sábado, 12 de fevereiro de 2011

QUE FRASE DE “O LEÃO NO INVERNO” TEM MAIS A VER COMIGO HOJE?

“O Leão no Inverno” (1968) é um filme britânico dirigido pelo discreto Anthony Harvey, famoso entre os cinéfilos por ter sido o filme que proporcionou o terceiro dos quatro prêmios Oscar de Melhor Atriz que foram concedidos à enérgica Katharine Hepburn. Apesar de famoso, porém, é um filme que sempre me pareceu demasiado árduo: sua trama é passada no século XII e aborda as crises familiares de uma família régia, cujo rei dorme com uma rapariga francesa muitíssimo jovem, enquanto a rainha é feita prisioneira num castelo há 10 anos e seus três filhos ainda vivos digladiam-se no afã por serem nomeados para a sucessão real. Em outras palavras: as intrigas palacianas aqui retratadas aparentemente seriam dramaturgicamente árduas e de difícil identificação com as vidas problemáticas de espectadores contemporâneos. Ledo engano! Além de ser uma obra-prima minuciosa, três frases do filme ficaram ecoando em minha mente, antes, durante e após a sessão, justamente por terem tanto a ver com o modo como me sinto hoje:

* “Afeto é o tipo de pressão que eu ainda consigo suportar”: assim diz a rainha Eleanor de Aquitânia quando desce da embarcação em que era conduzida e suplica um abraço de seus filhos ou da amante de seu marido, por quem sente muito apreço, visto que a criara desde pequena. Os requisitados neste abraço, entretanto, a evitam, demonstram um desdém pungente por ela, recusam o seu direito básico de mãe carinhosa e logo a obrigam a se meter num emaranhado de intrigas cruzadas a fim de que ela e o rei Henrique II disputem seus interesses filiais no que tange á sucessão do trono inglês;

* “Para que indagar se o ar é puro, se isto é tudo o que temos para respirar?”: por várias vezes, o rei Henrique II titubeia durante a violentamente verborrágica disputa de seus filhos e tenciona resignar-se nos braços de sua amante, mas os clamores extra-familiares das escolhas políticas que é ele é obrigado a fazer impedem-no de resfolegar clementemente no seio de sua amada. E, quanto mais o extraordinário roteiro de James Goldman evolui, menos parece que seu périplo de amarguras terá fim;

* “Qual família não tem seus altos e baixos?”: e quando eu pensava como defender este filme magnífico dos temores pessoais mencionados no primeiro parágrafo, eis que a rainha deita-se no chão, emocionalmente extenuada após mais uma violenta discussão com seu marido, e olha para cima, fazendo-se/nos esta pergunta: qual? Acrescentando-se que ela não mais se sente apta a ser cristã e que todo o contexto de reunião do filme está atrelado a uma necessidade de comemorar o Natal em família, acrescento minha voz lânguida à dela: qual?

Seguindo em frente no filme, ainda nos deparamos com um pungente dilema envolvendo a homossexualidade de um dos personagens, que molesta desde a infância outro ambicioso de sangue nobre (vivido pelo belo e jovem Timothy Dalton, à direita na foto), que indaga ao rei Henrique II o quão condenável é “ser um sodomita, ser um destes homens que gostam de outros homens”. A reação do rei é a mais dilacerada possível nesta seqüência – não somente por causa disso – e a inclusão deste tema não mencionado nas sinopses do filme só coroou definitivamente a genialidade dialogística do mesmo, que também se vale de uma brilhante trilha sonora de John Barry, que tornam ainda mais solenes e carregadas de impacto as imponentes e extraordinários interpretações de todo o elenco, destacando-se, além de Peter O’Toole e Katherine Hepburn nos papéis principais, a estréia substancial no cinema de Anthony Hopkins, como o mais aparentemente iracundo dos três irmãos (à esquerda, na fotografia). Obra-prima, que tem tudo, tudo, tudo a ver com os dias de hoje – e olha que eu não destaquei nem um vigésimo do que poderia tomar como metáfora confessional a partir deste filme!

