sábado, 14 de abril de 2012

A (IN)FELICIDADE SENSORIAL DE FINAL DE SEMANA:

Há poucas horas, entrei numa discussão banal sobre o meu desagrado pessoal em relação a feriados (santos, principalmente) e finais de semana. Quem me conhece, sabe que não faço a menor questão de elogiar os dias em que não se trabalha como mais propensos ao lazer que os demais. Em minha concepção, momentos de prazer não se distinguem cronologicamente dos momentos empregatícios mais latos: desde que eu me entendo por gente, luto para mancomunar ambos, a fim de ir de encontro àquele típico jargão acadêmico sobre a Indústria Cultural que apregoa que trabalhadores cansados preferem produtos midiáticos excessivamente simplificados. Não é o meu caso: cansado ou não, assisto àquilo que me agrada.

Por uma daquelas coincidências benfazejas, acabo de ver um filme que aborda mais ou menos este dilema sob a perspectiva aqui adotada: “Les Corps Ouverts” (1997, de Sébastien Lifshitz). Gostei tanto do filme que, finda a sessão, eu me obriguei a repeti-lo. Identifiquei-me deveras com as aparentes dicotomias identitárias contidas no roteiro: como bem notou um cinéfilo no IMDb, o filme é baseado nas oposições homossexual/heterossexual, imigrante/local e conservador/moderno, mas o diretor mescla bem esses dípticos através do bissexualismo, cosmopolitismo e pós-modernismo, respectivamente, em escala historicizada e tendente a uma inteligente crítica estética. É um filme que, além de ser ótimo e excitante, nos conquista pelo apelo sensorial, em especial nas seqüências de dança que antecipam clamores sexuais. Mal terminou a segunda sessão e eu já estava com vontade de vê-lo novamente!

No filme, o gracioso (e já falecido) Yasmine Belmadi interpreta um rapaz de ascendência argelina que trabalha numa mercearia para ajudar o pai doente. Além de estudar Administração de Empresas e de possuir uma compreensiva namorada, ele decide participar de um filme, envolvendo-se sexualmente com o diretor do mesmo. Depois que ingressa efetivamente nas práticas homossexuais, ele vagueia por cinemas pornôs e discotecas, em busca de prazeres fugazes que se somam ao seu cotidiano corrido e ao afeto que recebe (e devolve) das pessoas que o cercam, incluindo um amigo próximo, uma irmã meiga e eventuais flertes de ambos os sexos. Na prática intrafílmica, era como se o protagonista Rémy pusesse em práticas desejos citadinos que são suprimidos em mim justamente por causa desta minha relutância em divertir-me tradicionalmente nos dias social e comercialmente destinados à folga. Era como se eu estivesse com inveja daquela aranha que passeia pelo corpo seminu do protagonista da seqüência inicial. Maravilha de média-metragem!

Wesley PC>

ESPECULAÇÃO SEXUAL PRIMEVA: OU DE QUANDO A MONTANHA VEM ATÉ O PROFETA!

Na noite de ontem, fui atingido contingencialmente por um filme que não conhecia até a tarde desse mesmo dia: “Eveready Harton in Buried Treasure” (1929). Pesquisei bastante sobre ele, mas as informações que encontro são vagas: descobri que o filme foi tecnicamente processado em Cuba, depois que estúdios norte-americanos relutaram em se envolver nesse projeto e tenho ciência de que o nome do diretor E. Hardon é um mero pseudônimo desviante, de modo que a ausência de créditos no curta-metragem dificulta bastante a obtenção de mais dados sobre a sua realização. Mas, seja como for, gostei bastante do que vi: tornou-se um dos meus favoritos pessoais!

