sexta-feira, 8 de março de 2013

BREVES NOTAS SOBRE O PESADELO QUE EU POSSO TER DAQUI A POUCO E/OU A DUPLICIDADE...

Quando a sessão "Como Era Gostoso..." (especializada na exibição de filmes produzidos pela Boca do Lixo paulistana) do Canal Brasil anuncia um filme lançado há mais de trinta anos como inédito, pode-se ter certeza de que este é, no mínimo, digno de uma olhadela atenciosa. Foi o que aconteceu há pouco com "Duas Estranhas Mulheres" (1981, de Jair Correia), dirigido por um cineasta que, até então, eu não conhecia...

Composto por dois episódios levemente intercalados (por uma breve cena que faz com que um dado personagem transite entre ambos os contextos), este filme tem como personagens principais as duas mulheres estranhas do título, ambas inspiradas em figuras mitológicas: a primeira delas, Diana (Patrícia Scalvi), é atormentada pela frieza do marido Raul (Hélio Porto), que a oprime com seu ciúme e desdém persecutórios. Um dia, passando por acaso num bar, ela o encontra bebendo, mas, quando vai conversar com ele, percebe que se trata de outra pessoa, um tal de Otávio, na verdade, outra personalidade do mesmo homem. Ela se apaixona e se entrega sexualmente a ele, mas Raul começa a surgir em momentos cada vez mais inconvenientes, tendo ciúme de si mesmo, a ponto de envenenar o uísque que seu próprio alter-ego tomará. Diana é acusada de assassinato e, durante o interrogatório que entremeia a sua narração, descobrimos os detalhes do assassinato de Raul/Otávio. O detalhe: a nudez de Hélio Porto é farta e ereta, inusitada para a época.

A segunda das mulheres, Eva (Fátima Celebrini) recebe a notícia de que seu marido morrera carbonizado num acidente de automóvel. Afastada dele há algum tempo, ela parte para o Rio Grande do Sul, a fim de identificá-lo e, no caminho, por causa de um defeito mecânico em seu carro, pede carona a um vendedor apelidado de China (John Doo, ótimo como diretor, mas difícil de ser levado a sério como ator erótico), que, na verdade, é a instância narrativa do episódio, visto que nos deixamos confundir por suas alucinações, em que ele se confunde com o recém-falecido esposo de Eva, a ponto de acreditar em vidas passadas. O episódio começa mal, mas termina genial em sua emulação de seriados antigos de apelo fantástico.

Ao final, gostei muito do filme, e, estando prestes a dormir, temo que tenha mais um daqueles pesadelos sensuais recorrentes, envolvendo figuras por quem nutro paixões inalcançáveis e temores e desejos inassumidos. Que venha o que vier, querido inconsciente... Qualquer coisa, volto daqui a algumas horas para relatar o sonho... Até já!

Wesley PC>

“ELE É MUITO MAIS IRMÃO DO MEU IRMÃO QUE EU... QUEBRA ESSA AÍ!” (OU UM FILME QUE FAZ JUS AO TÍTULO)

Particularmente, aprecio bastante filmes cujas cenas cruciais se passam em supermercados. Um amigo que compartilha desta apreciação costuma adicionar outro elemento apreciativo que, aos poucos, me contaminou positivamente: filmes passados em veículos de transporte, principalmente ônibus. Quando percebi que “De Passagem” (2003), premiado filme do cineasta paulista Ricardo Elias partia deste pressuposto (a maior parte das situações-chave do filme são passadas no interior de ônibus e trens), intuí que gostaria bastante do filme, não obstante o chamariz do mesmo ter sido outro, também bastante efetivo: a beleza física do jovem Sílvio Guindane, que, aqui, interpreta magistralmente um estudante militar legalista. Gostei muito do filme!

Desde a primeira cena, em que um garoto entoa a célebre canção do Cassiano “Primavera (Vai Chuva)” enquanto outros dois brincavam de futebol num campinho improvisado, senti que o filme não seria um mero explorador publicitário dos clichês contemporâneos do cinema de classe média situado na favela. Ao contrário do que o público senso-comunal afirma, aliás, não acho problemática ‘per si’ a pletora de filmes sobre favela, desde que estes não se utilizem oportunistamente dos cenários e figuras populares para legitimar um discurso preconceituoso sobre os habitantes destes locais. Exemplos conduzidos por Bruno Barreto, Jeferson De ou Fernando Meirelles não faltam, bem como as exceções levadas a cabo por Lúcia Murat, Jorge Durán e o próprio Ricardo Elias, que já havia me surpreendido com o posterior “Os 12 Trabalhos” (2006). O viés enredístico primordial deste diretor e roteirista é o aspecto humano por detrás dos estereótipos de bandidos negros e, neste aspecto, “De Passagem” é um filme exemplar em sua complexidade composicional: aos poucos, seus filmes nos conquistam, nos transportam para a pele das vítimas de nossos próprios pré-julgamentos e, ao final, o que predomina é a qualidade de um cinema que, se não se pode dizer que não julga os seus personagens, não os condena. O magnífico desfecho em aberto do filme em pauta que o diga!

