sábado, 19 de dezembro de 2009

O QUE A LENDA DE PINÓQUIO TEM A NOS DIZER...

O afã de meu irmão caçula em acordar os membros de sua família às 4h da madrugada para buscar uma faca enquanto perambula pelas ruas desertas na garupa da motocicleta de um amigo bêbado fez com que eu acordasse muito mais cedo que o normal hoje. Obviamente, reclamar desta circunstancia estava fora de questão. Aproveitei a oportunidade para ler mais algumas páginas do livro de ficção juvenil que estou a ler e escolhi um filme qualquer na revista de programação da TV por assinatura. Descobri que “Pinóquio” (2002), fracassada e ambiciosa produção do Roberto Benigni seria exibida às 7h da manhã na TNT. Algo me obsedou: precisava ver este filme. Vi!

A trama segue os eventos que conhecemos através da versão filmada pelos Estúdios Disney em 1940, com algumas diferenças fundamentais: a) a lenda original é italiana, logo o diretor/roteirista sentiu-se muito à vontade para realizar uma adaptação fiel às suas intenções cômico-histriônicas; b) Roberto Benigni escalou a si mesmo como protagonista e, durante a projeção, são inúmeros os momentos em que sentimos vontade de esganá-lo, para ver se ele cala a boca e nos deixa perceber a beleza reinante no resto da projeção, que conta com o figurinista Danilo Donati e com o músico Nicola Piovani na extraordinária equipe técnica; e c) todos os personagens, sejam adultos, animais ou crianças, são interpretados por adultos, salvo por alguns burricos, o que dignifica bastante os mecanismos fantasiosos do belo filme. Mas sigamos em frente!

Em tese, o filme está longe de ser ruim. O visual é impressionante, os efeitos visuais são muito competentes e a paixão do diretor/roteirista por sua amada esposa Nicoletta Braschi faz com que a mesma esteja deslumbrante como a fada dos cabelos azuis, mas a atuação exagerada, falastrona e antipática do protagonista desloca nossas atenções, que, de outra forma, estariam encantadas pelo filme e, pior, deslumbradas pelo teor fortemente ideológico do mesmo, que eleva as instituições escolares como instrumentos máximos de personalização individual, ignorando os abusos estatais vinculados às mesmas e os abusos malévolos perpetrados por colegas e funcionários autoritários. Em outras palavras: por mais que eu concordasse com as lições de morais que eram destiladas de 10 em 10 segundos (como todos sabem, tenho ojeriza a qualquer tipo de mentira, um dos motes principais do filme), incomodei-me com a imposição quase categórica com que as mesmas eram difundidas. Porém, o filme funcionou: ao final, minha mãe lacrimejava, enquanto eu a abraçava em silêncio e contemplava as dobraduras de sua pele progressivamente envelhecida.

E, às 9h30’, eu estava dormindo...

Wesley PC>

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

PARA QUEM (NÃO) ESTÁ VIVO!

Recentemente, o ator espanhol Paul Naschy faleceu. Confesso que nunca vi nenhum filme protagonizado por ele, mas o mesmo tornou-se célebre e imortal em virtude dos vários lobisomens que dignificou no Cinema. Fiquei de luto por esta perda, tão sentida por alguns de meus mais consagrados amigos virtuais. Segui em frente e, graças a consultas enciclopédicas, descobri a existência de uma doença terrível chamada Síndrome de Cotard, que faz com que a pessoa afetada creia piamente que está morta ou, na melhor das hipóteses, organicamente putrefata. Fiquei imaginando o terror que aflige quem padece desta doença, muito bem metonimizada no maravilhoso filme “Sinédoque, Nova York” (2008, de Charlie Kaufman), cujo protagonista hipocondríaco chama-se justamente Caden Cotard. Recomendo, insisto!

R.I.P., Paul Naschy (1934-2009)!