Por mais que alguns exegetas indiquem que, apesar de seu polemismo erótico, “Eveready Harton in Buried Treasure” está longe de ser um bom filme, por causa de suas técnicas pobres de animação, eu sigo na direção contrária e ouso tachar este filme de obra-prima libertária, tamanho o seu desbunde narrativo, que inclui zoofilia, homossexualismo e masturbação sadomasoquista numa trama calhorda com menos de sete minutos de duração. Pelo que pude intuir, Eveready Harton é um personagem recorrente no submundo pornográfico, de modo que a historieta que aqui acompanhamos deve estar interligada a vários episódios anteriores e posteriores. No filme, o protagonista “sempre disposto” acorda sozinho num local deserto, com o pau obviamente duro [utilizar o termo ‘ereção’ aqui seria um contra-senso sociolingüístico (risos)]. Ele saca o seu revolver para afastar as moscas que se alojam sobre a sua glande, mas o pênis se destaca dele e se esconde atrás de uma pedra. Depois que consegue reverter essa castração, Eveready Harton utiliza o seu binóculo para buscar algum lugar para fazer sexo. Depara-se com pequenos cães em fila sobre uma grande cadela no cio, ofídios e pássaros cruzando e, finalmente, uma mulher que introduz solitariamente diversos objetos em sua vagina. Ele corre em seu auxílio, ora carregando o pênis num carrinho de mão, ora andando com este membro como se fosse uma terceira perna. Ao interceptar diretamente a mulher masturbadora, ele pede que ela não mais desperdice o seu vigor erótico com siriricas e arreganhe as pernas para receber sua pica dura, que é mordida por um caranguejo alojado na boceta da mulher e foge, conforme visto no fotograma. Em busca de seu pênis fugitivo, Eveready Harton penetra, sem pedir licença, o corpo de uma mulher enterrada na areia e, de repente, constata que, na verdade, enfiara seu pau no cu do homem que penetrava antes a referida mulher. O pênis dele engata no ânus do homem e ambos têm dificuldades para se soltarem um do outro. Quando o fazem, Eveready fica com inveja do homem que sodomiza uma cabra (algumas enciclopédias virtuais dizem que se trata de uma burra, mas a cópia do filme a que tive acesso não me permitiu identificar o animal) e pratica esgrima fálica com ele, numa seqüência que, adianto, me excitou eroticamente, visto que acho esta prática de contato genital masculino muitíssimo prazerosa. Chateado depois que o embate acaba, Eveready enfia o seu pênis no buraco de uma cerca de madeira e se deixa ser lambido por uma vaca apaixonada, quando aparece uma “moral da estória” em inglês arcaico: “onde houver uma maneira, haverá sempre o anseio de um ‘sempre-pronto’”. Tem como não se encantar com o atrevimento de um filme como este? Absolutamente genial!

Wesley PC>

sexta-feira, 13 de abril de 2012

PROBLEMA DE CONCENTRAÇÃO:


A imagem fala por mim. Grita por mim, aliás!

Wesley PC>

E, QUANDO EU PENSAVA QUE O QUE "NÃO PRESTAVA", DE FATO, NÃO PRESTAVA...

Ontem à noite, enquanto esperava por alguém numa casa que fora deixada aberta sem ninguém em seu interior, assisti a algo que estava sendo exibido na TV que também fora deixada ligada. Tratava-se de um capítulo de telenovela, em que um rapaz fora resgatado da rua, numa madrugada, pela cozinheira recém-contratada de sua casa. Ele era sonâmbulo. A situação dramática como um todo foi muito mal-conduzida e, definitivamente, eu não fiquei com um pingo de vontade de assistir ao capítulo da telenovela até o final, mas, de alguma forma, aquilo em afetou. Mas era em vão esperar por alguém naquela noite. Fui para casa.

Deitado no sofá da residência em que habito, recebi algumas mensagens de celular de um amigo que, aparentemente, não conseguia controlar com afinco os seus atos desejosos (de ordem erótica, principalmente). Aconselhei-o da forma que pude – sendo eu mesmo uma vítima desta mazela psicológica – e, no dia posterior (ou seja, hoje), assisti por acaso a um filme B que estava sendo exibido na TV: “In My Sleep” (2010, de Allen Wolf). Apesar de ser fisicamente atraente (leia-se: oportuna e comercialmente sensual), o filme era obviamente ruim. Resolvi enveredar por aquela sessão a fim de (des)oxigenar o cérebro, depois de ter sido atingido por diversos filmes de qualidade crítica superior. Aos poucos, entretanto, fui percebendo que o filme tinha muito a ver com o que eu e meu amigo enfrentávamos...