Em “De Passagem”, o referido personagem de Sílvio Guindane volta à cidade onde passara a sua infância para reconhecer o corpo de seu irmão mais novo, envolvido com o tráfico de drogas, supostamente assassinado num município distante. Dispondo de apenas poucos dias de licença, ele aceita a tarefa, visto que sua mãe está emocionalmente combalida e seu pai, também policial militar, se sente culpado por ter enviado o falecido para um instituto correcional quando ele ainda era um menino. Um amigo íntimo do rapaz morto se oferece para acompanhar o estudante militar até o Instituto Médico Legal. E, enquanto eles vão se reconhecendo na viagem, lembranças infantis dos meninos Jefferson, Washington e Kennedy (os três com nomes de ex-presidentes norte-americanos) despontam na tela...

Filmado predominantemente através de planos longuíssimos que exigiram bastante da firmeza de Sílvio Guindane no que tange à sua expressão sisuda e desconfiada, “De Passagem” torna-nos cúmplice também do marginalizado (mas bem-intencionado) vizinho dos dois irmãos, muito bem-interpretado por Fábio Nepô, premiado como Melhor Ator no Festival de Gramado, onde a produção também recebeu os troféus de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Prêmio da Crítica, em minha opinião, todos merecidos. De minha parte, receberia também os prêmios de Melhor Trilha Sonora, visto que André Abujamra realça muito bem a atmosfera dos diálogos e memórias sobre perda da inocência com música (incluindo a magistral versão do Karnak para “Sósereiseuseforsó/ Nuvem Passageira”), e de Melhor Ator, já que fiquei completamente apaixonado pelo Sílvio Guindane, em todos os aspectos que esta palavra comportar perante a minha apreciação entusiástica do filme. Se este rapaz já havia chamado bastante a atenção do público e crítica de cinema através de seu desempenho memorável em “Como Nascem os Anjos” (1996, de Murilo Salles), crescido, ele nos faz querer “traçá-lo”, como fazia o supostamente falecido Washington: ah, se eu me deparasse com um ex-favelado desses num trem...

Wesley PC> 

quinta-feira, 7 de março de 2013

AS BASES COTIDIANAS PARA OS PESADELOS DO DIA-A-DIA...

Nos últimos dias, pesadelos estrondosos me assombram: no início da semana, sonhei que uma barata gigantesca e antropomorfizada, com um capacete do Exército na cabeça e botas de eletricista em suas seis patas me perseguiam pelos encanamentos de um prédio, enquanto eu tentava rever “O Som ao Redor” (2012, de Kleber Mendonça Filho) ao lado de um admirador sensual do filme; no dia seguinte, sonhei que beijava as mãos de meu ex-orientador despótico, enquanto chorava copiosamente, como se estivesse num filme de Federico Fellini sobre o Vaticano; de ontem para hoje, sonhei que um amigo cocainômano de infância (pelo qual sempre nutri forte atração, desde antes de ele consentir que eu o admirasse nu após o banho) convidava-me para a cerimônia de seu casamento, em plena madrugada, enquanto, noutro local, um professor me pedia um martelo emprestado, a fim de deixar um cavalo experimentalmente desacordado. Culpado, me tranco em caso, enquanto que, na rua, os alunos infantis de uma escolinha acompanhavam a sua professora esquartejar um boi vivo com um machado, debaixo de um poste. Foi perturbador!