Wesley PC>

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

“SENTA QUE LÁ VEM A HISTÓRIA” (COM FINAL EM ÁRABE)...

Existem dias que se tornam históricos sem que percebamos de imediato. No dia de hoje, 11 de fevereiro de 2011, a renúncia do presidente egípcio Hosni Mubarak, depois de 30 anos no poder, foi o assunto mais comentado pelos novos funcionários do lugar em que trabalho. Minha surpresa, no que tange ao assunto, é que tal renúncia era comentada pelos tais funcionários como se fosse uma causa honorífica pessoal, que logo foi compreendida por mim: uma das funcionárias recém-chegadas ao DAA é muçulmana! Tanto é que, ao ler a notícia confirmando a renúncia do presidente, ela bateu palmas e exultou, dizendo que, agora, o país em que viveu o profeta Moisés tornar-se-á uma irmandade islâmica. Em seguida, ela gritou palavras de ordem em árabe, posteriormente nos explicando que aquilo queria dizer algo parecido com “graças a Deus”. A mim, restou ficar observando ela comemorar...

!الحمد لله

O detalhe pitoresco nesta historieta real é que, até ontem, nunca havia prestado muita atenção nos conflitos revoltosos que vêm se desenrolando no Egito, país este ainda muito subestimado por mim no que diz respeito à sua representatividade cultural contemporânea. Afinal de contas, sequer um longa-metragem do conhecido Youssef Chahine eu cheguei a assistir!

Ao chegar em casa, ainda neste mesmo dia, em que uma outra colega de aniversário comemorou o seu aniversário, ingeri cuscuz com leite enquanto revia um episódio antigo da série de TV “Rá-Tim-Bum” (produzido originalmente entre 1989 e 1992, com direção geral de Fernando Meirelles), um de meus programas favoritos durante a adolescência. No episódio em pauta, os quadros típicos e recorrentes do seriado se sucediam: o apresentador de telejornal que pedia para os telespectadores imitarem um galo cantando, a família nuclear que se diverte entusiasticamente em frente ao aparelho de TV, a menininha com voz engraçada que reproduz as travessuras e curiosidades de sua boneca, as crianças que repetem um trava-língua enquanto desciam de um escorregador... Tudo aquilo me pareceu tão nostálgico: este programa faz parte de minha (micro-)História!

!هذا البرنامج التلفزيوني هو جزء من قصتي

Wesley PC>

A ILUSÃO PROVISÓRIA DOS SACIAMENTOS MATERIAIS OU VENDO A MANGA E CHUPANDO UM FILME...

“Beavis e Butt-Head Detonam a América” (1996, de Mike Judge) é um filme que tinha curiosidade por ver desde que ele foi lançado. Não conheci a MTV na década de 1990 e a minha curiosidade adolescente prolongada me fez crer que eu encontraria variegados pontos de identificação com os personagens-título. Na primeira cena, roubam o aparelho de TV em frente da qual os desocupados fãs das bandas AC/DC e Metallica gastavam a maior parte do seu tempo, situação esta que pensei que fosse bastante divertida, mas, na prática, que decepção!

O longa-metragem foi exibido ontem à noite, em versão dublada e com intervalos comerciais, no cabal fechado Telecine Fun e, definitivamente, não me agradou: incomodei com os trejeitos forçados dos personagens, com o roteiro ruim, com os preconceitos disfarçados de crítica social e com a hiper-estima de que goza esta produção, visto que o tal filme foi elogiadíssimo em todos os catálogos que consultei. Entretanto, mesmo achando o filme ruim, gostei das cenas passadas no interior de um avião, quando um dos personagens fica obcecado com os seios de uma aeromoça gentil (risos). Que nem eu...