Na trama, o protagonista (interpretado por um tal de Philip Winchester) é um massagista apaixonado pela esposa de seu melhor amigo. Compreensivamente, ele não admitia isso, de modo que, em suas crises de sonambulismo, ele se descobriu dormindo com ela, que engravida dele. Depois de algum tempo, ele desperta sujo de sangue. Não sabe o que fez na noite anterior, se apavora, mas tenta seguir com sua vida normal. Ele trabalha como massagista, o que permite que conheça muitas mulheres atraentes. Admite-se como viciado em sexo num grupo de terapia. Na noite de seu aniversário, ele recebe um presente supostamente assinado por ele mesmo: uma faca afiadíssima, acompanhada por um cartão onde se lê “use-a bem!”. À medida que o filme avança, sabemos que o massagista fora acidentalmente responsável, na infância, pela morte de seu pai adúltero. O resto, só vendo o filme para descobrir, mas adianto que fiquei satisfeita com as simplificações freudianas adotadas no roteiro da película.

Empolgado e surpreso por gostar tanto de um filme banal, recomendei “In My Sleep” para o amigo que tinha me enviado as mensagens no dia anterior, mas, talvez, o filme em si não seja o recado que quis transmitir, mas sim a ampliação de percepção a ele atrelada, a consideração de que subestimar é uma atitude que nos priva de melhoras súbitas. Numa cena incidental do filme, por exemplo, o protagonista fica constrangido ao constatar que fizera sexo com uma mulher que, acordado, considera horrível. Fica a dica...

Wesley PC>

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O FOTOGRAMA PERTENCE AO FILME “EXEMPLO REGENERADOR” (1919, DE JOSÉ MEDINA), MAS O DESEJO DE RESPONDER ISSO NA PELE É MEU TAMBÉM!

E, enquanto organizo os meus trambolhos aqui na Universidade, a fim de ir para casa daqui a pouco, explodo de excitação ao imaginar que, em breve, estarei vendo um dos exemplares mais antigos do cinema brasileiro. Deus do céu, bem que eu queria me casar!

Wesley PC>

AMÁCIO MAZZAROPI, MAIS UMA VEZ!

Na tarde de hoje, vi “O Noivo da Girafa” (1957, de Victor Lima), como parte da continuidade de minha imersão no projeto do Canal Brasil de homenagear o centenário de nascimento deste artista tão essencial do mercado cinematográfico brasileiro. Apesar do título chamativo, não espera me surpreender ou ser tão qualitativa e dramaticamente fisgado pelo filme quanto eu fui: não apenas gostei muito dele como o considerei uma das melhores produções protagonistas pelo estereotipado caipira até agora. Aqui ele está humano, essencialmente humano, na apresentação dos preconceitos que pessoas como ele sofrem quando emigram para metrópoles.

O protagonista da trama chama-se Aparício Boa Morte. Trabalha como zelador num zoológico, onde é explorado por trabalhadores de todas as camadas sociais, todas se considerando superiores à sua. Absolutamente hostilizado pelo proprietário e demais moradores da pousada onde dorme, ele calha de se apaixonar pela filha do dono, sem perceber que outra mulher, interpretada pela graciosa Glauce Rocha, está atraída por ele. Quando, após uma confusão com troca sanguínea num consultório veterinário, pensam que Aparício tem apenas 15 dias de vida em razão de uma leucemia em estágio avançadíssimo, todos passam a tratá-lo muito bem, inclusive ensejando um casamento arranjado com a mimada filha do dono da pousada, que está interessando numa herança que Aparício ganharia de seu moribundo tio avarento. Até o final da trama, tudo será desvendado, mas o modo como os qüiproquós e números musicais são conduzidos aqui me impressionou pela sinceridade reconstitutiva. Muito bom este filme! Estou amando descobrir um filão mazzaropiano de qualidade elevada em meio ao entojo senso-comunal da maioria de suas produções oportunistas. SE brincar, eu assumo até que sou fã dele (risos). Ops...