 Enviei um SMS para o protagonista conjugal de meu último sonho e este disse que a culpa do mesmo estava nos filmes que eu ando vendo na madrugada. Minha mãe disse a mesma coisa! Será? O último filme que vi foi tão brando e bonito: “Adultério por Amor” (1978, de Geraldo Vietri), sobre uma mulher apaixonadíssima por seu marido, que passa a tratá-la com indiferença pois não conseguem ter filhos. Ela se submete a alguns exames médicos e descobre que o estéril é ele, de maneira que, numa viagem pelo interior, ela se entrega a um rapazola estudante de Medicina, na esperança de engravidar. Arrependida durante o ato de traição, ela vomita, mas, ainda assim, felizmente engravida. Depois que se torna um perdulário inveterado, o estudante passa a persegui-la e ameaça contar ao marido dela sobre as bases de sua gravidez. O resto do filme, só vendo-o: apesar de a trama derrapar um pouco do meio para o final, o desfecho é belíssimo, pré-anunciado, dramático à exaustão diuturna!

 No filme, Selma Egrei tem um belíssimo desempenho solene (como é praxe em suas colaborações com o diretor), o mesmo sendo dito sobre um desenvolto Paulo Figueiredo, excelente como um amigo do casal protagonista, com três filhos e submetido a um processo de vasectomia. Ewerton de Castro não convence tanto em sua mudança de personalidade, mas não está ruim, de modo que o que eu mais apreciei mesmo no filme foi a competência romanesca do diretor, a qual eu já tive oportunidades de homenagear aqui em mais de uma ocasião. Muito conhecido por suas conduções telenovelescas, Geraldo Vietri é também um magistral artesão honorário da Boca do Lixo paulistana. Por ele, eu teria belos sonhos de amor complexado...

 Wesley PC>

quarta-feira, 6 de março de 2013

“ÀS VEZES, QUANTO MAIS A GENTE ACHA QUE ESTÁ LIVRE, MAIS A GENTE ESTÁ PRESO!”

Por mais que a sinopse de “Dia de Preto” (2011, de Marcos Felipe, Marcial Renato & Daniel Mattos) pareça minimamente merecedora de entusiasmo por resgatar uma lenda brasileira sobre o primeiro negro alforriado do Brasil, em 1661, assim condecorado por ter conseguido resgatar para o seu dono uma vaca prenha, a primeira imagem do mesmo – entupida de efeitos especiais plagiados de “Matrix” (1999, de Andy & Lana Wachowski) e/ou congêneres – decepciona solenemente e prova que a aventura defendida pelos realizadores é tão descerebrada quanto esdruxulamente publicitária.

Baseado em “cinco verdades essenciais sobre a liberdade” adaptadas de ditados populares (vide quadro abaixo), o filme deixa claro que as influências anglofílicas mais execráveis e equivocadas (vide entrevista com umdos diretores) foram deglutidas da pior forma possível e emaranhadas numa mistura indigesta e deslumbrada que, em seu suposto anti-racismo, opera uma verdadeira negação do Brasil, para utilizar uma expressão levada a cabo pelo militante radial audiovisual Joel Zito Araujo. As vergonhosas declarações do diretor Marcos Felipe sobre o cinema brasileiro oitentista e a subsunção chula do filme aos piores clichês tecnológicos de ação num ‘shopping center’ justapõem-se na péssima apreciação do filme, com certeza, uma das piores produções hodiernas do Brasil, abaixo até mesmo – em matéria de ideologia e entreguismo capitalista – das mais pífias e seriais produções da Globo Filmes. Pior do que um engodo, um lixo vergonhoso e politicamente deletério!

Enquanto forçava-me para agüentar o horrendo filme até o final, imaginava a cara de desprezo que um sociólogo recém-formado emitia diante das hediondas cenas protagonizadas pelo inexpressivo Marcelo Batista. Como pode alguém ter gostado deste filme?! Nesta página, inclusive, podemos perceber alguns admiradores do mesmo (credo!)... Pelo menos, os diretores foram sinceros ao exibirem, nos créditos finais, as dezenas de filmes estadunidenses que os influenciaram – se bem que, de supetão, eu o achei muito mais parecido com as obras do Park Chan-Wook que com o referido “Matrix”. Reforçando que não existem coincidências, enquanto escrevo estas linhas, o cineasta militante Spike Lee ocupa-se com uma refilmagem do filme mais famoso deste sul-coreano vendido. Tristes tempos para quem se acha alforriado... Perto deste filme, "Django Livre" (2012, de Quentin Tarantino) é a Lei Áurea!

Wesley PC>

segunda-feira, 4 de março de 2013

APESAR DE NEM SEMPRE TER AS PERNAS ROBUSTAS DO ANFITRIÃO AO REDOR DO MEU CORPO, A TERCEIRA TEMPORADA DE “THE WALKING DEAD” VALE POR SI MESMA!