Wesley PC>

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

UM ALENTO NA PLETORA:

Há pouco mais de 3 dias, fui apresentado a mais um destes endereços de relacionamento virtual que pululam na Internet. Trata-se do Filmow, descrito como “um Orkut para cinéfilos”. Em verdade, há pouco de diferente entre esta cópia e o original, salvo o fato de que as conexões entre pessoas dá-se através dos filmes que elas querem ou não querem ver. Receio confessar que é o suficiente para me manter entretido. Por isso, recomendo o tal ‘site’ a quem interessar possa. Juro que é divertido!

Wesley PC>

CAVALGADA

Só mais um pouquinho de Erasmo...

Eu já escrevi um texto aqui no blog dizendo que o Serge Gainsbourg é o tio-avô do Trip-hop. Erasmo Carlos também não deixa a desejar na música "Cavalgada", feita em parceria com Roberto Carlos, e também gravada por Maria Bethânia:


"Vou cavalgar por toda a noite
Por uma estrada colorida
Usar meus beijos como açoite
E a minha mão mais atrevida...

Vou me agarrar a seus cabelos
Pra não cair do seu galope
Vou atender aos meus apelos
Antes que o dia nos sufoque...

Vou me perder na madrugada
Pra te encontrar no meu abraço
Depois de toda cavalgada
Vou me deitar no seu cansaço...

Sem me importar se nesse instante
Sou dominado ou se domino
Vou me sentir como um gigante
Ou nada mais do que um menino...

Estrelas mudam de lugar
Chegam mais perto só pra ver
E ainda brilham de manhã
Depois do nosso adormecer

E na grandeza desse instante
O amor cavalga sem saber
Que na beleza dessa hora
O sol espera pra nascer"


Engraçado que na minha tentativa de Trip hop, por coincidência ou por plágio inconsciente, eu comecei a letra dizendo: "Cavalgue em teu animal predileto...".

Propaganda feita! haha

Leno de Andrade

POR QUE OUÇO ERASMO CARLOS?

Durante a década de 70, enquanto Roberto Carlos se aprofundava cada vez mais em músicas cafonas (confesso que gosto de muitas delas), seu amigo Erasmo Carlos insistia no jeito Rock'n'roll-Tremendão (yeah!), dessa vez dialogando com o Soul e a Tropicália (o disco de 71 foi produzido pelo maestro da Tropicália Rogério Duprat e teve a música "Preciso urgentemente encontrar um amigo" gravada pel'Os Mutantes), sem perder de vista seu lado romântico (Tá bom! Tá bom! Também sou cafona).

Pra mim, a década de 70 foi a melhor fase do Tremendão. Eu não poderia deixar de expor aqui algumas músicas que me pegam de jeito:


Sou uma criança, não entendo nada (do disco "1990 Projeto SalvaTerra" de 74)

Antigamente quando eu me excedia
Ou fazia alguma coisa errada
Naturalmente minha mãe dizia:
"Ele é uma criança, não entende nada"...

Por dentro eu ria
Satisfeito e mudo
Eu era um homem
E entendia tudo...

Hoje só com meus problemas
Rezo muito, mas eu não me iludo
Sempre me dizem quando fico sério:
"Ele é um homem e entende tudo"...

Por dentro com
A alma tarantada
Sou uma criança
Não entendo nada...

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Grilos (do disco "Sonhos e Memórias" de 72)

Se você passar daquela porta
Você vai ver
Como é que são as coisas
Como é que estão as coisas
Sei que o mundo pesa muitos quilos
Não me leve a mal se eu lhe pedir
Para cortar os grilos
Pra cortar os grilos
Pra cortar os grilos
Pra cortar os grilos
Aí, então, você vai se convencer
Que se o mundo pesa
Não vai ser de reza
Que você vai viver
Descanse um pouco
E amanheça aqui comigo
Sou seu amigo, você vai ver
Sou seu amigo, você vai ver

____________ ____________

Além dessas, "É preciso dar um jeito meu amigo" e "Dois animais na selva suja da rua" do disco de 71 são bastante expressivas.