Wesley PC>

terça-feira, 10 de abril de 2012

NÃO SOU NECESSARIAMENTE FÃ DO AMÁCIO MAZZAROPI, MAS AQUI ELE ACERTA. RECOMENDO!

Apesar de minha cinofilia ostensiva, nunca tinha conseguido ver “A Carrocinha” (1955, de Agostinho Martins Pereira), filme protagonizado pelo homossexual enrustido Amácio Mazzaropi (1912-1981) que eu cria não ser tão preconceituoso e machista quanto os demais. Dito e feito: em mais de uma situação, me percebi encantado pelo personagem principal, ingênuo, equivocado e, apesar de tudo, bem-intencionado em seus atropelos para se manter aderido ao capitalismo sobrevivencial de caráter rural. Na trama, ele é Jacinto, personagem típico do interior brasileiro que é selecionado pelo prefeito hipócrita para ser o laçador de cachorros local. A intenção do prefeito é se livrar da cadelinha prenha de sua esposa, de quem sente muito ciúme. Jacinto, entretanto, atende aos apelos de seus vizinhos e não tem coragem de assassinar os animaizinhos apreendidos, de modo que, ao se apaixonar pela filha do personagem de Adoniran Barbosa (que eu não reconheci, infelizmente), ele resolve guardar os animais na fazenda dela, enquanto recebe o dinheiro por sua execução. É uma estória troncha, eu sei, mas, ao mesmo tempo, realista e bem-intencionada. Cativou-me um tantinho...

Como o Canal Brasil apresentará 20 dos filmes protagonizados por este notório artista brasileiro, por ocasião do centenário de seu nascimento, tenciono assistir a todos, a fim de consolidar, se não a minha adesão direta a sua fama, o meu respeito inconteste à sua criatividade repetitiva e aos seus inteligentes estratagemas de mercado, alguns dos mais bem-sucedidos de nosso cinema nacional, do qual agora eu sou um pesquisador financiado pelo Estado. É meu dever, portanto, devolver a responsabilidade cumprida, prestando contas do que é, de fato, relevante na constituição de nosso caráter cinematográfico nacional. E quem me disse que Amácio Mazzaropi não é figura central dessa história estará incorrendo num despautério, é minha obrigação desmentir. O recorte de jornal afixado a esta postagem é a prova viva do que estou dizendo!

Wesley PC>

segunda-feira, 9 de abril de 2012

‘AND LAST, BUT NOT THE LEAST’...

E, não sei bem por qual motivo, pensei em inglês e esta imagem surgiu diante de mim. Trata-se de um dos vários fotogramas impressionantes do excelente filme “The Act of Seeing With One’s Own Eyes” (1971), obra-prima do genial e irregular cineasta Stan Brakhage. Neste filme, o que impressiona menos é a dilaceração atroz de cadáveres em si, mas a destruição gradual da personalidade dos legistas através da tediosa dissecação, dia após dia, daquilo que o humano mais tem de essencialmente humano: a finitude de seu corpo físico. E, à medida que o filme avança, nossa inteligência e nossa sensibilidade clamam por um apaziguamento, que se dá numa instância extra-fílmica, na comunhão com os nossos semelhantes, inclusive no patamar sexual. Vale lembrar que não há qualquer som no filme, ao contrário do quem costuma ocorrer numa relação sexual. Talvez este seja um ponto de partida comparativo digno de menção. Por dentro, estou gemendo neste exato momento. E pensando em inglês, ainda. Deixa eu ir para casa que eu ganho mais, acho. Tomara...

Wesley PC>

CRIME MAIOR É SE PRIVAR!