Antes de ver o filme, eu estava cochilando no sofá. Minha mãe perguntou se eu queria chupar mangas, pois a mangueira de nosso quintal está farta. Deliciei-me com três destas frutas, mas cochilei novamente nos 10 minutos finais de projeção do filme e não sei como ele termina. Pensei em procurar na Internet ou esperar que o filme seja reexibido em algum outro canal, mas ainda não me senti suficientemente motivado para tal. Motivo: não somente achei o filme ruim, como também acrescento que ele julga equivocadamente um modo de vida (o adolescente estereotipado) me fascina deveras. Afinal de contas, o modo como eu me comporto em relação a alguns segmentos da vida, no vigor de meus 30 anos de idade, é criticado por algumas das pessoas que me circundam justamente por causa da aparência de imaturidade. Pelo sim, pelo não, arcarei com as conseqüências racionais deste tipo de julgamento!

Wesley PC>

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

“A LUZ CRUA DO DIA, IMPLACÁVEL PARA TUDO O QUE FENECE, ERA CLEMENTE PARA COM OS SEUS ROSTOS JOVENS. EMERGIRAM DA NOITE CHEIOS DE FRESCOR” (pp: 48-49)

Na noite posterior ao dia de meu aniversário, ganhei de presente um livro. Tendo sua quarta edição lançada no Brasil em abril de 1977, pela editora Bloch, “A Bela da Tarde”, publicado em 1928 por Joseph Kessel, é um romance que eu não conhecia. Dizendo de outra forma: revi tantas vezes o filme de Luís Buñuel nele baseado que jamais suspeitei que fosse uma adaptação literária. Tudo no filme é tão buñueliano, tão ostensivamente surrealista... No livro, é tudo tão prenhe de encanto burguês. Em uma e outra obra, é tudo tão chique!

Se, no filme realizado em 1967, as perversões reivindicativas do diretor andaluz ganham vida na pele alva da encantatória Catherine Deneuve, no livro, não consigo me esquivar da face dela, que sequer havia nascido quando o livro fora escrito. No livro, não há o mesmo rigor onírico, não existem as perseguições masturbatórias enigmáticas, mas sim uma “fatalidade interior”, o selo irrevogável dum destino, antecipado por um maravilhoso prólogo, em que o autor, temeroso de explicar seu romance, confessa-se compadecido por sua personagem, Séverine, que, mesmo plenamente apaixonada por seu marido, cuja beleza jovem é sempre ressaltada, decide empregar-se como prostituta voluntária e vespertina numa casa de ‘rendez-vous’. E tudo me parece tão positivamente familiar...

O porquê da familiaridade? Bom, digamos que eu não precise mais repetir a ninguém que sou “daqueles que amam”... Porém, conforme penso ter deixado claro nas postagens anteriores sobre o filme “Maurice” (1987, de James Ivory), desintegro a contemplação do ser amado da necessidade imperativa de fazer sexo com esta pessoa. É como se as duas ações entrassem em conflito, como se, ao dotar um corpo amado de volúpia erótica, o mesmo fosse imbuído de uma leve impureza, que me transposta sem escalas para um estágio de culpabilidade pós-virginal. Não me imagino fazendo sexo por quem me confesso apaixonado, não obstante não excluir a possibilidade de me apaixonar por quem eu faço sexo. Eu sei que parece um falso dilema, mas ele me persegue desde tenras eras, quando eu podia me dar ao luxo de sussurrar na orelha de um rapazote que o amava da cintura para cima...

Ainda estou na metade do romance, mas já enxerguei a mim mesmo tantas e tantas vezes entre aquelas linhas... “‘E não existe arte mais contagiosa do que a carnal. Não concorda comigo?’ Como Séverine tardasse a responder, acrescentou: ‘Ah, é verdade... Tu não podes saber...’” (p.27). Mas posso fingir!

Wesley PC>

QUANDO A GENTE PENSA QUE JÁ VIU DE TUDO, HOLLYWOOD NOS OBRIGA A REVER A DETURPAÇÃO DO JÁ VISTO COMO SE FOSSE NOVIDADE!