Há poucos minutos, assisti ao décimo segundo episódio da terceira temporada (31º na contagem geral) do seriado “The Walking Dead”, chamado “Clear” e traduzido como “Liberado” na versão que adquiri. Acompanho este seriado desde o maravilhoso primeiro episódio, dirigido por Frank Darabont, e, ao contrário de outras séries – como “Lost”, “Homeland” e “True Blood”, por exemplo, que são muito interessantes no início, mas se desgastaram ao longo das temporadas (o que torço para que não aconteça com o excelente “Game of Thrones”, cada vez mais fantasioso, no segundo mais preocupante do adjetivo) – oferece-nos roteiros cada vez mais permeados por dilemas morais difíceis de serem resolvidos.

Para quem não acompanha o ótimo “The Walking Dead”, este é um seriado que acompanha as tentativas de um grupo de indivíduos para continuar sobrevivendo num mundo empestado de zumbis ávidos por carne humana. Na primeira temporada, os personagens se deslocavam através de espaços urbanos; na segunda, eles ficaram confinados numa fazenda aparentemente confortável; e, na terceira, adotaram uma penitenciária abandonada como refúgio, mas, aos poucos, os sobreviventes precisarão lutar não apenas com os zumbis, mas principalmente com outros sobreviventes, ainda mais beligerantes que os mortos-vivos. O pior de todos: um déspota cognominado “O Governador” (interpretado por David Morrissey).

Chefiados pelo xerife Rick Grimes (Andrew Lincoln), cada vez mais paranóico e estafado à medida que os episódios se acavalam, estes personagens lidam com conflitos eternos, dores atrozes, perda de entes queridos, privações fisiológicas elementares e rivalidades inevitáveis. Na terceira temporada, a esposa do protagonista faleceu, em decorrência de um parto. A criança está viva e é bem-cuidada pelos demais seres humanos, incluindo o seu irmão mais velho, Carl (Chandler Riggs), uma criança cada vez mais forçada a pular a adolescência e ir direto para uma idade adulta absolutamente fria e belicosa. No episódio que vi hoje, por exemplo, ele, seu pai e a impressionante Michonne (Danai Gurira), uma excelente espadachim mal-humorada, abandonam um transeunte humano que suplicava por uma carona na estrada. Na cena final, vemos os restos sangüíneos do transeunte, e os três personagens cinicamente dão a ré no carro para carregar o bornal abandonado do recém-falecido. Eles se tornaram desumanos, portanto! A questão-mestra do seriado: quem é capaz de julgá-los, diante de tudo o que estão enfrentando?

Apesar de eu apreciar bastante o seriado, a minha fidelidade ao mesmo dá-se muito mais pela afeição de um colaborador espermático, que me agradece com efusão sempre que eu lhe consigo antecipadamente o episódio que só será exibido televisivamente no dia posterior, pelo canal fechado Fox. Na noite de hoje, uma rival carente e merecedora de seu afeto (não posso negar) – à qual, por necessidades paraficcionais, apelido de “a ribeiropolense” – o abraçava enquanto víamos o episódio. Quem sou para julgá-la ou sentir inveja disso? Se tudo der certo, amanhã estarei fazendo o mesmo, noutro contexto mais humilhante mas seminalmente beneficiador. Viver é competir também: a arte é, ainda assim, não desaprender a compartilhar. Mais do que tentar, todo início de semana eu ponho isso em prática (ainda que, na maioria das vezes, de forma involuntária e/ou passiva). Amar é sobreviver!

Wesley PC> 

ULTIMAMENTE, DEI PARA FICAR NOSTÁLGICO...


Além do astro belga das artes marciais Jean-Claude Van Damme, do falso indígena televisivo Leonardo Brício e dos modelos de cuecas fotografados sem cabeça para a revista de vendas Hermes, um dos principais musos condutivamente masturbacionais de minha pré-adolescência foi o ator paulista Guilherme Leme. Protagonista da célebre telenovela “Vamp” (exibida em 1991 e reprisada em 1993, pela Rede Globo de Televisão), este astro em ascensão também chamou a minha atenção erótica quando interpretou um michê no filme “Anjos da Noite” (1987, de Wilson Barros), cujas cenas finais eu vira na TV Bandeirantes antes de sequer saber que era capaz de ejacular. Tendo acesso ao filme na manhã de hoje – graças ao canal pago Curta! – fiquei impressionado com a qualidade vanguardística do mesmo: o que teria sido de mim hoje se eu tivesse visto integralmente o filme quando imberbe? (risos)

