sábado, 3 de outubro de 2009

GINOCÍDIO É PARA QUEM ENTENDE!

Não escrevi a palavra erroneamente. Em “Anticristo” (2009), do Lars Von Trier, esta é a palavra-chave: ginocídio (com I), morte de mulheres, tema que a personagem feminina pesquisa em sua tese sobre a natureza humana do Mal.

Finalmente tive a graça de ver este filme tão badalado, numa cópia horrenda, mas que permitiu que eu e meus amigos interagíssemos (para o bem e para o mal) com a piada de humor negro dirigida contra a psiquiatria de araque. Não consigo me apiedar imediatamente com quem tem aquele tipo de distúrbio psicótico-traumático, mas sei bem o que querem dizer os títulos de três capítulos do filme: “Sofrimento”, “Dor (O Caos Reina)” e “Desespero (Ginocídio)”. Pode ser um dos filmes menos elogiados do diretor dinamarquês, mas o seu sadismo característico está lá – e, como sempre, é tudo menos gratuito!

É perigoso contar qualquer coisa sobre este filme, sob pena de estragara as surpresas e seu impacto inegável, mas gostaria aqui de externar minha reação de completo estupor diante da cena mostrada na foto, quando, tomada pela angústia e pela culpa de saber que seu filho pequeno morreu enquanto ela fazia sexo, a personagem feminina (Charlotte Gainsbourg) bate sua cabeça repetidas vezes contra um vaso sanitário. Doeu nela e doeu em mim!

Se é um bom filme de terror, conforme anunciam os divulgadores? Qual filme trieriano não o é? A fim de não criar qualquer expectativa problemática, prefiro dizer que “Anticristo” realmente funciona como terapia para quem acredita sofrer de depressão. Eu particularmente não gostei muito – mas que ele é impactante e bastante recomendável, jamais negarei!

Wesley PC>

SOBRE A VIDA PESSOAL DOS PROFISSIONAIS:

“Posso te fazer uma pergunta hipotética? Se um homem armado entrasse em tua casa e apontasse uma arma carregada para o rosto de tua esposa, dizendo: ‘ou estouro os miolos dela ou explodo o jornal’, o que tu escolherias?”

Quem nunca esteve envolvido neste tipo de dilema por causa de alguma paixão profissional? Não posso falar por todos, mas eu já estive – muitas vezes, aliás! E, graças ao irritante cineasta mostrado na foto, hoje pela manhã chafurdei novamente numa destas crises profissionais. Passemos antes a um resumo da história:

Em 1999, quando eu era mais um filho de empregada doméstica trabalhando como contra-regras de companhia teatral infantil (oh, realidade comum!), tinha decidido fazer vestibular para Jornalismo meio que por instinto. Não passei da primeira vez. Na segunda, mudei a opção para Radio/Televisão, dado que cria que este curso seria mais indicado para as minhas pretensões audiovisuais. De fato era. Porém, o modo como o curso era ministrado fez com que eu me sentisse apenas um primo pobre dos estudantes de Jornalismo. Ao invés de estudarmos sobre todas as nuanças das duas formas de comunicação midiáticas contidas no título do curso, a estrutura do Departamento permitia apenas que transpuséssemos as notícias pesquisadas por nossos colegas da mídia impressa para o rádio ou a TV. Depois do reconhecimento do curso, que abreviou seu nome para Radialismo, as opções ficaram ainda mais estreitas. Conclusão: tenho agora um diploma de Radialista socado em minha casa e trabalho num balcão de administração universitária. Não me arrependo de nenhuma opção que me foi dada a escolher, mas, admito: se o Jornalismo (o daqui de Sergipe, pelo menos) não fosse tão atrelado a esta sanha pela notícia nova, talvez fosse esta uma carreira ideal para mim. Fica o proto-sonho registrado. Hoje eu sou o ensaio de outra coisa, mas ainda me sinto ativo.

Toda esta introdução foi apenas um pretexto para que eu indagasse se, caso eu não passasse pelo curso que eu passei, veria o simpático filme do execrável Ron Howard com os mesmos olhos e sentimentos. Filme em pauta: “O Jornal” (1994), que eu quis ver desde que tinha 14 anos de idade, mas que somente hoje eu consegui. Obviamente, os personagens principais do filme não são as pessoas, mas os estereótipos profissionais e os espaços em que eles convivem. Lá estão: um chefe de redação (Robert Duvall) com câncer de próstata que tenta rever a filha que não mais fala com ele; um jornalista obcecado pelo trabalho (Michael Keaton) que se divide entre convites de emprego em jornais rivais e a histeria de sua esposa grávida (Marisa Tomei); uma funcionária agora confinada ao setor administrativo (Glenn Close) que enfrenta crises pessoais nos vieses financeiro e amoroso; e um colunista bem-humorado (Randy Quaid) que é pessoalmente perseguido pelos funcionários estatais que denuncia como irresponsáveis. Todas estas tramas entrarão em clímax simultâneo quando uma prisão inocente for desvendada ao mesmo tempo em que uma mulher leva um tiro na perna quando tente ligar para a prensa e reimprimir o jornal com uma notícia diferente, mas alguns de seus funcionários estão brigando num bar ou suportando uma pessoa querida que sofre uma hemorragia vaginal no estágio final da gravidez. Pode parecer tudo muito banal, clicheroso ou específico, mas gostei muito do filme. Me fez ter vontade de trabalhar de novo – e, em nome de um suposto “bem comum”, esquecer de problemas pessoais irresolúveis.