Em “O Rei dos Zumbis” (1941), filme B do cineasta medíocre Jean Yarbrough, um negro tagarela e auto-ridicularizado destaca-se em meio a outros congêneres raciais mortificados e descerebrados por ser demasiado loquaz diante de um prato de comida. Com certeza, a cena visava fazer com que o espectador caísse na gargalhada, mas eu fiquei perplexo diante do papel de palhaço (no mau sentido do termo) a que o ator Mantan Moreland se submete neste filme ruim – não somente porque deprecia todo um séquito racial de seres humanos, mas porque possui um roteiro ridículo, em que as ambições controladoras mal-explicadas do personagem-título e a estereotipização dos rituais de vodu perpetrados pelos personagens enfadam ao demonstrarem-se como afiliadas ao que de mais cruel Hollywood pôde realizar em matéria de humor demeritório, num filme que, por ser catalogado como produção barata de horror, engabela muito bem os seus intuitos ideológicos. De fato, eis um filme que me deu medo, involuntariamente!

Sendo assim, senhoras e senhores, advirto-lhes que, em meio à pletora de novidades hollywoodianas (em que os atributos técnicos visam obliterar as lacunas enredísticas) e à saturação velada de regravações desnecessárias de roteiros já filmados, existem ainda muitas preciosidades analíticas aguardando para serem desvendadas por olhos ansiosos e temerosos do mal que um homem em posição de comando midiático pode causar a centenas de outros homens que consomem os produtos midiáticos produzidos pelo primeiro, sem conscientizarem-se adequadamente dos ingredientes malévolos por detrás da mistura. E eu peço desculpas se estou sendo demasiado óbvio nesta crítica, mas, antes de ver por acaso o filme ora comentado, li mais um excerto do famoso livro de Henry Jenkins [“Cultura da Convergência” (2006)] que me exaspera a passos largos. Enquanto elogiava a abundância de jogos eletrônicos que “continuavam” a saga de uma famosa trilogia fílmica dirigida pelos irmãos Andy & Larry Wachowski, o autor acrescenta: “essa abordagem funciona melhor com consumidores mais jovens (...) porque os jovens têm mais tempo livre. Essa abordagem exige muito esforço do ‘Zé Pipoca’, da mãe aflita, do trabalhador que acabou de se aconchegar no sofá, após um dia difícil no escritório. (...) Os conglomerados das mídias fornecem um incentivo econômico para uma mudança nessa direção, mas Hollywood não pode ir muito longe nessa direção se o público não estiver pronto para mudar seu modo de consumo”. Grrrrrrr! Quanto mais o tempo passa, mais subestimam – sob nosso consentimento – a nossa inteligência!

Wesley PC>

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

COMO SE EU FOSSE CRIANÇA DE NOVO...

Na orelha esquerda da edição de “Cine Privê”, livro de contos do escritor sergipano Antonio Carlos Viana lançado em 2009 pela Companhia das Letras, há um encômio que afirma que o tema da perda, especialmente sob o olhar infantil, é o assunto mais recorrente nas estórias ali reunidas. Mesmo sem ter lido este encômio até chegar perto do final do livro, já concordava com ele: em cada um dos 20 contos ali reunidos, há alguém sendo obrigado a desfazer-se de algo. Seja da própria vida, seja do cabrito de estimação, seja da prostituta que mais admira, seja de um ente querido, seja de um bem material que proporcionava conforto em dias de amargura, seja do hímen cuja visão era apresentada como pagamento para um demorado tratamento odontológico...