Havia me programado para assistir a um filme importantíssimo em companhia de um amigo, neste domingo, quando uma visita pessoal advertiu-me de que eu teria que procurar um plano secundário de entretenimento. A televisão da sala estava ocupada por meu irmão e minha mãe, de modo que resolvi assistir a um filme curto no quarto. Optei pela produção japonesa de horror semipornográfico “Parasita Sexual: A Vagina Assassina” (2004, de Takao Nakano), sobre uma cientista que é infectada por uma espécie de mutação amazônica do peixe candiru e é mantida congelada, depois que se torna uma devoradora (literal) de homens. Um ano se passa e cinco turistas jovens e inconseqüentes invadem o local onde a cientista está aprisionada em estado criogênico. Eles descongelam-na por acidente e, um a um, são atacados pela vagina dentada da mulher, que não passa de um avatar esvaziado de personalidade do peixe mutante gigantesco. Obviamente, detestei o filme!

Ao final da sessão, estava com um sono intenso, o que talvez fosse uma conseqüência psicológica do abandono culposo dos meus planos dominicais. Dormi às 23h33’ e acordei chateadíssimo e muito mal-humorado pouco antes das 8h. Dormi demais! Li uma mensagem eletrônica emocionante de uma professora que me trata como filho acadêmico adotado e, enquanto comia o cuscuz com leite que minha mãe havia preparado, assisti a um longa-metragem documental impressionante no canal fechado HBO2. Ou seja, era um documentário impressionante, porém dublado! Tratava-se de “Crimes de Amor em Kabul” (2011, de Tanaz Eshaghian), sobre garotas presas por causa de infrações legais relacionadas a sexo antes do casamento. A equipe do documentário acompanha três em particular: uma rapariga de 18 anos que fora comprovada virgem (ao menos em patamar vaginal) pelas autoridades médicas, mas ainda assim foi condenada; uma jovem divorciada que se recusa a casar com o filho da mulher que a amparou quando ela fugiu de casa; e uma moça que engravidou de um homem casado, com o qual se casa na cadeia (o rapaz mostrado no segundo plano da imagem abaixo, muito bonito por sinal). Apesar de as condenações serem chocantes para o nosso crivo ocidental, o filme não julga nem os condenadores nem as condenadas. Mantém-se à distância, nos limites possíveis da objetividade, mostrando-nos os diversos ângulos da questão prisional feminina afegã, inclusive o cotidiano das agentes carcerárias do local. Fiquei impressionado e gnosiologicamente contemplado. Mas, dentro de mim, a pulsão virginal gritava: apesar de ter me identificado bem mais com o ótimo segundo filme, o mau primeiro filme parece óbvio em sua imposição desejosa. Estou carente!

Wesley PC>

domingo, 8 de abril de 2012

“EU QUERO ME CASAR COM MARCUS ANTES DE MORRER!”

Assim exige a personagem de Deborah Kerr, pouco antes de ser amarrada num tronco, diante de um touro raivoso, em “Quo Vadis?” (1951, de Mervyn LeRoy & Anthony Mann), filme comentado aqui, quando o vi pela terceira vez. Na tarde de hoje, Domingo de Páscoa, despertei com minha mãe mais uma vez empolgada com o que se passava na tela. Ela já viu o filme enésimas vezes, mas não pára de se empolgar com as reviravoltas da trama, com a coesão do discurso religioso do filme. Por mais espetaculosa que seja a oportunista utilização da fé alheia nesta superprodução, não vou negar que eu sempre fico bastante emocionado quando a revejo. A quantidade de mensagens de amor sincero que provém de meu celular durante a sessão não nega: “e, de repente, meu coração quase saltou do peito, quando eu soube que ele era o cristo esperado”... E, na foto, o gigante interpretado pelo boxeador Buddy Baer assassina, aos prantos de arrependimento cristão, o touro raivoso que rondava a sua protegida. Pois é difícil amar o inimigo iracundo, mas não impossível!

Wesley PC>

UM IDEAL RURAL CADA VEZ MAIS DISTANTE, MAS... O QUE ME IMPEDE DE SONHAR?!