Por isso, pelo menos hoje pela manhã, bato palmas para o salafrário Ron Howard.

E sobre a pergunta hipotética lá de cima, contraponho um dilema ainda maior proposto por um personagem de Woody Allen: “se tu estivesses no interior de um incêndio e tivesse que escolher entre salvar a vida de um reles desconhecido e o último exemplar de uma peça de William Shakespeare, o que tu farias?”. Confesso que nunca consegui responder a isso.

Wesley PC>

TENHO MEDO DE ME TORNAR INVEJOSO E/OU CIUMENTO - MAS ISSO NÃO BASTA!

Mas é “a ordem natural das coisas”, tal qual um jovem de 20 anos morrer antes da avó. Não me seria ideal buscar as exceções? Criado como proto-cristão e ciente de que necessito compensar todos os anos em que fui um sociopata convicto, enxergo no boicote de qualquer projeção de posse imaginária sobre pessoas que conheço uma tentativa de sobrevivência. Mas, por dentro, eu as controlo, eu as vigio, eu as desejo, eu sei que minha hora já passou...

Conforme disse antes, na noite de ontem, fui sozinho a uma sala de cinema, assistir a um curta-metragem sobre um menino interando com câncer. Num delírio terminal, ele encontra seus melhores amigos, seus familiares mais queridos e o amor de sua vida. Num impulso psicológico incontrolável, fiquei tentando imaginar como seria se fosse eu no lugar dele e senti-me deveras culpado por imaginar, ainda, que manipularia as pessoas com truques baratos de chantagem emocional patológica aprendidos com minha mãe. Tenho medo de receber voluntariamente. Talvez eu esteja velho, talvez o tempo tenha passado e eu desperdiçado as minhas chances ou gasto-as através do histrionismo, talvez eu não mereça, talvez eu não perceba, talvez não existam mais “talvezes”, talvez...

As três pessoas que dividem espaço na fotografia não são mais vistas por mim: uma porque não tem tempo ou vontade ou paciência, que seja; outro, porque está longe espacialmente; e um terceiro porque eu lhe causei ódio. Por um estratagema previsível do destino, amo violentamente estes três garotos. Cada qual a seu modo, sinto falta de cada um dos minutos que passei ao lado deles. Mas devo estar pagando por meus erros. Assumo a culpa, como mais digna e covardemente possível das atitudes. Mas isto não resolve nada: continuo a sentir falta deles, vigiá-los, persegui-los, observá-los, desejá-los. Por que não consigo admitir que minha hora já passou?

Em várias oportunidades, recebi admoestações para não falar sobre estas pessoas aqui, para não irritar os possíveis leitores com lamúrias vãs de um psicótico apaixonado, expondo detalhes sobre vidas de outrem, que têm o direito de fazerem o que quiserem com suas próprias vidas, por mais que, me minha cabeça demente, isto pareça me afetar. Obedeci, mas continuei a incomodar (no sentido pejorativo do termo) mesmo assim. Meu mal seja existir, talvez. É o preço que se paga...

Wesley PC>

“NUM FAZ BEM DOMAR A RAIVA”...

Um homem repete isso para si mesmo enquanto embosca o irmão que supostamente está dormindo com sua mulher, segundo acusação de um afilhado abobalhado que, na verdade, é seu filho ilegítimo. Em poucas palavras, este é o clima que perpassa “Olho de Boi” (2007), filme de Hermano Penna que, exibido com alguns breves problemas de som na noite de ontem, fez com que seu diretor berrasse, irritado: “este é o cinema brasileiro!”. O que um problema técnico ocasional tem a ver com a generalização da produção cultural de um País? Prefiro não debruçar muito tempo sobre este tema e, ao contrário do que faz o protagonista, domar – e muito – a minha raiva. Não vou falar mal sobre nada do que vi este ano no Festival Ibero-Americano de Curtas-Metragens de Sergipe (CURTA-SE 2009). Muito pelo contrário: por mais que a programação deste ano não esteja tão atrativa quanto a de edições anteriores, receio que os organizadores do evento (ou melhor, a organizadora Rosângela Rocha) merecem elogios pelo tino organizativo. Estou sendo obviamente concessivo com esta declaração, mas sou sincero no que digo: parabéns!

