sábado, 12 de janeiro de 2013

“POEMA DE AMOR PARA NINGUÉM EM PARTICULAR” (OU OS DEFEITOS PERDOADOS, PORQUE COMPREENDIDOS)


Não tinha ouvido falar nada sobre o filme “As Sessões” (2012, de Ben Lewin), cuja cópia não-legendada recebi ontem de um grande amigo célere. Vasculhando a sua sinopse, surpreendi-me ao ver que a história real conta a decisão do fisicamente paralisado Mark O’Brien (interpretado por John Hawkes, indicado ao Globo de Ouro, mas não ao Oscar), que, no final da década de 1980, aos 48 anos de idade, contratou uma terapeuta sexual (Helen Hunt, soberba e injustamente relegada a um prêmio de coadjuvante nas premiações cinematográficas hollywoodianas) para ajudá-lo a perder a virgindade. Uma imediata identificação projetiva indicava que eu poderia gostar muito deste filme...

Se, por um lado, de fato, o discurso sexual do filme me instigou pessoalmente, por outro, as suas limitações biográficas e suas “liberdades artísticas” questionáveis (incluir a voz do personagem para narrar eventos e sensações após a sua morte, por exemplo) me levaram a sentir-me negativamente desconfortável desde o início. Não simpatizei facilmente com o personagem: além de eu não ter gostado muito da atuação de John Hawkes no início (era uma personificação “fácil” em sua grandiloqüência dramática, admitamos), a vitimização induzida a partir da trilha sonora gotejante de Marco Beltrami me incomodou. Quando Helen Hunt entra em cena e se despe, o filme muda completamente de tônica, sensualiza o personagem, me conquistou pela cepa, o que era bastante suspeitoso desde que percebi que o principal interlocutor do protagonista era o padre interpretado pro William H. Macy, que, num dado momento, deixa escapar que acha menos pecaminosos os coitos com prostitutas que os intercursos zoofílicos que testemunhou (ou talvez praticou) em sua infância numa fazenda. Catolicismo e virgindade superada são, portanto, os dois principais temas do filme: tinha como eu não encará-lo de forma muito pessoal?

Tendo chegado a um momento de sua vida em que as boas condições monetárias levam-no a pensar em sexo profissional (ao menos, este é o argumento que ele oferece ao padre, numa das várias confissões que conduzem o enredo do filme), Mark contrata, através de uma amiga com os membros amputados, uma terapeuta erótica, uma mulher especializada em despertar desejos e funções eróticas em pessoas desenganadas sexualmente. Despojada em sua nudez (há uma diálogo imagético belíssimo entre uma cena em que ela mergulha nua numa sauna pública e o momento em que em que ela utiliza um espelho para mostrar a Mark seu próprio corpo nu), a magnífica personagem de Helen Hunt pretende, em apenas seis sessões, fazer com que Mark controle e/ou direcione as suas ejaculações involuntárias. Despe-o com cuidado, esfrega delicadamente as mãos dele em seus seios, apregoa contra os manuais sexuais que Mark insiste em ler e, com o tempo, permite não apenas que ele a penetre e ejacule no interior de sua vagina como também gozar ao lado dele, por causa dele. Quase que eu gozo junto com eles, de tão emocionado que fiquei nestas graciosas (e delicadas) cenas de sexo.

A boa coadjuvação de Moon Bloodgood como Vera, a acompanhante de Mark, também me encanou no filme, mas a seqüência que justifica o título desta postagem – muito similar, num viés positivo, ao desfecho do clássico romance “O Colecionador”, de John Fowles – torna verossímil e perdoável a rapidez com que Mark e sua terapeuta Shelley se apaixonam. Em seu funeral, enumera as três mulheres que amou em sua vida: a acompanhante anterior a Vera, que foi morar na Alemanha depois que se assustou com seu pedido de casamento; a própria Shelley; e a enfermeira com quem compartilha a informação de que não é mais virgem, depois que é levado ao hospital quando uma queda de energia elétrica prejudica o funcionamento do pulmão mecânico que o mantinha vivo. É um filme defeituoso em mais de um sentido, mas, não apenas por seus pontos nodais de identificação com a minha pessoa, muito bom em sua tentativa sutil de enfrentamento da moralidade tacanha de Hollywood no que tange às questões sexuais. O momento engraçado em que o padre inicialmente recrimina Mark por ele estar fazendo sexo antes do casamento que o diga: uma grata surpresa este filme!

Wesley PC> 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

DE QUANDO INTERSUBJETIVIDADE SE CONFUNDE COM INTEROBJETIVIDADE...