Apesar de eu achar que o tom em primeira pessoa de alguns dos contos é repetitivo em comparação com outros, narrados sob o ponto de vista de um personagem completamente diferente, no geral, o saldo literário deste compêndio emociona. Por mais que eventualmente discordemos de um ou outro julgamento narrativo intra-diegético (e, em minha opinião, um bom autor é aquele que consegue causar esta discordância e, ainda assim, chegarmos ao final do conto satisfeitos com a autenticidade do narrador-personagem), a elipse geralmente conclusiva com que o contista dispara as perdas e consolações enfrentadas pelos personagens encantam e emocionam, em especial quando vivenciados por uma criança. Que o diga a seguinte reflexão, que encerra um dos últimos contos: “quando voltei do banheiro, o enterro já havia partido e eu fiquei ali sozinho, no meio das flores murchas, aturdido não com a morte, mas com a vida escorrer de nosso corpo”. Tão lindo isso, queria que tanta gente que conheço lesse...

Engraçado é que, entre um conto e outro, já perto do final, dei uma pausa a mim mesmo e assisti ao gracioso curta-metragem de Abbas Kiarostami “Pão e Pista Estreita” (1970), em que um menino tem medo de atravessar uma rua por causa de um cachorro, sem imaginar que tudo o que este último deseja é um pouco de camaradagem. E o final cíclico e interruptivo tem muito a ver com o tom dominante nos ótimos contos de Antonio Carlos Viana...

Difícil escolher agora os meus preferidos, mas citarei a nostalgia romântica e desejosa de “Eliazar, Eliazar” (em que uma garotinha apaixona-se pelo primo tímido e de cabelos loiros e compridos que se suicida ainda adolescente), “Esperanza” (em que um menino ganha uma ereção e perde a bicicleta ao observar aquela que pensa ser a rumbeira ruiva que o fascina fazer sexo com um trabalhador braçal de circo) e “‘Moonlight Serenade’” (em que as canções saltitantes de Glenn Miller traumatizam mais uma jovem molestada na cadeira do dentista do que o primeiro contato com o gosto de sêmen imposto por outrem). Só estas três preciosidades já tornam o livro digna da antologia elogiosa que fez com que este livro finalmente chegasse às minhas mãos, depois de vários meses imaginando a que se referia o título, que também batiza um dos contos do livro, em que o faxineiro de um cinema pornográfico frustra-se com a incompreensão celibatária de sua esposa evangélica, para ficar num exemplo mais direto. Tive uma divergência de opinião em relação à condução narrativa deste conto, mas ele é também admirável, como todo o resto. Agradeço, portanto, ao meu amigo Tiago por ter me emprestado o tal livro e à minha amiga Ninalcira por me apresentar a causos reais que muito se assemelham ao universo deste livro: aos dois e ao inteligente autor do mesmo, muito obrigado!

Wesley PC>

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

AINDA SOBRE “MAURICE” (1987, DE JAMES IVORY) E O QUE ELE ME CAUSOU...

Quando eu vinha para o trabalho na tarde de hoje, vi um menino deitado no chão de uma quitanda, com suas pernas apoiadas para cima num poste. Antes de virar numa curva, percebi que suas coxas eram muito mais brancas que seus tornozelos e, como tal, isto me excitou. Quando eu vi que o rosto do quitandeiro também era bonito, fiquei contente com a visão deste corpo seminu como um todo. E, nesta experiência pessoal tão recente, o que mais me encantou não foi somente a composição bem torneada do trabalhador, mas sim o contexto em que tal visão me surgiu: quando eu ainda caminhava em passos lentos, por causa do langor beatífico decorrente do maravilhoso filme de James Ivory recém-visto, em que um alto executivo e um empregado de fazenda se apaixonam e, de uma forma estranha, correspondem-se. Em verdade, nunca que eu imaginasse que o enredo do filme fosse tão politicamente rico quanto ele se manifestou. Que surpresa boa! Cria eu que seria apenas um (maravilhoso) filme sobre janotas enamorados, endinheirados e enredados numa erudição inócua. Mas não é. O filme é surpreendente, até mesmo para quem já estava acostumado ao estilo deveras requintado dos filmes clássicos e classicistas do James Ivory, em sua parceria antes recorrente e proveitosa com o produtor Ismail Merchant e o escritor E. M. Foster. A luta de classes existe e se manifesta até mesmo nos pequenos meandros de nosso dia-a-dia. Por precaução, eu fiz de conta que estava amarrando o cadarço do sapato quando o quitandeiro me flagrou olhando para ele. O desejo, oh, o desejo...