No enredo do filme, diversas tramas se entrecruzam: a do referido prostituto juvenil (Guilherme Leme), que se apaixona por um executivo (Marco Nanini), mas se deixa seduzir pela ex-namorada atriz deste (Marília Pêra); a do diretor de teatro (Antônio Fagundes) que acha um cadáver no apartamento de um amigo quando tenta fazer sexo com uma jovem recém-chegada da Bahia por quem se apaixona; a da ricaça amante das artes (Zezé Motta) que permite que uma estudante de Sociologia (Bé Valério) assista a seus ‘videotapes’ particulares enquanto sua assistente (Aída Leiner) e um empregado atlético (Aldo Bueno) fazem sexo; a do delegado corrupto (Cláudio Mamberti) que pede para assassinar um executivo, mas não atinge êxito, degolando um inocente em seu lugar; a dos travestis (entre eles, um irritadiço Chiquinho Brandão)que dublam canções de Tetê Espíndola, Heitor Villa-Lobos, Liza Minnelli e Maysa no palco da boate comandada pela personagem de Eliana Fonseca; e por aí vai...

Para além dos diversos méritos técnicos e actanciais do filme, premiados em quase todos os festivais de cinema brasileiro da época, o que mais me impressionou nesta audiência tardia porém oportuna foram os sábios artifícios da direção, que confundia situações teatrais, eminentemente cinematográficas e musicalmente realistas numa mesma seqüência, sendo deveras exitoso em sua demonstração de que o que mais apavora aqueles personagens – e talvez nós, os espectadores – é o medo da solidão.

O propalado estilo “neón-realista” do filme me encantou deveras e, por algum motivo, também me trouxe à tona as experiências automonossexuais atreladas à telenovela “Despedida de Solteiro” (1992-1993), cuja foto de divulgação na revista Contigo! mostrava o quarteto central (os jovens Felipe Camargo, João Vitti e Eduardo Galvão e o maduro Paulo Gorgulho) de sunga, numa imagem que até é recordada com certa nostalgia seminal por mim. Foi ótimo (e erotógeno) ter revisto este filme pela manhã!

Wesley PC> 

domingo, 3 de março de 2013

“ISTO NÃO É UMA RECAÍDA: TU SURTASTE! NÃO TE CULPES: SURTAR É BOM...”

Fazia tempo que eu não via nada do Xavier Beauvois. Conheci este (então) jovem cineasta no irregular mas sedutor filme “Não Se Esqueça Que Você Vai Morrer” (1995), visto faz muito tempo e emulado aqui. Com o passar dos anos, soube que o Xavier Beauvois envelheceu (mal), mas a simpatia mui particular que nutro por este filme primevo me levou a ficar bastante curioso quando soube que “O Pequeno Tenente” (2005) estava sendo exibido numa mostra de cinema francês local. Perdi o filme à época e nem fiquei tão chateado assim, visto que me deixei convencer pelas pessoas que o viram no cinema e desgostaram...

Nesta noite de domingo, soube que o filme seria apresentado num canal fechado francês e, intuitivamente, o indiquei a um sociólogo preocupado com a investigação de questões raciais e, agora, com as motivações profissionais de subsunção aos psicofármacos. Por mais de um motivo, soube que o filme tinha a ver com estes temas, mesmo não tendo-o visto ainda. Assistindo ao mesmo, fiquei impressionado com a sua qualidade, com a sua firmeza: começa como um estudo individualizado de personagens, avança em direção a uma investigação profissional e se revela como um interstício entre ambas as propostas.

O “pequeno tenente” do título é um jovem interiorano que se forma no Exército e resolve trabalhar num departamento policial parisiense enquanto sua esposa continua trabalhando como professora numa cidade interiorana. Na metrópole, ele opta por trabalhar ao lado de uma competente chefa de polícia que, há dois anos, vem tentando se livrar do alcoolismo. Em menos de um mês, ele se envolve com um caso de assassinato envolvendo um sem-teto polonês espancado e afogado por dois criminosos russos. O restante é pura imersão trabalhista, num viés que traz à tona justamente trabalhos anteriores do Bertrand Tavernier, com certeza uma influencia definitiva na carreira beauvoisiana.