"Eu fiz uma canção cantando todo o amor que eu sinto por você 
Você ficava escutando impassível e eu cantando do teu lado a morrer
 E ainda teve a cara de pau de dizer, naquele tom tão educado:
 'oh! pero que letra más hermosa, que habla de un corazón apasionado'...

Pensei em nomear esta postagem PIADA INTERNA MUSICAL, mas o diálogo pessoal a que submeto textos de Jesus Martín-Barbero e Peter Sloterdijk que leio conjuntamente nesta semana de confusão acadêmica (leia-se: teimosia em não me deixar render por completo às imposições jactantes de meu orientador de Mestrado) me consola e me confunde e me desorienta e me salva e me redime e me persegue enquanto ouço este disco lançado por Caetano Veloso em 1979... Na quinta faixa, aliás, justamente aquele que se segue ao clássico "Menino do Rio", eu me vi internamente desnudado, com a alma revelada, confusa em suas pretensões de consolo e desorientação e salvação e redenção e perseguição oportunista passional (ou qualquer coisa que o valha). Existe confusão em "O Vampiro", existe confissão, existe lágrimas escondidas. Com exceção deste último ponto (quando há lágrimas, faço questão de revelá-las, de expô-las ao máximo, a fim de aprender com as mesmas), a canção parece ter sido composta especialmente para mim neste instante. Por isso:

"...é que eu sou um vampiro e, com meu cavalo negro, eu apronto 
E vou sugando o sangue dos meninos e das meninas que eu encontro 
Por isso é bom não se aproximar muito perto dos meus olhos 
Senão, eu te dou uma mordida que deixa na sua carne aquela ferida"

Aproxime-se, aproxime-se! Posso até ser um vampiro, mas, por dentro, tanto que eu tento ser bonzinho... Muito bom este disco: "Lua de São Jorge" (faixa 01), "Oração ao Tempo" (02), "Beleza Pura" (03), "Cajuína" (09), "Aracaju" (10) e "Badauê" (11) estão por aqui também! Mais explícito que isto, só se eu me apresentasse diante de um juiz e dissesse que sou inocente, arregimentando um clichê. Mais um dos eternos clichês que me sustentam enquanto eu os sustento... A verdade é um clichê: e eu sou desses que amam, nunca neguei!

Wesley PC>

“MEU PAI ME ENSINOU A TRABALHAR, MAS NUNCA ME ENSINOU A GOSTAR DISTO”... (‘SIC SEMPER TYRANNIS’)


A ansiedade truncada pela audiência do recente “Lincoln” (2012, de Steven Spielberg), indicado a doze prêmios Oscar na manhã de hoje, me conduziu à descoberta precipitada do clássico obscuro “O Libertador” (1930), primeiro filme falado de David Wark Griffith. Digo que esta descoberta foi “precipitada” porque existem alguns filmes do mesmo diretor aqui em casa, aguardando o momento ideal para serem vistos, em ordem ascendente de produção. E, se digo que a ansiedade é “truncada”, isso se deve menos à vontade de ver o filme que à análise de sua inclusão na continuidade spielberguiana do projeto nacional fílmico empreendido não apenas pelo “pai do cinema norte-americano”, mas também por John Ford, cineasta que, além de ter biografado explicitamente o presidente Abraham Lincoln (1809-1865) em “A Mocidade de Lincoln” (1939), tinha uma grande admiração por seus ideais, a ponto de o personagem real aparecer em mais de um de seus filmes.

Diferentemente dos clássicos mudos do diretor, em que a dramaticidade (ou melhor, tragicidade) dava a tônica dos enredos, em “O Libertador”, a narrativa é quase estereotipada no humor exacerbado da primeira metade. A escolha do competente Walter Huston como intérprete do personagem – ator este que se tornou conhecido por seus célebres arremates de deboche, incluindo sua oscarizada participação no extraordinário “O Tesouro de Sierra Madre” (1948, de John Huston) – adianta a comicidade da trama, permeada pelas diversas anedotas que o presidente conta ao longo de sua vida.

Iniciado com um prólogo histórico, que se serve dos intertítulos e narrativa predominantemente visual, “O Libertador” logo nos apresenta à família Lincoln, justamente no momento em que sua mãe dá a luz a Abraham. Um corte de vários anos mostra Abraham capinando ao lado de sua amada Ann Rutledge (Una Merkel), que o ajuda a estudar questões legislativas que lhe serão argüidas na faculdade de advocacia. Abraham, entretanto, está muito mais interessado em abraçar e beijar a sua professora improvisada, de modo que esta tenta afastar-se dele, como o pretexto de que ele deve estar muito mais focado na Lei que nas tentações carnais. Numa seqüência seguinte, Ann está fatalmente doente, falece, a tristeza toma Abraham de assalto e, após um novo corte de vários anos, o retorno de Abraham à sua cidade-natal, já como advogado formado, é ansiado por uma moçoila rica, Mary Todd (Kay Hammond), com quem se casará e viverá até o fim de seus dias.

