIA, O “AINDA”...

Dormi pensando em “Somos o que Somos” (2010, de Jorge Michel Grau) e acordei tomado pelo baque: não apenas o filme me atordoou como o pesadelo que tive na noite anterior [sonhei que era um lobisomem incontrolável e feria uma de minhas professoras do Mestrado] ecoava atemorizadamente em meu subconsciente. Dito e feito: tive um novo pesadelo!

 No sonho de hoje, eu era quase uma testemunha passiva de acontecimentos que estavam além de meu controle intervencionista. A ex-mulher e a mãe de um amigo odiavam-se perenemente (o que reproduz, de fato, uma situação real) e, quando o melhor amigo da primeira morre atropelado em frente à casa da segunda, precisei interferir numa possibilidade de reentrosamento entre ambas. Não consegui: elas odiaram-se até mesmo diante de uma tragédia! Acordei me sentindo pesado, com dor de cabeça, preocupado com minha amiga...

 Mas a vida me intimava com a rotina que tanto aprecio: tinha que comparecer à Universidade, para assistir a uma defesa de Mestrado, que serviria como aula repositiva e observação acerca do que acontecerá comigo daqui a um ano e meio. O trabalho em pauta era sobre as utilizações institucionais do Twitter e os escamoteamentos da liberdade expressiva nestes casos. A exposição não me agradou de todo, mas foi interessante ter passado por isso.

 E o filme ainda repercutia: a beleza contundente de seu título, a audácia de fazer com que um abraço choroso entre mãe e filho que pensam que se odeiam seja muito mais violento que o assassinato cruel da prostituta mostrada na foto, o talento de todos os intérpretes, aquela trilha sonora disputada de violinos rasgados, tudo no filme me desgastou emocionalmente, no melhor sentido do termo, por mais evidentemente defeituoso que o roteiro seja, conforme aludi anteriormente. Vai demorar pr’eu voltar ao normal (se houver), ah, vai!

 Wesley PC>

VAI DEMORAR PR’EU VOLTAR AO NORMAL!

Não sei o que eu esperava encontrar quando liguei a TV para ver “Somos o que Somos” (2010, de Jorge Michel Grau). Porém, este filme mexicano de horror contemporâneo e social agradou-me sobremaneira: na trama, o patriarca de uma família pobre falece em pleno centro da cidade e os três filhos precisam ajudar a mãe a conseguir comida. O detalhe cabal: eles são antropófagos! Passaram anos consumindo as prostitutas que seu pai conseguia, mas, obrigados a se virarem sozinhos, demonstram-se ineptos em seqüestrarem meninos de rua e prostitutas. O mais velho dos filhos, sentindo-se responsável pelo sustento da família, dispõe-se a freqüentar uma boate ‘gay’, em busca de uma vítima fácil. Logo consegue: ele é bonito e surge um rapaz interessado por ele. “Cuidado por aqui: existem muitos lobos querendo te comer!”. Mal sabia ele que o rapaz é que anseia por comê-lo. São flagrados se beijando pelo irmão mais novo do canibal, que se recusa a comer um homossexual. Ao mesmo tempo, sua mãe adentra a casa com um taxista, que é morto com pazadas na cabeça. Uma situação extremamente violenta, que é interrompida pelo choro do irmão mais velho, que se sente preterido em relação ao afeto materno: “por que tu me odeias tanto?”. Francisco Barreiro e Carmen Beato em desempenhos irrepreensíveis, sustentados pela excelente e perturbadora trilha sonora de Enrico Chapela e por uma direção de arte acachapante. Pena que o roteiro decai um pouco quando acrescenta uma perseguição policial à trama. Mas o filme é inusitadamente genial: é sanguinolento, porém estraçalha-nos muito mais em sua crítica social que por causa das imagens chocantes. Veio-me em boníssima hora!

