sábado, 12 de novembro de 2011

EU, UM APRENDIZ DE RATO;

Na manhã de ontem, recebi uma mensagem de celular de uma amiga que trabalha comigo: “Wesley, sou uma rata! Eu a amo. Minha mente e meu coração não a querem, mas meu corpo sim!”. Era uma mensagem visivelmente ébria: corpo, mente e coração da minha amiga de trabalho amavam igualmente a pessoa que estava ao lado dela naquele instante. E, se ser rato é estar apaixonado (e não ter forças para admitir até onde vai este sentimento), então eu sou mais do que rato também!

Na manhã deste sábado, li uma crônica não-ficcional de um rapaz por quem sou apaixonado, e este tachada de “rata” uma mulher doente que lhe suplicava para comprar alguns remédios. Ser rata aqui é ser ladra, mentirosa, traiçoeira, merecedora de sarcasmo e sorrisos ofensivos. De minha parte, não sorri: me identifiquei no ato, me enterneci. Sou rato, sei como é ser assim, sei como dói!

E, por coincidência adicional, existem muito ratos em minha casa. Ratos em sentido literal, roedores que destroem móveis e papéis, animais desagradáveis e temidos, os quais minha mãe assassina com veneno e água quente. E eu, cúmplice, apenas testemunhando extermínios alegadamente preventivos. Mal sabia eu que tudo volta, “a natureza sempre encontra uma saída”. Aliás, sabia sim – e muito bem. Eu sou um rato: eu amo e sinto e roubo e sou exterminável!

Wesley PC>

“A VAGA TRISTEZA, QUE O MORRER DO DIA SEMPRE TRAZ, SE APODERAVA DAS COISAS”.

No último fim de semana, precisei viajar para uma cidade do interior do Estado em que vivo, a trabalho. Aproveitei a oportunidade para pôr em prática a leitura de um dos romances clássicos nordestinos pelo qual eu mais ansiava. Não o tendo encontrado na biblioteca, aceitei a sugestão de um rapaz que trabalha comigo e me deixei levar pela torrente de lágrimas que atende pelo nome de “os Corumbas” (1933), obra-prima do sergipano Amando Fontes, sobre o qual já foi escrito:

“Tudo é belo neste livro, os personagens, a alma que os aviventa, o céu, a terra, os campos, as árvores e o rio que sussurra levando para o mar as lágrimas dos homens e das coisas. Sergipe é uma terra esquecida, pequenina. Amando Fontes fá-la viver e amar na sua tragédia íntima e a sua terra deve-lhe esta maravilhosa evocação, uma das mais impressionantes que conhecemos.” (João Ribeiro, Suplemento Literário do Jornal do Brasil, 03/08/1933)

Assim, para falar a verdade, o autor da crítica citada acima cometeu um equivoco em sua resenha do livro. Destacou como sendo três as filhas desgraçadas pela miséria do casal Geraldo e Sá Josefa Corumba. Eram, na verdade, quatro: Rosenda, a mais velha de todas, que, apaixonada por um malandro, sucumbe à prostituição; Albertina, a que vem em seguida, era trabalhadeira, mas, enganada por um médico mulherengo que a corteja e, em seguida, a abandona, também sucumbe à prostituição; Bela, frágil, mas também trabalhadeira, quando a sua saúde frágil permitia, logo morre; e havia, por fim, Caçulinha, apelido carinhoso para Joana, a mais bela das filhas, encantadora e graciosa, que, afinal, por ter sido deflorada por um homem que, de fato, parecia apaixonada por si, finda solitária, numa casa de meretrício luxuoso. Dentre os varões, apenas um sobrevive: Pedro, loiro, impávido, dentro em pouco apaixonado pelos ideais comunistas. Aos pais, restava lamentar os infortúnios que os afligiram depois que migraram para a capital sergipana, Aracaju, e, após ficarem novamente sozinhos, voltaram para a cidade do interior em que se conheceram e na qual, um dia, o patriarca pôs sua mão sobre a da futura mãe desgraçada de família e “a amou por toda a vida”. E, desde logo, eu me vi apaixonado por este livro...