Aproveitando o ensejo, convém elogiar também o curta-metragem “Relicário” (2008, de Rafael Gomes) também exibido na noite de ontem. O tema do curta é um tanto repetido em produções recentes (um jovem percebe que vai morrer e, como tal, repensa o que foi feito de sua vida nas últimas horas de vida), porém a sinceridade interpretativa do mesmo faz com que sejamos inquiridos acerca de como nos sentiríamos em situação similar: acreditaríamos em Deus se fôssemos morrer de câncer aos 20 anos de idade? Acharíamos convencida a pessoa que amamos se esta dissesse que sabe o quanto a amamos? Sorriríamos ao reencontrarmos a avó que nos ensinou a viajar pelo mundo, mesmo se estivéssemos “invertendo a ordem natural das coisas” e morrendo antes dela? Agradeceríamos por nosso melhor amigo talentoso ter aberto um parêntese em sua carreira de poeta para nos escrever um réquiem? Tudo bem, admito que alguns destes pensamentos interrogativos são demasiado pequeno-burgueses, mas... Quem não é assim diante da morte certa e anunciada? Quem não enxerga nesse tipo de questionamento um problema menor quando se percebe progressivamente invejoso em virtude de não conseguir se imaginar numa situação similar à da foto, uma das cenas finais do curta-metragem, quando menina e menina se despedem na praia, declarando eternamente o amor que sentem um pelo outro? É tempo de eufemismos em nome do bem comum...

Wesley PC>

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

LÁGRIMAS IRÃO ROLAR (TÍTULO DE UMA COLETÂNEA DE CANÇÕES DE UMA CONHECIDA DUPLA BRITÂNICA):

E no caminho para o trabalho, ouvi uma coletânea do Tears for Fears, banda que emocionou muitos corações na década de 1980, inclusive o meu, que, à época, era um fã tímido dos filmes de Kenenth Brannagh. Hoje, este cineasta britânico está divorciado e não mais realiza obras tão talentosas e prenhes do fervor shakespeareano quanto outrora e eu não tive tempo de escrever no ‘blog’. Lástima!

“Shout, shout, let it all out
These are the things I can do without
Come on, I'm talking to you, come on”

Minha vida é uma coleção de enganos. Próximo!

Wesley PC>

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

MUDA ALGUMA COISA QUANDO SABEMOS QUEM É O CULPADO?

Um menino inteligente entrou no DAA hoje à tarde. Contei para ele que, nesta semana, estou realizando o sonho de assistir à primeira temporada da elogiadíssima série televisiva “Twin Peaks”, criada, produzida e eventualmente dirigida por David Lynch. Ele não pôde conter o grito: “que coincidência! Baixei esta primeira temporada do mesmo seriado esta semana!”. Mais um sinal?

Que seja! Quando pequeno, gastei muitas noites amarguradas desejando ver este seriado, mas o mesmo era exibido muito tarde, num canal que a televisão tardia de minha casa não abarcava. Lembro, porém, da publicidade da época: “quem matou Laura Palmer?”. Hoje eu sei, graças a um longa-metragem posterior dirigido pelo próprio criador da série, quem é o assassino da pacata jovem loira que aparece defunta na pequena cidadela que intitula o filme. Será que este detalhe interfere na minha apreciação do seriado, dado que o mesmo é de caráter investigativo? A resposta assume caráter de reflexão apreciativa, explicando para mim mesmo o porquê de eu não me apegar aos seriados norte-americanos, mesmo os de qualidade.

Analisando-se o seriado e toda a mixórdia de personagens bizarros, encantamo-nos com a encenação dos mesmos, com a antológica trilha sonora de Ângelo Badalamenti, com as excelentes interpretações e com o argumento suspensivo sempre excitante, mas... Puxa, as tramas de cada episódio isolado são tão formulaicas. Depois de três episódios, meu interesse pareceu tão secundário...

Faltam 2 episódios.
Talvez eu comente aqui depois.
Mas sei quem matou Laura Palmer!

Wesley PC>

A IRONIA CÔMICA DE UMA PEQUENA TRAGÉDIA

Coisas estranhas acontecem com pessoas estranhas! No mês passado, meu irmão mais velho (que agora encasquetou de ser fazendeiro) trouxe uma perua choca para tornar-se mãe no quintal de minha casa. Como ele providenciou ração suficiente para tal, galinhas e patas obtiveram êxito em propostas semelhantes e animais sempre fazem boa companhia a minha mãe, a idéia pareceu zoologicamente ótima para todos. Por algum mistério infeliz, a perua apareceu morta em seu ninho, há dois dias. Minha mãe chorou, amargurada, e meu irmão caçula ficou deveras triste. Ninguém sabe explicar o motivo de sua morte. Visando atenuar as conseqüências trágicas de tal falecimento precoce (qual não é?), meu irmão mais velho conseguiu que um fazendeiro oficial se responsabilizasse pelos 16 ovos fecundados e órfãos. Às 5h da madrugada de hoje, um caminhoneiro bateu em minha porta, solicitando os tais ovos. Como eu estava muito sonolento (fui dormir demasiado tarde hoje), não acordei quando tal pessoa chamou e não pude assistir ao curioso filme que estava sendo exibido na TV, a animação mexicana “Una Película de Huevos” (2006), de Gabriel & Rodolfo Riva Palácio Alatriste. Seria mais uma daquelas assustadoras e agradáveis coincidências que me perseguem? Se me serve de consolo, o filme será novamente exibido algum dia, dado que os filmes exibidos em TV por assinatura comumente se repetem. Considero-me intimado. Quanto à falecida perua, admito que convivemos pouco tempo juntos, visto que ela quase não abandonava seu confinamento maternal, mas, puxa, já estou com saudades dela!