Wesley PC>

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

NUNCA É TARDE, COM PONTO DE INTERROGAÇÃO EMERGENCIAL ANTES DO FINAL:


Tudo o que sei sobre o pintor iraniano Morteza Katouzian até então foi descoberto hoje, nesta página página de Fotolog recém-adicionada, mas já adotei esta retratação d'"O Alerta Vermelho", pintada em 1980, como um ponto de fuga pessoal e oportuno: algo que sinto hoje, exatamente agora, tem a ver com o que está demonstrado nestes rostos, nestas cores, nesta beleza sem tamanho... Deixo o enigma, a resposta, o pedido e o amor eterno como brindes e/ou conseqüências desta egrégia descoberta. E, no rádio, ouço "I've Got Your Number", do Elbow. Hora de telefonar!

Wesley PC>

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI - #02: “- TU JÁ IMAGINASTE SE ENCONTRÁSSEMOS MESMO UM TESOURO? - JÁ IMAGINEI... ESTOU IMAGINANDO DESDE QUE NASCI!”

Em “A Ilha” (1962), quinto longa-metragem de Walter Hugo Khouri, Marcelo ainda não havia dado as caras. Enquanto nome recorrente na fauna humana de personagens burgueses entediados, encontramos um Hugo, mas este ainda é secundário, pouco expressivo em relação aos desígnios da competição que são estimulados pelo protagonista Alfieri [Luigi Picchi, justamente o intérprete do Hugo que aparecera em “Estranho Encontro” (1958)], obcecado por um casal de peixes raros, cujo macho muda de cor quando sexualmente excitado. Ele mantém ambos os peixes num aquário separado por um vidro, no qual o macho fica se debatendo, no afã por encontrar a fêmea. “O que acontece se tu não retirares o vidro?”, pergunta alguém. “Ele se debaterá até a morte: os machos são autodestrutivos quando desejam se reproduzir!”. Era um apotegma que servia para toda a obra khouriana vindoura...

Em mais de uma seqüência do filme, este aquário reaparece como metáfora. Apesar de o filme ser um diálogo direto com “A Aventura” (1960, de Michelangelo Antonioni) – e, nesse sentido, os detalhes forçosamente aventurescos da trama, envolvendo um tesouro de piratas, deixam isso bem claro – e de ter sido proibido para menores de 18 anos, à época de seu lançamento, os ‘leitmotivs’ tramáticos são mais amplos: a luta de classes, o tédio burguês, o abuso imputado contra as mulheres... Em dado momento, os amigos do milionário apostam com ele que deflorarão uma convidada alegadamente virgem. Um deles pede que o iate seja oferecido como prêmio. “Nenhuma virgindade vale isso!”, reclama o milionário. Uma das moças presentes à festa irrita-se com o desdém demonstrado durante a organização da aposta. “Isso é coisa que se diga? Coitada da garota!”, reclama ela. “Coitados de nós”, respondem em quase uníssono os demais. Eu, incluído!

Antes de rumarem em direção à ilha que intitula o filme, três garotinhos aparecem na praia onde está o milionário e seus amigos hipócritas e perguntam se ele quer comprar ostras. Ao invés disso, Alfieri oferece-lhes um presente, caso eles o ajudem a arrumar as malas. Os meninos aceitam e, quando vão requisitar o seu prêmio, Alfieri atira uma cédula monetária na água do mar. Os garotos saem em disparada, lutando pelo dinheiro. Alguns protestam contra o ato perverso do milionário, que, cinicamente responde: “a competição é algo que faz bem a qualquer pessoa!”. E, à medida que o filme evolui, esta tal competição dá a tônica: o iate desaparece numa tempestade; Simão (José Mauro de Vasconcelos), o maltratado piloto da embarcação, outrora empregado do pai de Alfieri, adverte que há água envenenada na ilha; César (Francisco Negrão), um esnobe espirituoso, finge ter encontrado jóias do século XVIII na ilha; e, pouco a pouco, por causa de todos estes motivos, os milionários começam a brigar entre si pela sobrevivência, pela cobiça e pela saciação de seus desejos fisiológicos mais básicos. Até água do aquário onde estão os peixes metafóricos eles bebem. Mas, na ilha, há um gato...