À medida que a minha leitura evoluía, o livro me atraía mais e mais pela leveza com que o realismo da trama se deslindava. Trazendo em seu bojo todas as virtudes de uma literatura regional que se fazia tradicional no Brasil da época em que foi escrito, “Os Corumbas” conquistava-me não apenas por sua escrita fluída, por seus personagens interessantemente compostos, mas também pelos temas enredísticos que me são tão caros: a miséria decorrente da exploração do homem pelo homem, manifesta no livro principalmente pelas duas imperiosas fábricas têxteis concorrentes onde os filhos do casal protagonista trabalhavam; os infortúnios decorrentes da má administração dos desejos eróticos e exacerbados lampejos passionais; as incompreensões da luta política; os desentendimentos decorrentes das diferenças de geração entre pais e filhos... Tudo neste livro era simples e encantador. É um romance daqueles que fica cravado para sempre em nossos afetos.

Dentre todos os personagens, porém, o que mais me encantou não possui o sobrenome Corumba. Tratava-se do advogado aposentado Dr. Barros, que, depois de ter acumulado fortuna, resolve se estabelecer na capital do menor Estado do país e dedicar-se à atividade filantrópica corriqueira. Vi neste personagem um ideal de vida futura, a vontade de fazer algo pelos semelhantes num patamar que justificasse bem a emocionada descrição de princípios do personagem: “gênio um tanto esquisito, amigo da solidão e dos livros, fugira sempre ao casamento. (...) Não era uma grande inteligência. Mas estudara muito. Conseguira, mesmo, formar uma cultura sólida e variada. Tinha a prosa fluente e colorida”. Sei que já havia destacado este trecho do romance, mas repito-o orgulhosamente, de tão encantatório e sincero que ele me pareceu. Queria ser como o Dr. Barros algum dia...

Mas, por ora, creio que eu esteja mesmo ao lado dos Corumbas em nossa similaridade de destinos proletários. Trabalhar da hora que acorda à hora que dorme, lidar problematicamente com a vontade de se entregar em paixão a outrem, brigar com quem se ama pelos motivos mais tolos e incompreendidos, nos perceber esmagados pelo capitalismo implacável e circundante, estes são os imperativos verbais que cimentam a comunhão entre minha própria saga e a biografia dos Corumbas. Maravilha de romance. Obrigado, Brunno, por teres me apresentado a ele!

Wesley PC>

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

“PARA ONDE IR? A REDE É VASTA”.

Assim mesmo, com ponto. Eis como termina “O Fantasma do Futuro” (1995, de Mamoru Oshii), visto hoje numa aula sobre cibercultura, a partir do pensamento de Pierre Lévy. Ansiava por ver este longa-metragem animado há vários anos, mas nunca havia tido acesso ao mesmo. Graças a um colega de classe que mora no mesmo bairro que eu, pude gemer diante deste ótimo filme profético, que chega ao cúmulo positivo de citar um de meus versículos bíblicos favoritos, mencionar questionamentos filosóficos que parecem retirados de filme de Wim Wenders, citar visualmente um enquadramento bergmaniano e discutir entusiastamente a possibilidade de reintroduzir os conhecimentos integrados em rede (leia-se: inteligência coletiva) através de um viés pioneiro e atrelado à noção de hipercomplexidade moriniana.

Numa dada cena, prestes a uma imbricação indissociável de personalidades e corpos com um ciborgue, uma jovem conhecida como Major se pergunta: “que garantia eu terei de que ainda continuarei sendo ‘eu’ [após a transmutação]?”. A resposta quase me fez pular da cadeira, de satisfação: “nenhuma. Mas ser humano é estar em constante mutação”. Caramba, que bom que eu finalmente tive acesso a esta maravilha de filme! E, se tudo der certo, ainda hoje, eu terei uma cópia dele em minha casa. Preciso revê-lo: além do entrecho combativo ser complicado por excelência, cochilei nalgumas seqüências fundamentais. Quero este filme novamente em minha vida! Por mais medo que eu tenha de algumas das possibilidades futurísticas que ele prega. Ou tinha...