Wesley PC>

E, MAIS UMA VEZ, O JULIANO CAZARRÉ ME DEIXOU POSITIVAMENTE TENSO...

Não que “A Festa da Menina Morta” (2008), dirigido, escrito e musicado por Matheus Natchergaele seja um filme ruim. Mas, em seus 110 minutos de duração, a sensação que prepondera sobre o espectador é que algo vai acontecer, que algo pode acontecer, mas que este algo nunca chega. Considerando-se o clima de anunciação questionável que o filme transmite desde a primeira cena e a minúcia antropológica com que seu ambiente amazonense é reconstituído, em inversa sintonia com o histrionismo de algumas atuações (comentário este de um amigo meu), o sentimento que mais me tomou durante a sessão foi uma espécie de tensão apaziguadora. Achei o filme mal-resolvido e inócuo em muitas situações, mas ele mexeu comigo – isto é certo!

A trama principal do filme é centrada nos preparativos para o evento do título: a comemoração para-religiosa do aniversário de 20 anos de uma jovenzinha falecida, cujo irmão autodenominado Santinho (bem interpretado por Daniel de Oliveira) alega ter poderes sobrenaturais, ao passo em que grita o tempo inteiro com aqueles que o cercam. Maltrata sem piedade uma garota que insiste em lhe servir e desenvolve uma relação incestuosa com o pai alcoólatra, ao passo em que se destaca na aldeia por ser “branquinho”, sem os traços indígenas da população local. Porém, o que mais me incomodou (no melhor sentido do termo) é a relação ambígua que ele desenvolve com Tadeu, personagem vivido pelo brasiliense Juliano Cazarré, que já havia me seduzido no polêmico filme de estréia do José Eduardo Belmonte. Na cena mostrada em fotografia, ele se banha depois de, completamente embriagado, brigar com um homem que se aproveita do evento-título para comercializar. Numa cena, vemo-lo chorar enquanto derrama água sobre seu corpo nu. Na cena seguinte, acompanhamos diversos quelônios bebericando a água que escorre de seu banho. Não sei se a cena consegue transmitir a significação desejada, mas é que é tensamente bela, ah, isto é!

Para quem não viu o filme, um adendo: busquem-no, dado que, em nenhuma outra obra, veremos novamente o espetáculo significativo das Trigêmeas Espaciais, que antecede uma exótica apresentação de índios dançarinos de ‘hip-hop’. A Amazônia não é mais a mesma. Tristes e cruéis tempos: “a palavra deste ano é dor!”
Wesley PC>

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

UM POUCO MAIS (OU MENOS) SOBRE “SE NADA MAIS DER CERTO”:

Um dos segmentos do filme chama-se precisamente “o trabalho danifica o homem”. Estando eu sentado no meu ambiente de trabalho, talvez agora eu possa comentar o filme um tanto mais objetivamente. Será que eu consigo? Acabaram de me perguntar se eu gostei do filme e eu não consegui evitar o impacto: “bastante”. É mentira! Eu só o achei mais ou menos, mas... Puxa, insisto, como ele tem a ver comigo!

Nas primeiras cenas, quando encontrei os personagens divagando numa mesa de bar e a câmera focalizava de perto cacos de cerveja, fiquei explicando para mim mesmo que não sou boêmio quanto os meus melhores amigos, mas pelo menos dois grupos deles bebem a rodo, divertem-se freneticamente com os mais diversificados “amplificadores do músculo cerebral” possíveis. Sendo eu tão conservador, por que me dou tão bem com eles? Por vias opostas, o filme respondeu.

Não obstante ser inferior ao carnal “A Concepção” (2005), “Se Nada Mais Der Certo” (2008) é muito coeso. Substitui o discurso ostensivo por uma estética ainda mais modernosa, repleta de riscos na tela e cortes pós-modernos, mas funciona, demonstra a que veio. Numa das seqüências mais relevantes do filme, o jornalista Leonardo (Cauã Reymond) pede que o travesti Sybelle (Milhem Cortaz) devolva a carteira de identidade de sua namorada bulímica Ângela (Luíza Mariani), roubada quando esta última se meteu numa briga por causa de cocaína. Cinicamente, o travesti responde: “há muito tempo que eu abdiquei de minha identidade para ganhar dinheiro. É isso o que farei agora: eu quero dinheiro”. Detectamos aí a primeira mudança em relação ao filme anterior do cineasta: se o filme mantém a coesão em relação ao tema da perda voluntária da identidade (vide a imagem que ostenta o cartaz de “A Concepção”), esta não tem mais a ver com o anarquismo imediatista e sim com o oportunismo monetário revoltoso dos dias metropolitanos hodiernos. Se esta mudança é negativa? Seria errôneo de minha parte julgar o filme, dado que o seu diretor é destacadamente meritório num aspecto: ele acompanha muito bem a realidade contemporânea!