Wesley PC>

“O SEU CORPO É O TEMPLO DE DEUS. NÃO PROFANE NUNCA ESTE TEMPLO!”

Na seqüência de abertura do filme “Maurice” (1987, de James Ivory), um aluno e um professor caminham pela praia. O aluno estava prestes a viajar para outro colégio, ao passo em que o professor estava sobremaneira preocupado em explicar as “grandes modificações” por que passaria o corpo dele em alguns anos. “Que grandes modificações em emu corpo serão estas, professor?”, perguntou o menino, que obteve como resposta alguns desenhos de vulva na areia, desenhos estes que logo escandalizarão algumas uma garotinha que passeava com sua mãe pela mesma praia.

Anos depois, reencontramos o garoto protagonista já crescido e na universidade, sendo testemunha da repreensão do Reitor do lugar a um aluno quando este cita “uma típica inefabilidade dos gregos” numa leitura, inefabilidade esta que diz prontamente respeito à pederastia de alguns personagens, citada num livro. Anos depois, o próprio protagonista baixaria as suas calças numa consulta médica, enquanto repetia, aos prantos: “sou um inefável, tanto quanto Oscar Wilde”. E, aos poucos, esta quase obra-prima aristocrática me fisgava por seu registro precioso das relações e preconceitos humanos, na fria e severa Inglaterra da década de 1910.

Oficialmente, o filme centra se interesse inicial no relacionamento interdito entre o protagonista (vivido pelo loiro James Wilby) e um colega interpretado por Hugh Grant, que casa-se com uma mulher mais tarde e proclama que “o único relacionamento aceitável entre dois homens é aquele permeado pelo mais puro platonismo”. Não me contive ao término da sessão e direcionei imediatamente esta mensagem a um rapazola, que comentou que estava agora a se estabilizar no plano afetivo, enquanto que, no filme, o protagonista é levado a transmutar seus desmazelos românticos no enfrentamento da luta de classes. “O amor que não ousa dizer seu nome” é obrigado, por excelência, a ser demasiado ousado noutras áreas sociais. E, por algumas horas, eu fiquei tentado a crer que a perversão nata vinculada a este tipo de relacionamento fosse um detalhe secundário. Até que o insuspeito sexo penetra no filme, literalmente.

E, por mais indubitavelmente sexual que a comunhão erótica entre dois homens seja, no filme do pomposo (e outrora genial) James Ivory tudo foi tratado com tamanha graça, tamanha elegância, que até me foi permitido sonhar, até me foi permitido crer que o sexo não é o tabu violento que se mostra diante de mim, que ainda me encontro violentamente atrelado a uma noção de (não-)virgindade que fica mais difícil de ser definida, sentida ou explicada a cada dia...

O que me leva a pensar num episódio que me ocorreu ontem, enquanto caminhava para casa: um grupo de mulheres barrigudas zombava de uma dupla de homossexuais demasiadamente afetados que caminhavam à minha frente. Tachavam-nos de feios, enquanto eu testemunhava envergonhado tudo aquilo. De repente, um belíssimo rapaz sorridente olha para mim, enquanto caminhava em direção aos homossexuais, que sequer olharam para ele (sim, eu olhei insistentemente para trás para ver o que aconteceria, não resisti!). E eu fiquei pensando naquele sorriso estranho o restante da noite. Mas logo voltei para a realidade: adormeci sem escovar os dentes, sem tirar o lençol sujo de pêlos caninos do colchão, sem me cobrir adequadamente... Queria que (me) fosse possível!