Wesley PC>

MINHA CENA FAVORITA DE “O PALHAÇO” (2011, DE SELTON MELLO), COM DEFEITOS INCLUÍDOS:

O personagem de Selton Mello está sentado em frente a um cabaré de beira-de-estrada, sozinho. É noite. A sua trupe está se engraçando com mulheres e raparigas do salão. Amor, sexo e carência se complementam às vezes. Mas ele está sozinho. E quer ter um ventilador. Uma mulher (Fabiana Karla, particularmente iluminada) senta ao lado dele. Ela calada, ele calado. Alguém puxa assunto: “por acaso, tu tens um sutiã do teu tamanho sobrando?”. Ela: você é engraçado!”. Precisava nem muita coisa: isso mexeu comigo!

Terminado o filme, me acocorei no chão, para enviar algumas mensagens a alguns amigos queridos, que gostariam de saber quão emocionado eu fiquei durante esta sessão. Não chovia. Eu sorria por dentro. “Tu és que nem eu: ficas animado e melancólico ao mesmo tempo”, disse-me uma amiga de trabalho, em retorno. Na manhã de hoje, ela insinua que eu estaria atrás de alguém, indo direto ao setor em que ela trabalha. “Lavei o meu cabelo hoje, está cheiroso”, complementa ela. Eu sorri, envergonhado. “Quem é que vai me fazer sorrir?, perguntaria o personagem de Selton Mello.

Wesley PC>

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

“FOME E DISCIPLINA É O QUE NOS TORNA MAIS FORTES”...

Pouco tempo depois de ver o afetuoso “Senhoritas em Uniforme” (1931, de Leontine Sagan & Carl Froelich), estive diante da bermuda verde de um rapaz. O velcro estava fechado e ainda havia resquícios de sêmen em sua uretra, decorrentes de uma masturbação recente e silenciosa no chuveiro, a qual foi observada por mim em seus minutos finais. No final do filme, uma personagem pensa em suicidar. Apaixonada por sua professora, ela enxergava na extinção de sua vida a extirpação de sua angústia. Por sorte, suas amigas a resgataram do precipício de concreto. Por mais inconcluso que seja a aplicação de seus desejos, ela tinha direito à vida. Mais do que direito, ela tinha o dever à vida. No contexto germânico pré-nacional-socialista, uma moral da estória como esta deve ter perturbados deveras os germes doutrinários do autoritário Joseph Goebbels...

Apesar da pujança dramática e pulsional de sua trama, “Senhoritas em Uniforme” é um filme de uma leveza impressionante. Envelheceu muito bem, aliás. A fotografia conservadamente expressionista, as interpretações, o lesbianismo tenro e irrestrito: definitivamente, este é um filme que ainda chama muita atenção. Afinal de contas, em plena década de 1930, as garotinhas beijavam outras garotinhas sem qualquer pudor interno. Se elas amavam, elas demonstravam, diante de quem fossem... Hoje em dia, as coisas são diferentes. E, diante do filme, eu repetia por dentro: “eu sou sapatão, eu sou sapatão”...

Terminada a sessão, enviei uma mensagem de celular a quatro amigos, comentando o meu impacto diante do filme. Apenas uma delas, uma rapariga lésbica que trabalha comigo, respondeu-me de pronto. Queria lhe passar este filme, como presente, mas a cópia de que disponho está legendada apenas em inglês. Se eu tivesse chegado à casa dele alguns segundos antes, talvez impedisse que o esperma escorresse solitariamente de sua genitália. Ia adiantar de algo? Estariam aquelas gotas de leite másculo destinadas à saciação de meu mal-estar interno? Quis crer que sim e, antes das 23h, eu me vi lambendo um de seus mamilos. Foi o suficiente. Tive que voltar para casa. No rádio, uma música triste. No quintal, uma ave barulhenta. Na cozinha, minha mãe me oferecendo panetone com café quente. E eu querendo escrever algo relevante sobre o filme, mas me confundido, deixando-me dominar por minhas carências: idiota que sou, idiota!