Ainda analisando as particularidades intra-metafóricas do filme, merece destaque uma situação recorrente: o filho da bulímica citada divertia-se ao colecionar as figurinhas adesivas de álbum sobre o Campeonato Brasileiro de Futebol. Faltava somente uma para completar a coleção. Por não conseguir encontrá-la, ele se torna obsessivo. Compra pacotes e mais pacotes de figurinhas e não acha a que ele precisa, até que, quando fora obrigado a esquecer o álbum numa fuga, ele a encontra, quando não tem mais onde colar, quando perdeu toda a sua coleção. Não é mais ou menos isso que acontece com os personagens (e com nós mesmos, talvez) em relação ao dinheiro e/ou demais bens materiais: desejamos, requisitamos e sempre desejamos mais – e, ainda assim, não estamos satisfeitos. Pós-conclusão imediatista: abrem-se as portas do crime, disfarçadas de revolta sistemática. Noutra situação, eu ficaria emputecido. Aqui, não fiquei.

Em dado momento, o protagonista Leonardo, alegando estar na miséria absoluta, sem dinheiro para nada, rouba algumas cédulas numa igreja e gasta-as num clube noturno. Noutro, uma empregada cobra os quatros meses atrasados de salário para comprar um presente de aniversário para o filho da vizinha. Numa terceira, ele suplica um aumento ao seu chefe (ou algo parecido) pois necessita pagar os R$ 800,00 que gasta com as consultas psiquiátricas de sua esposa. Ou seja, os bens e serviços que ele requisitava como básicos são considerados supérfluos para muitas pessoas, o que invalidaria as teorias espúrias sobre injustiça social que são despejadas ao longo do roteiro. Isso prejudica o mesmo? Insisto que não de todo. Na pior das hipóteses, a descrição de um jornalista que cita Friedrich Nietsche mas não sabia que exorcistas existem é deveras verossímil. Estas pessoas contraditórias existem!

Todas as contradições óbvias do filme, em linhas gerais, é o que ele tem de melhor. Parece que o filme é apenas um ensaio, um empurrão, um aviso. Posso não ter coragem de admitir que gostei dele, mas que o mesmo me afetou profundamente, ah, isto eu grito para qualquer um. E jamais ouvirei a canção infantil prosopopéica “Todos Juntos” da mesma forma:

“Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer
- ao meu lado há um amigo
Que é preciso proteger
Todos juntos somos fortes
Não há nada pra temer”

E, na moral, a cena registrada na fotografia é do caralho – literalmente!

Wesley PC>

“A LÓGICA DE FORMIGUEIRO” DA CLASSE MÉDIA PSEUDO-REIVINDICATIVA

Em 2005, o diretor brasiliense José Eduardo Belmonte realizou “A Concepção”, um filme bastante elogiado, que, para além de toda a sua urgência pulsional, demonstra que os fervores neo-anarquistas redundam nos vícios pequeno-burgueses sutilmente impregnados em cada um dos habitantes (leia-se sobreviventes) da contemporaneidade. Não é um filme que se mostra nem positivo nem negativo, ao final, mas sim realista: aquilo acontece – e Gomorra é a prova viva disto!

Três anos depois, o diretor muda o foco personalístico, mas retrata a mesma sensação de perda, de necessidade de gritar e revolta subsumida pela amplitude e generalização capitalistas. Para além de todos os seus problemas e para além do mau-caratismo crescente de seus personagens (que se justificam por “estarem tirando dos ricos” para defenderem seu rosseaunismo espúrio), “Se Nada Mais Der Certo” (2008) é um filme que chama a atenção. Dá raiva, mas chama a atenção. Demonstra que os inimigos contra quais lutamos podem muito bem estar dentro de nós mesmos – e, acima de tudo, é pós-moderno como a realidade monetifágica atual assim exige!

Estou tentando escrever sobre o filme de maneira objetiva, mas não estou a conseguir: a afecção causada foi muito pessoal, as coisas e sentimentos e traumas e desejos e medos e ambições de que lembrei durante a projeção foram tão táteis que, por mais que eu não tenha gostado do filme como um todo (defender personagens tão obcecados pelo dinheiro e disfarçados de anti-heróis ‘cult’ é algo inconcebível, dentro das ambições apresentadas), ele me tocou profundamente!

O elemento que mais me chamou a atenção nó ótimo trabalho directivo de José Eduardo Belmonte foi o uso da trilha sonora. A cena em que os protagonistas aplicam um golpe violento ao som de “Todos Juntos”, composta por Chico Buarque para o projeto “Os Saltibancos” (1977), é , desde já, um momento antológico de cinema maiúsculo, um ‘tour de force’ significativo, em que letra, imagens, idéias, citações filosóficas vetadas, tudo se amalgama no frenesi derrotista de que fale o filme, demorado e problemático, mas digno, comparado, sedutor, perigoso, assumido!

Numa cena de praia, quando estão a gastar os frutos monetários bem-sucedidos de uma transação de cocaína, os personagens cantam e mostram o que se esconde em seus corações: a cativante andrógina Marcin (Caroline Abras) entoa “Evidências”, divulgada por Chitãozinho & Xororó; o protagonista vivido por Cauã Reymond enceta “Bem Que Se Quis”; e a empregada da família (que, num momento duvidoso, reclama os quatro meses atrasados de salário porque não tem nem um centavo para comprar um presente de aniversário para o filho do vizinho!) avisa que conseguiu outro emprego. Emocionante!