Wesley PC>

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A ATENÇÃO TARDIA (AINDA QUE TARDIA)...

Depois de alimentar meus anseios televisivos com a audiência repetida a vários anúncios publicitários muitíssimo divertidos da série animada de TV “Ugly Americans”, exibida no Brasil pelo canal VH1, somente ontem pude ver um episódio completo. A boa notícia espectatorial é que a espera valeu a pena: gostei muito do seriado. A má é que o episódio que vi (“Manbirds”) calha de ser justamente o último da primeira temporada, o 14º para ser mais preciso. Terei que esperar reprises ou uma nova temporada agora.

Pelo sim, pelo não, a sinopse do episódio em questão me emocionou: o roteiro abordava a origem dos pássaros-homens do título, uma mutação de animais alados com formados antropóides que falam “chupe minhas bolas” de 5 em 5 segundos. Como eles fazem cocô com muita freqüência na cabeça dos humanos, estes animais são perseguidos por caçadores de recompensas, sendo que um deles, dotado de uma enorme marreta azul no lugar do pênis, assassina uma fêmea trombadinha, que tentava roubar a bolsa de um urso de pelúcia caminhante. Quando a tal fêmea morre, seu filho recém-nascido é adotado pelo noivo humano de uma demônia avermelhada e internada num SPA, que o ensina a cantar músicas clássicas de ‘rock’n’roll’, ao invés dos palavrões imperativos característicos de sua espécie, o que faz com que o animalzinho órfão de mãe seja rejeitado quando finalmente se depara com o pai, numa luta de boxe em que vários pássaros-homens se enfrentam ao esmurrarem-se mutuamente com a proteção natural de suas genitálias. Tem como não se emocionar com uma estória destas?

Digo mais: apesar de o episódio ter apenas meia-hora de duração, acontece muito mais do que eu relatei. De coração, recomendo a qualquer ser desiludido com a programação televisiva cotidiana a audiência a esta série animada repleta de nonsense. Muito, muito boa mesmo!

Wesley PC>

O QUE ESTE PROGRAMA TEM QUE EU NÃO TENHO?!

Às 23h15’ de domingo, eu estava na casa de uma vizinha, contemplando os pés grandes de um rapaz, quando a atenção de todos os presentes na sala voltou-se para a votação de um programa de TV, que decidiria quem seria eliminado do mesmo. Uma garota de 19 anos reclamou que os dois competidores elencados para serem expostos ao escrutínio dos espectadores eram os mais bonitos do programa e, estranhamente, eu me vi preso num estratagema vitorioso da mais reles e repugnante TV comercial: o que este programa tem que eu não tenho?!

Por mais vergonhoso que pareça, sou obrigado a admitir que, mesmo detestando a idéia-base do programa, que finge tolerar o ‘voyeurismo’, quando, em verdade, o desprestigia sob o mais repugnante dos pastichos vendáveis, sou vitimado pela forçação de barra no que tange à sensualidade dos participantes. Por serem pessoas “comuns” desnudadas em situações banais, algo na camada mais chula de meu subconsciente me faz querer buscar imagens (semi)nuas de alguns destes participantes, o que, por extensão, me faz retroalimentador da ojeriza vinculada ao referido programa. Conclusão inicial: sou fraco, preciso prestar mais atenção em minhas debilidades externas!

Que fique bem, claro, porém, que, no conforto de minha residência, eu NÃO assisto ao sub-referido programa, nem tampouco me interesso por seus conflitos banais, mas já busquei informações fotográficas das regiões impudendas de alguns dos participantes em mais de uma situação. Ou seja, no plano geral, o argumento diferencial nesta pretensa justificativa é demasiado chinfrim. E, talvez na terça-feira, noite de eliminação, eu esteja novamente na casa desta vizinha, aguardando para contemplar novamente os pés grandes do rapaz. Minha culpa, minha máxima culpa!