Wesley PC>

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

POIS, AFINAL, MAIS UMA VEZ, O FRACASSO SE INSTAURA (NA FALTA DE COISA MELHOR PARA DIZER...):


“Dime porque tienes carita de pena
Que tiene mi niña siendo santa y buena
Cuéntale a tu padre lo que a ti te pasa
Dime lo que tienes reina de mi casa”


Não era isso o que eu pretendia quando disse que voltaria, mas acho que este trecho inicial da primeira canção do maravilhoso disco “Mi Niña Lola” (2006), da espanhola Concha Buika, resume bem como me sinto. Acho que é isso: ser santo e bom é apenas metade do processo... Ser humano e tendente ao mal (mas ciente de que é necessário rachaçá-lo) talvez seja ainda mais efetivo. Eu preciso me ajoelhar aos pés de alguém. E, ao invés disso, gasto horas e mais horas baixando filmes que não terei tempo para ver antes do fim deste ano. Tive que fazer promessas de contenção. Tive que redirecionar meus focos. Tive que interromper... Mas eu volto, ainda volto.

Wesley PC>

POIS, AFINAL, MAIS UMA VEZ O FRACASSO SE INSTAURA (PÓS-PREÂMBULO):


E, numa cena muito esquisita do ótimo e perturbador filme "O Homem de Palha" (1973, de Robin Hardy), uma mulher nua dança e esmurra a parede, enquanto um policial cristão e virginal tenta dormir, temeroso que, no outro dia, descubra que a comunidade pagã em que está instalado demonstrar-se-á, de fato, criminosa. Era mais um sinal: em algumas horas, eu volto. Insisto.

Wesley PC>

POIS, AFINAL, MAIS UMA VEZ, O FRACASSO SE INSTAURA (PREÂMBULO):

Não cheguei a ver o final de “O Erótico Virgem” (1978), péssimo filme do brasileiro Mozael Silveira, exibido na noite de ontem num canal fechado. Assisti a este filme por causa do título, com o qual fui imediatamente flagrado por uma larga potência de identificação. Não conhecia o diretor, o qual logo soube ser prolífico, mas constatei, através de poucas seqüências, o quando me desagrada este viés cômico da dita pornochanchada setentista. Decepcionei-me sobremaneira com este filme: como se pode desperdiçar um título tão interessante como este e, de quebra, o talento típico da diva humorística Zezé Macedo? Abominável este filme, absolutamente execrável e sem graça!

Na trama de “O Erótico Virgem”, o filho mimado de uma mulher rica casada com um aproveitador pretensamente adúltero permanece virgem, por mais atenção que chame de uma ou outra empregada. Quando a mãe dele decide viajar para a Europa, ele é hospedado na casa de uma amiga dela, cuja filha resolve festejar com algumas amigas boazudas que logo chamarão a atenção do donzelo. Não lembro muito bem o que acontece a partir daí, mas não houve nada que merecesse a minha atenção redobrada. Pena. Mas, ainda assim, ainda tenho algo a dizer sobre o paradoxo comum contigo no título deste filme. Volto em algumas horas...

Wesley PC>

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

NÃO SERÁ HOJE QUE EU ESGOTAREI MINHAS OBSERVAÇÕES PESSOAIS E PONTUAIS SOBRE ESTE FILME...


Já redigi a minha crítica, mas, mesmo assim, o impacto não atenua. Talvez porque, no meu afã por dizer algo sobre o filme, escrevi de destacar a importância da personagem de Blanca Suárez, que canta em português e, numa cena-chave, desmaia durante o que poderia ser um ato sexual, enquanto diversas pessoas endinheiradas fazem sexo grupal num jardim... Pelo que deu para vislumbrar, a personagem dela era virgem e sociofóbica e, se tivesse levado a cabo o ato sexual, talvez se decepcionasse com o responsável por seu defloramento erótico. Estaria viva? Como prever os rumos tramáticos numa película de Pedro Almodóvar? Como? Tudo bem que eu intuía que “A Pele que Habito” (2011) seria um ótimo filme, mas ele me impressionou acima de seus próprios parâmetros contemporâneos: é um filme-tese, um filme que explica o porquê da mudança na exposição do sexo desenfreado nos filmes recentes do diretor. Vivemos tempos hipócritas e de controle rígido sobre os orifícios mais íntimos do ser humano. O diretor de “Kika” (1993) não ficaria sem se posicionar por tanto tempo: dito e feito. Estou impressionado ainda! E, por mais que eu fale, escreva, pensa, ainda haverá algo não esgotado em “A Pele que Habito”...