Apesar de não ter coragem de comparecer à cerimônia de seu casamento, por estar bastante nervoso e, ao mesmo tempo, sentindo saudades de Ann, isto não apenas não interfere na harmonia matrimonial com Mary como facilita a sua convocação como concorrente republicano à presidência da República, pouco tempo depois de Abraham estar se lamentado por ter cinqüenta anos de idade e uma vida marcada pelos fracassos. Daí por diante, o filme assume uma seriedade histórica solene (ainda que entrecortada pelas anedotas bem-humoradas do personagem) e concentra-se nos seus feitos presidenciais, incluindo a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América, ainda em sua etapa germinal, e o perdão de diversos condenados durante a Guerra de Secessão (1861-1865), desembocando em seu assassinato pelo ator John Wilkes Booth, durante uma peça de teatro em sua homenagem. Ao final, uma homenagem luminosa ao décimo sexto presidente norte-americano, ao som de “Glória, Glória, Aleluia”, seu hino religioso favorito.

Ao invés de deter-se numa explicação didática dos feitos lincolnianos, o filme pontua apenas alguns fatos marcantes, talvez por causa de sua curta duração (meros 90 minutos), o que talvez explique o seu insucesso de público e a sua subestimação fílmica ao longo dos anos. Com certeza, a versão spielberguiana investirá numa abordagem muito mais política e menos e menos privada, não se detendo na mania de Abraham de ficar descalço durante as reuniões à mesa e evitando diálogos chistosos como aquele em que, ao ser convocado para uma reunião urgente, Abraham exclama que o país está fervendo tanto quando a sopa de sua esposa ou quando esta última reclama que precisa trocar as cortinas sempre que o general vitorioso Grant os visita, de tanto que a subsunção deste ao vício da nicotina impregna a sua residência de fumaça. É esperar para ver...

Wesley PC> 

EM HOMENAGEM AO “AMOR INTELIGENTE”: IDENTIFICAÇÃO CONSECUTIVA


“Leite” (2008) é o segundo filme da trilogia retrospectiva do poeta Yusuf, realizada pelo diretor turco Semih Kaplanoglu. O terceiro filme [“Um Doce Olhar” (2010), que, em verdade, narra o começo da estória e, em seu título original, quer dizer apenas "Mel"] já foi comentado aqui, mas é interessante assistir aos filmes na ordem inversa da realização, porém obedecendo à progressão do envelhecimento de seu protagonista. Mais do que ansioso para ver “Ovo” (2007), portanto!  

Assim que soube que “Leite” seria exibido na TV, apressei-me em indicá-lo a alguns amigos sensíveis e estéticos. Nenhum deles teve tempo de conferir o filme, de modo que externo aqui a minha perplexidade diante da multiplicidade de pistas formais do filme: no início – depois de um maravilhoso prólogo, em que uma mulher expele uma cobra pela boca! – parece que o diretor e roteirista do filme quer contar a história do poeta, fazer com que os espectadores filiem-se a ele, compartilhem com ele as suas frustrações e ambições poéticas. Mas, aos poucos, os diálogos vão ficando cada vez mais escassos...

Depois que situamos Yusuf como um rapaz obcecado por leitura, que ajuda a mãe a contragosto na venda de leite e feitura de queijos, acompanhamos os exames médicos para a sua admissão no exército, suas paixões não realizadas por raparigas bonitas que cruzam o seu caminho, uma queda de motocicleta e, de repente, vemo-lo com um peixe enorme nas mãos. Sua mãe apaixona-se pelo carteiro da vila, ele se entristece e, numa bela imagem conclusiva, a lâmpada de seu capacete de mineiro ofusca a tela com a sua luz branca. Parecia que eu estava a desgostar do hermetismo poético do filme, mas o seu plano final me encheu de tamanho encanto que não deu outra: gostei muito do filme! Se brincar, na sexta-feira, quando ele será reexibido em versão dublado, vejo-o novamente... Preciso compartilhar o que senti com outrem!

Wesley PC> 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

DAQUILO QUE CHAMAM FELICIDADE OU PRECIPÍCIO:

Até hoje, creio ter visto apenas três ou quatro dentre os vários filmes dirigidos pela dupla de diretores britânicos Michael Powell & Emeric Pressburger. Oficialmente, eu e meu melhor amigo Jadson Teles temos um projeto pendente de efetivar uma maratona com seus filmes, visto que temos quase dezena deles em DVD, mas sempre protelamos este intento, por causa de problemas variegados. Na cerimônia litúrgica de meu aniversário, na noite de ontem, uma intuição epifânica insistia para que eu exibisse "Narciso Negro" (1947) entre meus amigos mais queridos e o visse entre eles. Deus esteve presente nesta sessão!