Na madrugada de hoje, acordei com a mensagem de celular de uma amiga recém-divorciada. “EU TE AMO”, dizia-me ela em letras maiúsculas. Apenas isso, puramente isso. Respondi que sentia o mesmo, mas não consegui mais dormir. Era pouco mais de 4h30’. Liguei a TV e havia acabado de começar um filme chamado “O Poderoso Garanhão” (1974, de Antônio B. Thomé), com o cantor brega Waldick Soriano no elenco. O título e a sinopse poderiam não me interessar noutra época, mas, no contexto atual, me pareceram absolutamente tentadores, de modo que não me arrependi nem um pouco de ter visto este filme rejeitadíssimo de nosso cinema. Ao final da sessão, fiquei idealizando um romance rural que jamais se efetivará... Mas, como bem disse o cineasta Pier Paolo Pasolini, noutra feita: “mas é tão bom sonhar!”. Deixa quieto: o filme não era de todo ruim...

Pelo que pude entender sobre a publicidade de “O Poderoso Garanhão”, ele pretendia ser uma paródia nacional de uma clássica série literária do Mario Puzo levada às telas por Francis Ford Coppola. A trama deste filme, porém, é muito específica: o vaqueiro Heitor, interpretado pelo cantor brega mostrado na foto, depois de muito tempo afastado de sua fazenda natal, regressa para assumir as terras do pai quando este é morto pelos capangas de uma fazenda rival. Lá, Heitor percebe que ainda está apaixonado por sua amiga de infância Maria, que o ama em retorno, apesar da opinião contrária de seu irmão Wilson, que acoberta Jonas, o desalmado assassino do pai de Heitor. O pai de Maria, por outro lado, enxerga com bons olhos cobiçosos a casamento vindouro de sua filha com Heitor, visto que, assim, a comunhão entre as fazendas de ambos engendraria uma espécie de Império Rural. Mas tem um detalhe: apesar da legitimidade de sua paixão por Maria, Heitor tem necessidades fisiológicas diferentes das que ela demonstra, de modo que, mal acabam de se reencontrar e declarar o amor sobrevivente da infância um pelo outro, ele é convidado por seus asseclas a visitar uma “casa de mulheres perdidas” onde se deita com a cafetina Laura, também apaixonada por ele. À medida que a trama avança, Laura será de vital importância para que Heitor descubra os assassinos de seu pai e se case com Maria, que fica levemente enciumada quando conhece a prostituta, mas ouve da boca dela algo que me emocionou por identificação: “eu sei perder!”. Na cerimônia matrimonial entre Heitor e Maria, Laura estará observando tudo à distância, no seu elegante e espevitado vestido roxo. E, antes mesmo que eu adormecesse emocionado ao final da sessão, eu declarava meu amor insistente a um habitante rural, repetindo para ele, com a explicação do adequado contexto, exatamente aquilo que a marafona quase aposentada disse: “eu sei perder!”. Sim, sim, eu sei perder...

Impressionou-me deveras no filme o modo sincero como o roteiro constrói os personagens, respeitando suas especificidades regionais e evitando julgar seus comportamentos, seja no que tange à compulsão reativa por vingança seja no que diz respeito ao financiamento naturalizado da prostituição. Além disso, a trilha sonora de Salatiel Coelho é muito precisa no enquadramento dramático das seqüências, em especial naquelas protagonizadas por Maria Viana, que interpreta a apaixonada pretendente romântica do protagonista. Além disso, a utilização de canções bregas é deveras benfazeja, o que justificaria o sucesso do filme ao menos entre os fãs do cantor Waldick Soriano, que, numa cena ousada e de gosto duvidoso (porém realista e bem-executada), aparece de cuecas na cama da meretriz com quem se deita. Não sei se eu estava atropelado por uma apreciação demasiado subjetiva, mas sinto que gostei muito do filme. Muito mesmo! Fiquei contente pelo aproveitamento positivo do caráter nacional, pela reconstituição firme de tipos humanos essencialmente brasileiros. Definitivamente, este é um filme que merecia ser estudado pelos amantes do cinema e da identidade cultural do Brasil. Dentro de minhas limitações, dispor-me-ei a fazer com que este filme seja mais conhecido!

Wesley PC>