Wesley PC>

domingo, 6 de novembro de 2011

POÇO REDONDO: E UM POUCO MAIS DO QUE EU VI E SENTI POR LÁ, DOIS ANOS DEPOIS!

Em 2009, eu relatei aqui algumas observações sobre o que despontava enquanto situação pública do ensino em Sergipe. Dois anos e alguns dias depois, tive a oportunidade de voltar ao mesmo lugar, num contexto deveras similar, com intenções observacionais ainda mais explícitas e sabendo que seria ainda mais afetado pelo contexto observado, visto que estava sozinho desta segunda vez. Entretanto, eu preferi abdicar de quaisquer pré- ou pós-conceitos sobre o lugar e suas pessoas. Fiz bem?

Fosse como fosse, eu estava muito mais disposto a ouvir as pessoas desta vez. E, tendo eu chegado cedo ao local, fui cercado por meninas de um povoado próximo, que estavam difamando a escola em que estávamos por causa da imundície, das más condições de conservação, dos banheiros precários, do desperdício de água nos bebedouros quebrados, etc.. Como eu era um forasteiro ali, limitei-me a assentir com a cabeça diante do que era óbvio e muito perceptível. E, por volta das 16h30’, eu voltava para casa mais uma vez, depois de ter testemunhado, novamente, um grupo de meninos esperançosos sentirem-se impotentes diante de uma prova cuja dificuldade não era esperada...

No trajeto de ida, havia uma menininha vomitando em sacolas plásticas no ônibus. No caminho de volta, havia um casal abraçado na escuridão do veículo, conversando sobre o dia em que a mulher flagrou o padrasto com uma tia na cama da mãe. Onde quer que as pessoas estejam, elas têm estórias para contar, estórias simples, estórias reais, exemplos de vida. E, após mais de 14 horas de dedicação a esta atividade estudantil observacional (saí de casa às 6h da manhã e só voltei após as 20h!), eu pensava que estivesse cansado e que tivesse muito a narrar aqui sobre o que aprendi, mas mudei de idéia, me vi assaltado por uma impotência recém-instaurada, uma impotência que, afinal, quase que parece moralmente positiva, tendo eu encontrado eco numa maravilhosa passagem do romance sergipano “Os Corumbas” (1933), de Amando Fontes, o qual tencionava ler durante a viagem. O fiz durante o regresso:

O Dr. Barros era um velho advogado, que saíra de Sergipe muito jovem e fizera fortuna rapidamente. Gênio um tanto esquisito, amigo da solidão e dos seus livros, fugira sempre ao casamento. E tinha ainda cinqüenta anos quando, com surpresa de toda sua roda, abandonou a profissão e vendeu o magnífico palacete da Avenida Paulista, e voltou para o Norte, com a intenção deliberada, que ele manifestava rindo para os íntimos, ‘de ir morar numa casa de taipa em S. Antônio’. Não era uma grande inteligência, mas estudara muito. Conseguira, mesmo, formar uma cultura sólida e variada. Tinha a prosa fluente e colorida. Não tardou para que sua morada, bem próxima à Capela, no alto da colina, passasse a viver cheia, desde a manhã até a noite. Gente de todos os credos, de todas as condições sociais, o procurava. Ele, que era, no fundo, uma alma simples, não pôs dúvida em receber a uns e a outros, renunciando à calma e ao silêncio que pretendera desfrutar em sua terra”. (p.31)

E, diante desta brilhante composição/apresentação de personagem, eu me senti contemplado, desprovido dos preconceitos que levei comigo na ida, quando anunciava o local em que estaria como um dos menos desprovidos de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) aqui em Sergipe. Quem era eu para repetir indebitamente esta estatística espúria? Havia lá muito desenvolvimento humano, sim, senhor! Pois, como bem disse um amigo de trabalho (sensual porque taurino – risos –e, não por acaso, o responsável pela indicação do livro que ora leio e cito): o essencial [da vida] é barato, pena que buscamos muitas vezes o supérfluo, e este custa muito caro. Ele é dos meus: ele sabe das coisas. Ele sente!

Wesley PC>