Impressionou-me sobremaneira no filme o fato de que, em quase todos os cômodos onde se passam as ações, havia pôsteres de filmes famosos, de Quentin Tarantino a Steven Spielberg, de Jean-Pierre Melville a Sergio Leone. Além disso, a interpretação de Nathalie Baye cresce bastante à medida que o protagonista Jailil Lespert sutilmente sai de cena, depois que é esfaqueado por um de seus perseguidos, enquanto o parceiro ingeria cerveja num bar vizinho. Identifiquei-me bastante com a determinação empregatícia dos personagens e projetei positivamente a minha própria abstemia em relação ao comportamento atormentado dos personagens. Numa cena-chave, por exemplo, o tenente e sua superiora fumam maconha numa praça, quando um transeunte pede um “tapinha”. Quando eles cedem o baseado, o beneficiado exclama: “vocês não têm medo de fumar isso por aqui?! O bairro está cheio de tiras!”. Todos sorriem diante da poderosa ironia da cena. E, se uma das cenas sutis que mais gostei no filme é aquela em que o tenentezinho admira a sua arma enquanto se deita num quarto de hospedaria (esta que ostenta o cartaz, aliás), a cena final provou que o cartaz de “Os Incompreendidos” (1959, de François Truffaut) focalizado numa dada parede de bar não fora gratuito, casual, aleatório. O mesmo sendo dito sobre o consolo contido no título desta postagem, proferido quando a chefa do personagem-título se embebeda com gim depois que ele é hospitalizado em estado grave de saúde. Deduzo, portanto, que preciso ver mais filmes do Xavier Beauvois: se o iniciático “Nord” (1991) é difícil de ser encontrado, disponho de uma cópia de “Homens e Deuses” (2010) em minha casa faz tempo. De terça-feira não passa...

Wesley PC>  

“A DERRADEIRA DOR SERIA GOZAR SEM LIMITES”, CONCLUI O LACANIANO JUAN-DAVID, A PARTIR DE UMA LEITURA DE SIGMUND FREUD!



“A dor não é estar insatisfeito, mas, pelo contrário, estar entregue a uma insatisfação fora de medida. A insatisfação das pulsões refreadas pelo recalcamento é, de fato, menos penosa que a satisfação absoluta que essas pulsões teriam obtido se não tivessem sido detidas pela censura. Sem a censura do recalcamento, conheceríamos a derradeira dor de um gozo ilimitado. Assim, o recalcamento nos protege contra a hipotética dor da explosão do ser” (J.-D. Nasio – “A Dor de Amar” – página 146).

Posso calar a boca?
Posso agradecer pelo recalque imputado?
Posso admitir que tive vergonha de mencionar o título do livro num SMS?
Posso poder?

Numa página anterior (p. 104), o próprio autor me responde: “o perverso não pode absolutamente nada! São criaturas tristes, que, exceto nesses momentos de excitação que são as cenas de perversão, ficam mal, muito mal, apagam-se completamente. Há três estados para o perverso clínico: o estado de excitação quando o impulso o habita; o estado de tristeza após o ato perverso (a experiência perversa é em geral uma série de fracassos retumbantes, e ainda que não haja fracassos, o perverso é triste); e o terceiro estado é um estado de tédio, a vida é um tédio. Em geral, são intelectuais; não se pode negar, não são artesãos nem pedreiros, em geral estão entre os professores, entre pessoas como nós. O perverso tem apenas, em contrapartida, uma capacidade extraordinária, um dom extraordinário – nisto, é superior a todos nós –, o dom de encenar seu desejo perverso”. Isso eu não tive vergonha de compartilhar. Mas, oficialmente, eu não sinto tédio. Não é preciso sentir tédio...

Wesley PC> 

EU SOU EU E O OUTRO É O OUTRO!


Numa das diversas cenas impressionantes do filme "Estranha Compulsão" (1959, de Richard Fleischer), os dois protagonistas ricos, nietzscheanos, homossexuais e assassinos assistem ao desfile do que eles batizam como "bode-Judas" diante de vários carneiros. A função do caprino negro é conduzir os ovinos brancos para o abate, ao qual pelo menos um dos jovens assiste com prazer. Mais tarde, o personagem advocatício de Orson Welles assume a defesa dos dois rapazes ricos e inteligentíssimos (ainda que um deles tenha a inteligência emocional de uma criança de 7 anos, segundo declara um psicólogo) num tribunal. Queimam uma cruz de ódio diante da janela do quarto onde o advogado está hospedado. "Ricos e pobres têm os mesmos direitos...". Seria uma mera coincidência ter tido acesso a este filme logo ontem?!

Wesley PC>