Wesley PC>

domingo, 6 de fevereiro de 2011

“QUANDO FAZEMOS O BEM, TENDEMOS A SER ODIADO PELOS OUTROS: É UMA LEI NATURAL” ou ODE PARCIAL À COMUNIDADE GOMORRA QUE NÃO DEIXOU DE EXISTIR!

No filme italiano “Os Cem Passos” (2000, de Marco Tullio Giordana), de onde extraí a primeira metade do título desta postagem, há um questionamento típico acerca dos limites do pensamento ativo libertário: até onde a liberação dos instintos (sexuais) condiz com um planejamento reivindicativo contra as mazelas da pequena-burguesia manifesta em seus lastros contemporâneos?! Não se responderá nunca com exatidão, salvo na prática equivocada, justificada e, por isso mesmo, defensiva. E acrescento em dizer que a primeira metade do título desta postagem foi pronunciada por um mafioso combatido, principal inimigo dos protagonistas biografados no filme italiano.

Durante a sessão, lembrei de um encontro que tive no interior de um ônibus, na noite de ontem, quando um rapaz me perguntou por que as portas da Comunidade Gomorra estão sempre fechadas ultimamente. Disse-lhe que, no plano físico, no que tange a uma sede, “não há mais sede da Comunidade Gomorra”, logo acrescentando que “o melhor é que ela não acabou, não houve um fim. Apenas...”. Deixei a frase em aberto, propositalmente.

Em verdade, ainda é cedo para que esta ode seja composta, mas receio antecipar a quem ainda não sabe que a sede física da outrora hiperpopulosa Comunidade Gomorra foi devolvida ao seu senhorio. Os habitantes de lá agora estão divididos em várias residências e o apelo inicial de comuna libertária que originou inclusive este ‘blog’ agora está diluído nas responsabilidades individuais de cada um de seus membros, os específicos e os honorários.

Sobre o ‘blog’: volta e meia, escuto alguns interlocutores referindo-se a ele como sendo atrelado diretamente a mim, mas friso que sou apenas um colaborador (assíduo, por problemas taxonômicos pessoais, mas apenas um) e que a senha é de uso público/comunitário. Houve o tempo em que, além de minhas lamúrias, tínhamos as apologias psicodélicas a vários tipos de viagens por parte Rafael Coelho, Rafael Torres e Danilo/FEOP; houve o tempo em que tio Charlisson publicava aqui suas recém-compostas poesias, ‘haikais’ e letras de canções; houve o tempo em que Wendell nos honrava com sua presença e acidez astronômica; houve o tempo em que Marcos Miranda aproveitava este espaço para defender-se de eventuais acusações contra ele e manifestar seus interesses histórico-protestantes; houve o tempo em que Rafael Maurício e Aline Aguiar acrescentavam chistes profissionais de muitíssimo bom tom; e volta e meia, tia Debora e meu querido irmãozinho Américo estão acrescentando atestados de humanização passional e pérolas ‘pop’, mútua e respectivamente. Tanta e tanta gente eu poderia (e deveria) ainda citar aqui: houve o tempo e, de uma forma diferente, há ainda um tempo...

Sobre o que foi/é/será a Comunidade Gomorra: escrevi aqui no primeiro texto publicado e não me arrependo de nada, só acrescento. Gomorra é mais do que um local físico, é um estado de espírito, uma tentativa, um conjunto de vitórias e derrotas, como o é toda vida que se preze. Gomorra é, foi e será um conjunto de seres humanos, com ambições, anseios, desejos, erros, vontades e conhecimentos que ora competem, ora se harmonizam, mas sempre são dotados de interesse – senão imediato, a largo prazo comunitário, visto que estamos cada vez mais se destacando no buscador cibernético Google (risos). Gomorra é demais para que só eu tente definir. Gomorra é... E continua(rá) sendo!

E esta é apenas uma ode parcial. Voltarei muitas e muitas vezes ao tema... E não só eu, espero!

Wesley PC>