Oficialmente, o filme é muito mais tramático (no sentido genérico do termo) que qualquer outro filme do Walter Hugo Khouri que eu tenha visto, mas seus temas-chave estão todos lá. Dois anos depois, ele realizaria o antológico “Noite Vazia” (1964) e escancararia o existencialismo erótico ao qual associamo-lo hoje. Não é um dos meus cineastas favoritos à toa... E como a Eva Wilma está linda neste filme!

Wesley PC>

A BRIEF NUDE REMINISCENCE... (IN MY OWN FUCKING LANGUAGE, OF COURSE)!

Por mais que eu admire o talento rimado do cantor e compositor baiano Caetano Veloso e volta e meia ache engraçado quando alguém diz que eu pareço fisicamente com ele (quando mais jovem, claro!), ainda não me atrevi a ouvir seus discos recentes. Dentre estes, “A Foreign Sound” (2004) é o que menos me interessa, visto que não consigo concordar com a insolente insistência do artista em dizer que “os Estados Unidos da América produzem a melhor música popular de todo o mundo!”. No elogiado documentário “Coração Vagabundo” (2008, de Fernando Grostein Andrade), o cantor repete tal depoimento, em resposta a uma declaração de Hermeto Paschoal que não apenas discordava dele como o tachava de “cantorzinho”. E este é apenas um dos muitos aspectos que me desagradaram no filme...

 Tematicamente desfocado e perenemente deslumbrado com as andanças de Caetano Veloso por Nova York e Tóquio, a fim de divulgar os concertos do referido disco, “Coração Vagabundo” apresenta um personagem real quase xenofóbico em sua obsessiva comparação demeritória com o “primeiro mundo”: reclama de ter convivido apenas com brasileiros quando vivera em Londres, na década de 1970,comenta o seu suposto mau desempenho idiomático nalguns programas de entrevista gringos, é mostrado na intimidade de seu então casamento com Paula Lavigne, aparece numa ridícula simulação de flerte com a modelo Gisele Bündchen, confunde-se ao diagnosticar a incomunicabilidade nalguns filmes de Ingmar Bergman e, num polêmico vislumbre, aparece completamente nu enquanto troca de roupas nos intervalos de um ‘show’. Afora isso, pouco mais a ser dito de bom sobre o filme...

Pedro Almodóvar concede uma entrevista elogiosa sobre o seu amigo, mas desenxabida; Michelangelo Antonioni é mostrado quando ainda vivo, emocionado com a canção que Caetano Veloso compôs em sua homenagem; David Byrne demonstra-se emocionado por cantar ao lado dele no Carnegie Hall nova-iorquino; um japonês aparece cantarolando a letra de “O Leãozinho” em português... E o resto é enfado! Tanto que adormeci antes do final do filme e não senti que perdi muita coisa. Devo ter me contaminado com a estranha seqüência em que o mau diretor filma uma jovem nipônica adormecendo num metrô! Pelo sim, pelo não, antecipo que vi um rapaz desnudar-se de forma similar ao cantor – com 66 anos, à época das filmagens – na tarde de ontem e fui muito feliz neste breve contato com uma intimidade revelada em breves segundos, algo que, no filme, aparece como um engodo publicitário. Não gostei! Prefiro o Caetano Veloso tropicalista de outrora...

Wesley PC>

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O PROBLEMA MAIOR: TALVEZ EU NÃO SAIBA DISSOCIAR!