Ah, puxa, não consigo falar sobre este filme ainda, tão impregnado pela emoção acrítica. Depois volto aqui e conto mais. Porém, puxa, como este filme me lembrou Gomorra!

Wesley PC>

terça-feira, 29 de setembro de 2009

FAZEI O NÃO-MAL E OLHAI A QUEM...

Na noite de ontem, um amigo de trabalho sentiu compulsão auditiva por bandas norte-americanas da década de 1960. Começou a escutar uma banda de nome Jethro Tull, sobre a qual eu sempre guardei algumas ressalvas, pensando que fosse comercial em excesso. Enganei-me. A banda é experimental/progressiva e muito boa. Qual não foi a minha surpresa ao, 5 minutos após começarmos a escutar um dado álbum da referida banda, recebermos a visita de um recém-formado em Filosofia, que veio buscar o seu diploma. Ele estava com dois fones de ouvido em seus respectivos órgãos de audição, de maneira que, ao prestar atenção no que o atendente estava ouvindo, perguntou ele, exaltado. “Que banda é esta?”. Respondemos: “Jethro Tull”, em uníssono. “Olha só o que eu estou ouvindo”. Quem adivinha qual era a banda?

Pois é a historinha é real, mas eu queria falar de outra coisa...
Mas, pelo menos, agora eu gosto do Jethro Tull!

Wesley PC>

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

HÁ CRIMES QUE JAMAIS EXPIRAM?

Em 1978, Roman Polanski foi acusado de dopar e estuprar uma adolescente. Ele confessou-se culpado do crime, mas insistiu que a jovenzinha consentiu com todas as táticas de devassidão festivas aplicadas na residência de Jack Nicholson. Obviamente, o cineasta foi acusado pela Justiça Norte-Americana de pedofilia, crime hediondo. Fugiu para a França e viveu lá até hoje, não podendo ingressar nos EUA nem mesmo para receber o Oscar de Melhor Diretor que lhe foi concedido há alguns anos, não obstante a menina supostamente estuprada, hoje uma mulher casada, ter retirado todas as queixas contra ele. Absurdo, em minha opinião.

Pois bem, na tarde de ontem, descubro que este gênio do Cinema fora preso na Suíça, País que mantém um pacto de extradição com os Estados Unidos da América. Detido, o cineasta será enviado de volta ao País do Tio Sam, onde será julgado e, se for considerado merecedor de culpa tardia, preso até o fim de sua vida, privado de realizar sua arte, sujeito às leis internas de “olho por olho, dente por dentre” dos cárceres mundiais. Não basta o tempo ter passado, os instintos se aplainado, os traumas de infância e idade adulta do diretor enquanto ser humano terem sido divulgados (para quem não sabe, ele foi preso num campo de concentração nazista e sua esposa grávida de 8 meses foi esfaqueada por fanáticos religiosos psicodélicos): ele é culpado e deve ser privado de sua liberdade civil para sempre. É assim que deve ser?

Sei que esse não é o tipo de coisa que deve ser comemorada, mas, nem que seja enquanto protesto, pensei que algo sobre o tema deveria ser falado. Coincidentemente (mais uma!), tinha programado o clássico “Repulsa ao Sexo” (1965) para o Cine-Gomorra de hoje, primeira parte de sua extraordinária “trilogia do confinamento”. Na trama, uma jovem e bela Catherine Deneuve desenvolve uma repulsa psicótica contra os homens, repulsa esta que desencadeará conseqüências mais que destrutivas. É uma obra-prima do gênero. Recomendo deveras!

Liberdade para Roman Polanski!

Wesley PC>

RESOLUÇÃO DE MANHÃ CEDO:


“Dei um aperto de saudade no meu tamborim
Molhei o pano da cuíca com as minhas lágrimas
Dei meu tempo de espera para a marcação e cantei
A minha vida na avenida sem empolgação

Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão
Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão”

Na manhã de hoje, senti uma empolgação que há muito não sentia: acordia 2 horas antes de meu horário tradicional de despertar e me arrumar para o trabalho, de maneira que senti que dispunha de tempo livre, de fazer o que quiser, de ler, de ver televisão, de ouvir músicas, de viver ou programar o que me resta de vida, enfim. Programar o que me resta de vida.

Admito que eu incorra no mesmo erro programativo ao longo das semanas: entristeço-me quando pessoas queridas faltam aos compromissos agendados e atenho-me exasperadamente a determinações prévias quando invento de agendar qualquer atividade. Erro meu? Vício derivado de minhas filiações burocráticas? Pode ser, pode não ser... Pode ser apenas um julgamento equivocado de minha parte, mas admito que este tipo de exigência causa-me problemas cada vez mais recorrentes. Tenho que mudar? Não sei. Sei que foi lindo e emcoionante ouvir a imortal Clara Nunes pela manhã:

“Quis você pra meu amor e você não entendeu
Quis fazer você a flor de um jardim somente meu
Quis lhe dar toda ternura que havia dentro de mim
Você foi a criatura que me fez tão triste assim

Ah, e agora, você passa, eu acho graça
Nessa vida tudo passa e você também passou
Entre as flores, você era a mais bela
Minha rosa amarela
Que desfolhou, perdeu a cor”

Quando será que eu poderei cantar isso na vida real?