No filme, freiras conduzidas para um convento improvisado no Himalaia, ao qual chamam precisamente de Santa Fé, mesmo nome do condomínio residencial onde Jadson vive, são atravessadas pela paixão, pelos desejos, pelas diferenças de apreensão entre aquilo que elas sabem, sentem e escondem e aquilo que os nativos, sabem, sentem e revelam. Não conseguirei estender-me bastante em meu elogio supra-sinóptico deste filme, mas ele ficará perpetuamente associado às pessoas que mais amo no mundo e ao meu próprio amadurecimento: felicidade (ou precipício) é isto!

Wesley PC>

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

EU JAMAIS ME SENTIRIA COMPLETAMENTE VESTIDO SEM UM SORRISO...


Complementando a postagem aniversariante de nudez que publiquei antes do texto que agora redijo, anuncio que não apenas vi “Annie” (1982, de John Huston) no dia de meu aniversário como, para além de toda a pieguice do filme, eu ouso alegar que gostei dele, que o achei fofíssimo!

Considerado um dos filmes menores do “cineasta do fracasso”, este musical é massacrado pela crítica por causa de sua direção preguiçosa e da interpretação desconfortável do calvo Albert Finney.  Apesar de estes problemas serem evidentes, a beleza de Ann Reinking, o maravilhoso cachorro Sandy, a graça das coadjuvantes infantis e a simpatia iridescente da protagonista Aileen Quinn me conquistaram, bem como a candura das canções (“Tomorrow” e “You’re Never Fully Dressed Without a Smile” à frente). Entretanto, o que mais me incomodou no filme foi a leve indefinição de público que se instala durante alguns números musicais, visto que empregadas domésticas arreganhando as pernas sobre a mesa de jantar, ao som de uma canção jazzística, não me pareceu muito adequado para as crianças oitentistas. Os vilões interpretados por Tim Curry e Bernadette Peters são demasiado caricatos, mas a bêbada ninfomaníaca (Carol Burnett, ótima) que comanda o orfanato feminino e o mordomo indiano e hipnotizador (Geoffrey Holder) do milionário que adota a garotinha protagonista são personagens interessantes e levemente ambíguos: fiquei contente ao perceber que eles se apaixonaram ao final... Eles se merecem! (risos)

Caso o tom desta resenha impessoal esteja demasiado tolerante, além de entregue ao caráter efusivo da narrativa – perniciosa em seu elogio discursivo ao capitalismo estadunidense de reconstituição pós-quebra da Bolsa de Valores de 1929, contando inclusive com uma aparição oportunista do presidente Franklin Delano Roosevelt (vivido por Edward Herrmann) e com um atentado terrorista bolchevique – adianto que duas cenas me perturbaram no filme: o instante em que o multimilionário, a sua bela secretária e a garotinha assistem ao clássico “A Dama das Camélias” (1936, de George Cukor - elogiado passionalmente aqui) num cinema; e a cena posterior em que os falsos pais da órfã Annie entregam ao milionário uma certidão de nascimento que declara que a menininha tinha nascido em 1922. Se Annie assume que tem dez anos de idade numa dada seqüência – apesar de parecer ter bem menos! – estas duas cenas, em cotejo, deixam ainda mais evidente a preguiça composicional do filme, baseada numa famosa peça de sucesso na Broadway, então dirigida pelo ardiloso Mike Nichols, mencionado nos créditos finais. Seja como for, o filme me encantou: o aceitei prontamente como meu primeiro presente fílmico de aniversário. Obrigado por isso, John Huston: até mesmo os fracassados têm os seus momentos de glória!

Wesley PC> 

32 (TRINTA E DOIS)


Oficialmente, não uso mais óculos, meu corpo deve ter se modificado bastante no intervalo contido entre a tarde de 22 de julho de 2012 e a madrugada de hoje e continuo a apreciar bastante o quinquagésimo terceiro versículo do vigésimo quarto (e último) capítulo do Evangelho de Lucas, na Bíblia Sagrada, que diz:

"E estavam sempre no templo, louvando e bendizendo a Deus. Amém". 

Simples assim! Aliás, talvez eu não tenha tempo para postar minhas impressões sobre a arte, sobre o mundo e sobre a vida real nesta semana de meu aniversário, por conta de algumas pendências do Mestrado, mas eu estou aqui, amo vocês e sigo enviando indiretas repletas de amor tanto quanto eu respiro: obrigado por existirem... Obrigado por me permitirem existir!

E parabéns para mim mesmo, que hoje eu mereço!

Wesley PC>