Ouçam! Principalmente os 3 discos citados.


Leno de Andrade


terça-feira, 15 de dezembro de 2009

“NÃO HÁ DESTINO, EXCETO O QUE FAZEMOS”?

Por vias normais, “O Exterminador do Futuro: A Salvação” (2009, de McG) não seria um filme que constaria de meus favoritos. Às 11h de hoje, porém, enquanto frustrava-me por ter acordado tarde para ir à praia, fui convidado por um vizinho para assistir a tal obra obviamente deletéria, absurdamente desnecessária e dissonante dos ótimos filmes originais dirigidos pro James Cameron. Aceitei o convite por interesses fortuitos (necessidade de sociabilização e análise da anomia contemporânea de Hollywood à frente) e fui acertado em minhas previsões: o filme é horrendo!

Confesso que, ao analisar o currículo bagunçado do diretor McG, fiquei empolgado em imaginar a esculhambação típica de sua montagem na saga interminável do militante da resistência humana contra as máquinas John Connor. Não obtive êxito. O filme é mui comportado em sua obsessão insistentemente explosiva. Os bons atores envolvidos no projeto (Christian Bale, Bryce Dallas Howard, Helena Bonham Carter) são desperdiçados, o roteiro é estapafúrdio, a forçação de barra das situações de perigo que envolvem os humanos desprivilegiados é intragável! Ainda assim, foi a sessão foi sociologicamente divertida. De 10 em 10 minutos, o meu vizinho/amigo/fornecedor comentava: “a luta é injusta”! De meu lado, eu brincava com os jargões imbecis do filme (“o que diferencia os humanos das máquinas é que nós enterramos nossos mortos” ou “para continuar sendo um ser humano, é preciso manter-se vivo na mente e no coração” como sendo alguns deles) e ficava chocado ao imaginar como um filme infundado como este obteria qualquer mérito de público. O que está acontecendo com o público de cinema, oh, meu Deus?!

Em verdade, não era bem sobre isso que eu queria escrever, mas estou tão atolado de trabalho estes dias que desafogar minhas mágoas com qualquer assunto (ou filme ou pessoa) far-me-ia deveras bem. É isso! Gosto bastante do mês de dezembro, mas, ao mesmo tempo...

Wesley PC>
"Sodoma é traição. Gomorra é revolução". (Frei Felipe Moreira, 1645).

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A CENA MAIS GENIAL DO ANO (PASSADO):


"Sinédoque, Nova York" (2008), primeira preciosidade do genial roteirista masturbatório Charlie Kaufman como diretor, está em cartaz num cinema aracajuano. Por favor, vejam-no!

Wesley PC>

domingo, 13 de dezembro de 2009

DEVOLUÇÃO AO REMETENTE (TU CHAMARÁS DE PLÁGIO, EU DIREI QUE É UM AGRADECIMENTO)


Não vou mentir: conhecia pouco do Ralph Waldo Emerson até a manhã de hoje. Ao receber uma mensagem desnorteadora de uma pessoa sincera, senti-me intimado a buscar mais sobre ele. E agora, junto àquelas imagens perturbadoras do primeiro filme como diretor do Charlie Kaufman, são as palavras abaixo que me servirão como obituário prévio de 2009:

"Por que me preocupei com o fato de não ser a outra parte capaz de receber toda a minha amizade? Parece-me ultimamente mais possível do que eu imaginava que um dos amigos se comporte com maior grandeza que o outro, que não haja a devida correspondência. Por que aborrecer-me com o fato do depositário de minha amizade não ser digno dela? Não se preocupa o Sol com o fato de alguns de seus raios caírem no espaço ingrato e de somente uma pequena parte cair no planeta que os reflete. Deixa que tua grandeza eduque a teu companheiro rude e frio. Se não é igual a ti, logo ficará; porém a ti engrandece teu próprio brilho, e, não sendo já igual aos sapos e aos vermes, subirás e arderás com os deuses do Empíreo. Crê-se que seja uma desgraça amar sem ser correspondido. Mas quem for realmente grande compreenderá que o verdadeiro amor não pode ser correspondido."