Vários amigos queridos derreteram-se em elogios pelo documentário “Vou Rifar Meu Coração” (2011, de Ana Rieper), atualmente em exibição nos cinemas sergipanos. Resolvi conferi-lo nesta noite de segunda-feira (vide crítica defeituosa aqui), suspeitando que talvez não gostasse tanto, mas completamente disposto a “ralar os cotovelos no chão” de tamanha identificação com os personagens reais apaixonados. Isso também não aconteceu, visto que, ao invés de privilegiar os românticos incuráveis, a diretora, formada em Antropologia, se deixou levar pelo machismo vingativo de algumas das canções estudadas (a cargo de artistas como Wando e Amado Batista, por exemplo) e perdeu tempo demais analisando o fenômeno de “ser corno”. Por causa disso, os espectadores da sessão em que eu estava gargalhavam e exclamavam as mais diversas bizarrices durante a exibição do filme, enquanto eu quedava em silêncio respeitoso na maior parte do tempo, de tanto que me identificava com aquilo tudo...

Para a minha extrema surpresa positiva, há, no filme, uma cena belíssima em que dois homens dançam juntos e se beijam num bar interiorano. Pouco antes de entrar na sala, deparei-me com um homem que se masturbava no corredor de um banheiro. Entrei numa das cabines para urinar e me deparei com seu pênis enorme estendido para fora. Infelizmente, apesar de o pênis ser imponente, o seu portador era muito feio, de modo que a exposição fálica não me excitou, mas, pelo contrário, me imbuiu de certo nojo moral: fiquei tentando imaginar que tipo de pessoas aquele homem desejava fisgar com aquele assédio peniano exacerbado. Comigo não funciona, entretanto. Eu sou daqueles que se apaixonam, que amam até o fim. Por isso, o filme ficou muito aquém de minhas expectativas. Mas, ainda assim, valeu os quatro Reais promocionais que paguei pelo ingresso!

Wesley PC>

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

“SOU TÃO FELIZ QUANTO UM PASSARINHO NA GAIOLA...” (OU: A EJACULAÇÃO POR PROCURAÇÃO)

Em algum lugar do mundo, alguém que conheço deste estar ejaculando no exato momento em que escrevo estas palavras. Enquanto eu via o clássico “Os Primos” (1959, de Claude Chabrol) talvez também houvesse. Ejaculações são importantes para manter o equilíbrio, para desbloquear o caráter e permitir a inserção de admoestações preventivas, conselhos, declarações veladas de amor. Tudo isso cabia no magnífico filme que vi. E, por mais que eu tenha me decepcionado um tanto com o trágico desfecho do filme (em que um dos protagonistas é acidentalmente assassinado pelo outro), talvez esta decepção seja um indício de ciúme, no sentido de que, ali, a morte era apenas uma hipertrofia pleonástica do que já estava acontecendo desde o começo do filme. Era como se fosse uma compensação extremada das más escolhas dos personagens. Ou uma advertência. Ou uma conversão simbólica do realismo chabroliano. Seja como for, o filme é exemplar, excelente e me perseguirá até o final dos meus dias: é o meu testemunho!

Wesley PC>

NUNCA POR FALTA DE TENTATIVA!

Começarei esta resenha com uma exclamação: não consegui desgostar de “Aluga-se Moças” (1982, de Deni Cavalcanti)! Por pior que o erro ortográfico do título deixe entrever que seja a qualidade do filme, a condução dramatúrgica das desventuras femininas das protagonistas me encantou: uma delas (Rita Cadillac, surpreendentemente convincente) não consegue encontrar emprego porque ficou sem trabalhar nos sete anos em que esteve cansada e não sabe mais como se portar num mercado de trabalho que exige o sexo como compensação; outra engravida do namorado, é expulsa de casa pela família, mas recusa a ajuda dele na decisão abortiva; uma terceira se esforça para cuidar da mãe doente; uma quarta (Tânia Gomide) perde a virgindade (induzida por entorpecentes, mas, ainda assim, de forma inicialmente voluntária, mas ela alega que foi “de forma brutal) e sente que não possui mais motivos para viver; e uma quinta (Gretchen) transforma-se, aos poucos, numa cantora de sucesso. Todas elas encontrar-se-ão no cabaré de luxo que leva o título do filme ao final desta produção tosca mas impressionantemente funcional em seus clamores identitários. Comigo funcionou...