Wesley PC>

“EU QUERIA QUE ESTE FIO-DA-PESTE LEVASSE UM TIRO BEM NO MEIO DA CABEÇA. ELE É MUITO MALVADO, VELHO!”

Assim exclamou (e foi atendida) a mãe de meus vizinhos favoritos diante de “Rota Comando” (2009, de Elias Junior), um dos piores filmes a que fui voluntariado em me submeter durante toda a minha vida. Produzido como resposta competitiva ao ótimo “Tropa de Elite” (2007, de José Padilha - filme que, insisto, considero ótimo), a ação desta violência disfarçada de obra midiática ruim se passa no Estado de São Paulo e não possui um foco definido, como no outro filme. Não possui sequer trama. Possui clímaxes mal-feitos por cima de clímaxes mal-feitos, tiroteios de 5 em 5 minutos, confirmando pateticamente a reclamação de um crítico (não lembro agora quem foi, François Truffaut, talvez) que dizia que “um filme sem momentos mortos entre os clímaxes é como um colar de pérolas sem cordão: não se sustenta”. É incrível como ele teve razão ao dizer isso: o filme é absolutamente insustentável!

Chocante, para mim, foi descobrir, depois de iniciada a sessão, que o filme possui 138 minutos de duração. Repetindo: 2 horas e 18 minutos de muita ação ruim, propaganda mal-feita da polícia, atuações precárias, ângulos de câmera deletérios, música xaroposa e tudo o que mais poderia ser falado de algo que se pretende um filme. Pretende [do inglês: ‘to pretend’ = fingir], repito, dado que os elementos formais da produção assemelham-se mesmo àqueles programas sensacionalistas policiais da TV Record, no caso mais tolerante possível, com uma daquelas telenovelas espalhafatosas da mesma emissora, que gozam da audiência fiel da telespectadora com quem vi o filme. Durante o tempo de projeção do mesmo, crimes são desmantelados e a equipe policial destacada que dá nome à produção é mostrada como incorruptível e crescentemente isenta de erros. Em outras palavras: simplesmente abominável!

Depois de uma narração de abertura que plagia descaradamente um clássico dos anos 1990 dirigido por Brian De Palma, o filme se movimenta irregularmente entre o cotidiano profissional e doméstico de policiais (clicheroso em todos os sentidos), trocentos incômodos criminais enfrentados pela população em geral (cenas que, admito, assustam quem já vivenciou um assalto, estupro ou congênere) e os xingamentos intermináveis e progressivamente neutros de estouvados bandidos, que brigam por qualquer bobagem (novamente, outro clichê vicioso da atual produção brasileira sobre o tema, mas que, concordo, é realista). O problema é que o tom adotado é sempre muito condescendente, previsível até, desviando o sentido da expressão “baseado em fatos reais”, dado que, ao invés de optar pela parcialidade biográfica (perdoável), os roteiristas escolhem a previsibilidade unilateral, encerrando o filme com um repreensível lema: “existem dois caminhos: o do bem e o do mal. Aqueles que escolherem o caminho mal, mais cedo ou mais tarde, trombarão com a ROTA em seu caminho. E, se trombarem, irão passear de camburão, sentados ou deitados”. OK, OK!

Se (me) serve de consolo, a satisfação de minha vizinha ao ver um dos principais vilões do filme receber justamente um tiro certeiro na testa fez com que eu sentisse na pele o porquê de este filme abominável estar obtendo sucesso de público nos camelôs de meu País. Sentisse na pele todo o medo vinculado a tal sucesso imitativo, inclusive. E olha que eu sei o que é ter a própria casa invadida por “policiais bem-intencionados”...

Wesley PC>

domingo, 27 de setembro de 2009

A REMINISCÊNCIA DE UM PESADELO DIÁRIO

Em virtude de ter uma ansiada entrevista de emprego agendada para amanhã, meu irmão caçula não bebeu hoje. Quer se manter sóbrio para impressionar os gerentes. A fim de evitar a tentação etílica, ele não saiu de casa. Ficou vendo TV. Respeitei-o e não impus sobre ele qualquer desejo ou autoridade espúria. Fui dormir, enquanto ele se divertia. Sonhei.

Sonhei que uma colega evangélica de trabalho me repreendia por estar comunicando alguns de meus desejos eróticos. Ela, por sua vez, não percebia que se portava igualmente erótica, elogiando as proezas sexuais de seu marido. Quando ela volta a me criticar, fico tão emputecido que despejo a minha raiva moralista, critico sua hipocrisia, digo que ela não tem justificativa nenhuma para julgar quaisquer de meus comportamentos, sendo ela tão (ou mais) sexualizada quanto. Enquanto gritava, ela chorava e meus dentes caíam. Corri atrás dela, a abracei e fizemos as pazes, mas meus dentes continuavam no chão. Não tinha intenção de ser grosso com ela, mas me irritei com sua pretensão religiosa, que, às vezes, se manifesta na vida real, quando ela vem me dizer que “tudo no mundo tem sua função, diz a Bíblia. A de alguns bichos é serem comidos”. Grrrrrrrrrrrrrrr! Acordei apavorado. O pesadelo fora horrível! Por sorte, mal abro os olhos, trêmulo de horror, Rafael Torres telefona para mim. Conto o drama onírico e alivio um tanto do pavor. Na vida real, o pai desta minha colega de trabalho está em fase terminal de um câncer de próstata. Ela não pára de chorar no trabalho. E o Corinthians jogava...