Obrigado de coração, tu sabes quem!

Wesley PC>

O JOVEM STEPAN NERCESSIAN E O QUE SEI DA ALMA MASCULINA:


Há alguns meses, vi de supetão um filme chamado “Marcelo Zona Sul” (1970, de Xavier de Oliveira), desavisadamente exibido na TV Cultura. Fui hipnotizado pelo charme triste daquele filme lindo, daquele retrato precioso de época e adolescência, protagonizado por Stepan Nercessian, aos 17 anos de idade, lindo e desiludido. Na noite de ontem, enquanto zapeava os canais de TV, em busca de imagens e sons agradáveis que me fizessem companhia midiática enquanto eu ingeria a deliciosa sopa de legumes preparada por minha mãe, deparei-me com “André, a Cara e a Coragem” (1971), dirigido pelo mesmo Xavier de Oliveira, protagonizado pelo mesmo Stepan Nercessian (agora com 18 anos, mais ainda lindo e desiludido) e cerceado pelo mesmo desencanto adolescente do filme anterior. Fui novamente hipnotizado pelo charme triste!

Na trama, o protagonista André chega de uma cidade interiorana e se hospeda numa pensão. Divide quarto com um marinheiro, que viaja sempre para a Europa e o conforta com estórias de viagens e revistas de sacanagem importadas da Suécia. Quando fica sozinho, André vai a um bordel e realiza sexo mecânico, emitindo sobre sua virgindade. Tenta arranjar emprego, mas sempre comete erros e despedido, assaltado ou assediado por homossexuais e solteironas que tentam distrair a solidão pagando um gigolô. Mas nada parece confortar André, até que ele se apaixona por uma colega de trabalho numa lavanderia. São despedidos, ela engravida e (vou entregar o final), um novo ano chega. Porém, nada acaba. A falta de perspectivas de André permanece suspensa, enquanto pessoas comemoram a chegada do novo ano.

Filem lindo, visto sem pretensões, mas, desde já, eternizado como sendo um dos mais encantadores retratos de minha situação atual, não necessariamente triste ou derrotado, mas cônscio de que há algo mal no mundo, de que o capitalismo evoluiu ao paroxismo de sua alo-destruição e de que, por pior que eu aja de vez em quando, há quem esteja ao meu lado. Quem me dera encontrar um mocinho triste com a cara do Stepan Nercessian pós-adolescente por aqui...

Cada qual a seu modo, os dois filmes citados ajudaram-me a construir uma imagem bastante poética do adolescente periférico-padrão, do tipo de homem de vinte e poucos anos que tanto me atrai. Não obstante haver no filme uma cena bastante angustiante, em que André espanca o viado que tenta alisar seu pênis enquanto ele dormia, fiquei a seu lado até o final da projeção, sentia o que ele sentia, sabia o que ele achava que sabia... Na melhor cena do filme, aliás, André é intimado a provar as roupas que uma solteirona solitária e endinheirada lhe compra. Primeiro as camisas, depois as calças e, por fim, as cuecas. “Tire sua roupa aqui mesmo. Faz de conta que sou sua mãe”. Na hora H, a poucos segundos e milímetros do órgão sexual desejado do rapaz, a campainha toca e a câmera focaliza outra coisa. A sugestão, porém, estava lançada. Jamais aquelas imagens me sairão da cabeça! Por isso, advirto: “André, a Cara e a Coragem” (1971), de Xavier de Oliveira, é um título de filme a ser escrito com letras vermelhas no caderno de lembranças da vida.

Wesley PC>