Assisti a este filme ao lado de rapaz minuciosamente conhecedor de cabarés, cuja residência é entulhada de material pornográfico e que descreveu para mim, com expressão de nojo, o dia em que descobriu que uma prostituta possuía verrugas venéreas ao enfiar o dedo em sua vagina. Ele sorriu durante quase toda a projeção, enquanto eu quase tendi ao choro na seqüência final, em que Gretchen canta sobre a vontade de ser livre das meretrizes e uma delas se suicida diante dos clientes. Na tela, três letreiros superpostos: “a natureza é perfeita”. “O homem não”. “Consome ou serás consumido”. E eu não entendi necessariamente o que isso tinha a ver com o filme, já que ele é uma verdadeira ode à exploração sexual.

No cabaré em que as moças do título se encontram, elas trocam experiências referentes aos seus trabalhos passados: uma deles é despedida da empresa em que trabalha – e que fora admitida após transar com o patrão – justamente por ter transado com o patrão; algumas se submetem às taras mais bizarras dos clientes da “casa de massagens” (eufemismo para bordel periférico) em que gastam as suas noites; e uma delas, a personagem da Gretchen, masturba-se com um microfone no palco, enfiando o aparelho em sua vagina, como se fosse um vibrador. As atuações são ruins, os diálogos são bizarros (Um exemplo? Quando a cantora agradece a um fotógrafo por não tê-la paquerado, ele se justifica da seguinte forma: “é que eu já tenho muitas namoradas. Deve ser por isso!”), a montagem é precipitada (principalmente no que tange à inserção de planos dessincronizados e repetidos de penetração em meio às cenas de sexo simulado) e o roteiro é tendente ao humor involuntário, por mais dramático que queira parecer, de modo que todos estes elementos fazem pensar que “Aluga-se Moças” seja um péssimo filme. Talvez até devesse, mas eu o achei surpreendente. Quase muito bom! Eu e o companheiro erotizado de sessão, que havia se masturbado três vezes no dia anterior. Suponho que voltarei a falar muito sobre ele por aqui (não conseguia me conter e, de 20 em 20 minutos, o olhava nos olhos e dizia: “tu és fascinante!”), mas, por enquanto, recomendo de paixão este filme: é um documento precioso sobre o Brasil da época em que nasci!

Wesley PC>

domingo, 5 de agosto de 2012

JÁ POSTEI ESTA CONFISSÃO NOUTRO CANTO, MAS, COMO MEU AMOR É INACABÁVEL E VERDADEIRO, REPITO-A AQUI:

Esta é a primeira foto em mais de dois anos em que apareço sem o meu inconfundível crucifixo prateado sobre a indumentária: pouco antes de adentrar uma noite entre amigos queridos que se revelaria profundamente significativa para mim, fui atingido pela coincidência simbólica de perder a referida jóia. Era como se fosse um sinal: se a correntinha na qual se encontrava o tal crucifixo representava uma espécie de "pacto" com uma corruptela carnal do conceito pascaliano de "Deus invisível", a ausência deste fetiche me empurrava para uma madrugada de experiências emocionais que ficariam encravadas numa dermatite seborréica que externa em meu rosto as preocupações, insatisfações, anseios, temores, desejos e até mesmo alegrias que tomam de assalto a minha alma eternamente sequiosa.