Tentei ver um filme vietnamita de artes marciais enquanto tomava uma deliciosa sopa, mas não consegui: as imagens e sentimentos preocupantes não me saíam da cabeça. Desliguei a TV e deixei a TV para meu irmão, que também acordava, mais tranqüilo. Tenho sessão de sexo oral e de ensino de Física reservada para mais tarde. Talvez não aconteça. Tenho que acordar cedo amanhã, mas, antes de dormir, insistirei em ver nem que seja a cena inicial do filme mostrado em fotografia, obviamente amargurado, obviamente catártico em sua agonia pós-guerra: “Endereço Desconhecido” (2001), do sul-coreano estilizado Kim Ki-Duk. Depois eu conto se alguma coisa deu certo.

Wesley PC>

É MUITA PIMBICE, VISSE?


Desde que eu vi o insuportável apresentador de TV Fausto Silva anunciar este filme, quando o mesmo foi exibido na TV, alguns anos atrás, que eu criei uma espécie de fascínio ‘cult’: mais cedo ou mais tarde, chegaria a oportunidade em que eu veria “Histórias Reais” (1986), única produção cinematográfica dirigida pelo músico David Byrne, líder do Talking Heads. Na madrugada de hoje, o filme foi exibido na TV fechada: gravei-o!

Não conhecer ou curtir o suficiente da banda hiper-pimba que é o Talking Heads fez com que eu não interagisse do jeito almejado pelo diretor do filme: tão pesado, tão forçoso em suas críticas intelectualóides à sociedade norte-americana. Ele com certeza deve ter visto Jacques Tati antes de se aventurar pela direção, se bem que, venhamos e convenhamos, quem já viu os videoclipes de “(Nothing But) Flowers” e “Once in a Lifetime”, sabe de onde o diretor surrupiou as idéias (ou as emprestou, já que alguns videoclipes são posteriores). A mesma exacerbação de elementos ‘kitsch’, dados estatísticos e obviedades para-socialistas que caracteriza e dignifica os videoclipes, mas... Por que não funcionou enquanto filme? Talvez porque, como bem disse um crítico, a piada ficou demorada demais. Porém, cenas como a explicação do processo que fez com que os ‘shopping centers’ tornassem-se o centro da vida social consumista contemporânea, o desfile de roupas com formato de tijolos e/ou bolos de aniversários e o uso inspirado de comerciais de TV como parte da narrativa, além das músicas carregadas de protesto sutil, é claro, fazem com que o filme mereça nossa atenção – não obstante ele causar sono e/ou enfado na maior parte de sua duração.

Enquanto minha mãe me encarava atônita, sem entender ou se divertir com o que se passava na tela (com exceção dos ótimos momentos destacados), eu pensava: “será que alguém gostou mesmo deste filme?”. Soube que parte da crítica o acolheu de forma mui elogiosa, mas não consegui encontrar um desses textos com panegíricos. Fãs do Talking Heads, manifestem-se!

Wesley PC>

“FALTOU LUZ, MAS ERA DIA”...

Para quem acredita em coincidências: numa tarde, fujo dos disparates enlouquecidos (ou etílicos?) de um cobrador de ônibus comparando conformismos vencidos ou reafirmados com um amigo que desejava foder. Ao chegar em casa, minha mãe consente em ver “Onibaba, a Mulher Demônio” (1964, de Kaneto Shindo) ao meu lado. Por mais que o filme fosse selvagemmente vinculado à vanguarda hermética nipônica, ela encantou-se com a história das pobres vítimas das guerras feudais japoneses, com aquela sogra determinada e aquela nora excitada que aguardavam a volta do filho da primeira e do concomitante marido da segunda enquanto esquartejavam soldados desgarrados e vendiam suas armaduras a um traficante de recursos agricultores. Até que um homem chega às brenhas em que elas se escondiam e realizavam sua branda tarefa latrocida. E a necessidade de foder se aplica sobre ambas. A mais jovem é beneficiada ("tu estás viúva!"), a mais velha é rejeitada ("tu estás acabada!"). Desejos não-satisfeitos levam à inveja que leva ao mal que leva ao arrependimento e aos gritos de “eu não sou um demônio, sou um ser humano”. Quedas são repetidas, a energia elétrica é suspensa por algumas horas (isto na vida real) e a máscara punitiva contra a inveja e a lubricidade não sai do rosto quando chove. Os médicos não chegam à conclusão se meu irmão mais velho está vitimado pelo AIDS ou pela Hepatite C, de maneira que foi recomendado à sua (e, por extensão, à minha) família que seus pertences e talheres fossem separados. “AIDS não se transmite em abraços”, diz um chavão propagandístico. E agora, minha mãe acha que pode estar infectada com o HIV. E que eu sou doente, sempre estive. Tinha um livro sobre História Japonesa em cima da estante. Foi melhor assim...

Wesley PC>