Horas depois, enquanto alguns dormiam, eu dançava freneticamente uma canção 'pop' marcante de minha pós-adolescência, cuja letra descrevia sintomaticamente tudo aquilo que eu temia (ou torcia) estar associado à perda de minha correntinha. Depois que me ajudaram a constatar que, mesmo após o amanhecer, há dias em que a Lua permanece no céu, eu adormeci. E, tão logo acordei e me dispus a arrumar a cama, achei a correntinha sob a mobília, como se fosse tudo uma mera tramóia do destino (ou qualquer outra coisa, por falta de melhor nome), advertindo-me de que ainda tenho muito a aprender - ao lado justamente destes maravilhosos seres vivos que me acompanham na foto e de outros que estiveram ao nosso lado na madrugada anunciada. Era a contingência que faltava: eu me rendo!

 "A vida está tão vazia, 
Não me envergonho de pensar
 Posso até achar companhia 
E nunca vá me tocar"... 

Assim sendo, agradeço à enfermeira que radiografou o meu espírito nesta fotografia tão magistralmente captada a partir de uma máquina sem visor. E, a quem quer que tenha se atrevido a ler este texto até o final, deixo mais um testemunho sincero e entupido de efeitos colaterais: não tenho o menor receio de amar com todo o coração os meus amigos. Não, eu não tenho! Deus do céu, como é bom, digno e importante errar e sofrer!

Wesley PC> 

DIFÍCIL DE AGÜENTAR, MUITO DIFÍCIL DE SUPORTAR ATÉ O FINAL!

Já tive várias oportunidades, aqui mesmo neste ‘blog’, de elogiar as proezas directivas de Fauzi Mansur. Por causa dele, dispus-me a suportar os insuportáveis 105 minutos do execrável filme co-roteirizado por Renato Aragão “A Ilha dos Paqueras” (1970), exibido na TV Brasil nesta noite de domingo. Diferentemente dos demais filmes do diretor, em que os chistes concatenavam-se discursivamente a uma idéia – mesmo que rasteira – de liberdade sexual, neste filme é perpetrada uma verdadeira exaltação ao machismo, a ponto de, num dado momento, o personagem Didi argumentar que “mulher é que nem jornal: depois de lido, serve apenas para embrulho!”. O que ele quis dizer com isso? Não sei, mas que achei de péssimo gosto, ah, eu achei!

No que se pode chamar de arremedo de trama deste horroroso pedaço de cinema brasileiro, dois aprendizes de marinheiros fingem-se de tripulantes de uma embarcação de luxo, no qual estão algumas modelos de biquíni sexualmente ouriçadas e protegidas por um agente paspalhão e tarado. Depois de uma enxurrada de piadas sem graça e efeitos de montagem acelerada que acentuam o nonsense do roteiro, o navio naufraga e os personagens vão parar numa ilha controlada por traficantes de armas, tornando ainda mais insuportável a inverossimilhança chauvinista que tomava de assalto o filme. Ao final, eu estava absolutamente extenuado de tanto sujeitar-me a estratagemas regressivos de humor que, a fim de não se demonstrarem completamente inaproveitáveis, fizeram-me sorrir em pelo menos um momento. Quando Didi pergunta ao seu cúmplice Dedé (Dedé Santana), “o que um frango disse para o outro?”. Resposta: ‘vamos ao açougue, ver galinha pelada!’”. Eu ri, não vou mentir.

 Para além de uma ou outra sacada de câmera, das canções italianas emuladas por Dick Danello e uma boa piada de cunho político sobre o esquecimento geracional motivado pela não-menção a gorjetas pelos passageiros do navio, o filme é quase inagüentável. Mais de uma vez, pensei em desistir da sessão. Suportei até o final desenxabido e imoralmente promíscuo sem conseguir prestar atenção às cenas, de tanto que estava enfadado. Mas, enquanto contra-exemplo do que anseio trabalhar em minha distinção dissertativa entre pornochanchadas e filmes dramáticos produzidos pela Boca do Lixo, este filme é paradigmático: muito ruim, preconceituoso e mal-feito. Tomara que eu não precise vê-lo novamente tão cedo!

 Wesley PC>