sábado, 31 de julho de 2010

CARTINHA [A NÃO SER ENTREGUE POR DESVIO DE INTERESSES]

São Cristóvão, 31 de julho de 2010.

Prezado destinatário,

Neste momento, tu já deves estar em casa, olhando as mangueiras e os milharais que se esgueiram por tua janela. Se eu fosse outra pessoa e gozasse de melhor apreço, talvez pudesse te perguntar se foste bem de viagem, se dormiste a contento na noite de ontem, se realizaste com precisão as lições de inglês a que tu agora te dedicas. Como não posso me dar a este luxo, não obstante indicar-me alguns exemplos similares no que se refere ao trato das pessoas eletivas que gozam de tua afeição jactante e gozo ao anunciar que esta manhã de sábado me parece bem aproveitada no que se refere aos rendimentos empregatícios que tanto me entulham ao longo da semana. Como é bom trabalhar sem ouvir gritos! Como é insatisfatório estar num lugar em que tua presença seja apenas emanada...

Para o bem ou para o mal, os meus dizeres não serão transcritos, não serão enviados, permanecerão difusos nesta engrenagem ambivalente que se adianta aos movimentos cibernéticos que agora executo. Em meu íntimo, um sorriso: graças a uma resposta afirmativa de tua parte, em relação a uma pergunta de cunho estritamente profissional, pude dizer que te amava num contexto que em muito ultrapassa as minhas permissões tacitamente declaradas enquanto conviva forçado dos meandros acadêmicos. Quem me dera ter o poder de deixar realmente o não-dito pelo não-dito. Mas não o tenho. Jamais o terei...

Atenciosamente (por falta de advérbio melhor),

O remetente.

Wesley PC>

sexta-feira, 30 de julho de 2010

EM BREVE, EU SABEREI BEM MAIS!

Pelo que pude pesquisar, sequer um filme do prolífico cineasta espanhol Eloy de la Iglesia foi lançado no Brasil. Nenhum! Por esse motivo, eu engrossava a linha dos brasileiros que simplesmente não o conheciam. Graças, porém, a alguns contatos virtuais espanhóis, baixei e vi “Juego de Amor Prohibido” (1975), um filme pitoresco sobre um austero professor que rapta um casal de adolescentes em fuga e aprisiona os dois apaixonados em sua residência pomposa. As conseqüências desse seqüestro erótico são tão imprevisíveis quanto geniais no que tange ao estilo primoroso do seu diretor e ao prazer de minha descoberta: estava ali um gênio que eu precisava conhecer!

Em meio à correria do meu trabalho estafante e prazeroso, dei-me ao luxo de procurar mais alguns filmes de Eloy de la Iglesia, falecido em 2006 (sem muito alarde internacional, mas comoção generalizada na Espanha) e encantei-me com a diversidade de sues temas: um pioneiro filme de terror basco em que um canibal mistura pedaços de carne humana com macarrão; uma versão igualmente ultraviolenta de um clássico kubrickiano; um romance homossexual que escandaliza mais pela luta de classes embutida do que necessariamente pelo caráter erotógeno (vide foto); o relacionamento conturbado entre uma mulher de posses e um imenso cachorro negro; e um trio de obras adolescentes oitentistas sobre violência urbana e vicio em drogas, que planejo ver muito recentemente. Nem preciso dizer que, mesmo sem ter visto estes filmes, já sou um fã ardoroso do artista em pauta!

Se tudo der certo, em breve estarei cá falando de cada um destes filmes, no mínimo, mui “convidativos”. Enquanto isso não acontece, solicito que divulguem este nome: Eloy de la Iglesia merece ser conhecido!

Wesley PC>

quinta-feira, 29 de julho de 2010

FINALMENTE, EU O (OU)VI!


“Vocês ainda não ouviram nada!” tornou-se uma expressão muito divulgada depois da estréia de “O Cantor de Jazz” (1927, de Alan Crosland), oficialmente “o primeiro filme falado da História do Cinema”. Falado, inclusive, é termo forte. O filme é cantado (tem 5 ou 6 canções entremeadas à trama muda), mas é conduzido de forma muito preguiçosa por seu diretor. É unanimemente tachado de filme mediano, não obstante sua fama enquanto pioneiro técnico. Vi-o, finalmente, na manhã de hoje e uni-me à unanimidade: o filme é deveras mediano!

Para além desta mediania, entretanto, seu roteiro possui elementos polêmicos dignos de menção escandalizada nesse texto. Vários! Antecipo-os através de um resumo: o protagonista do filme surge em cena aos 15 anos de idade, como o futuro executor dos ideais hereditários de seu pai rabino. Um judeu deveras ortodoxo flagra-o cantando músicas de ‘ragtime’ e o denuncia a seu pai, que o expulsa de casa, dizendo que não tem mais filho, para extrema consternação de sua mãe. Anos depois, este protagonista tem a oportunidade de ascender no mundo dos espetáculos, pintando-se de negro para tal. Uma dupla conjunção de preconceitos se instaura quando o pai dele adoece justamente quando ele se prepara para sua estréia na Broadway. O restante, só para quem tiver coragem de ver o filme...

O porquê de ele ter me intrigado/chateado tanto: 1 – o embate entre pai e filho tornou-se um dos mais violentos clichês hollywoodianos ao longo dos anos; 2 – o embate entre preconceitos pró-judeus e contra negros torna-se deslavadamanete atroz à medida que o filme evolui (tanto que, em dado momento, um dado personagem alega estar falando com a sombra do protagonista quando o encontra coberto de tinta preta); 3 – o somatório entre os dois tópicos anteriores descamba para uma terceira observação preocupante: o tom nojosamente impositivo pseudo-modernizador, conforme atestado no intertítulo destacado, utilizado como resposta do filho ao pai, que não entende que ele queira seguir um destino musical diferente do que ele vislumbrava há cinco gerações... Como isso me emputeceu! Como isso me decepcionou... Esperei tanto tempo para ver este filme (suspeitando, inclusive, que ele fosse assim), mas...

Mas...

Mas...

É isso: nem sempre Estética e História se coadunam com nossos desejos!

Wesley PC>

ALFABETIZAÇÃO FORÇADA?

Perto de ir embora, o rapaz mais bonito que já trabalhou comigo recebeu a visita de uma mestranda, que pediu para verificar se o seu Diploma já estava pronto. Depois que identificamos que ela estava vinculada ao setor de pós-graduação, indicamo-la ao setor apropriado, ao que ouvimos como resposta irritada: “vocês são um bando de analfabetos mesmo!” (ou algo parecido – eu estava longe, não ouvi direito a replica). Para piorar, a desgraçada esqueceu a carteira de identidade lá no balcão. Ela voltará... Tão mais digno e belo é alimentar uma cabrita com tomates!

Wesley PC>

terça-feira, 27 de julho de 2010

ENTREMENTES, O JORNALISMO DIVERSIONAL...


Tirei a noite de ontem para ler os textos pendentes para a minha prova de Introdução ao Jornalismo na manhã de hoje. Tinha que me familiarizar com os quatro (ou cinco, a depender do autor) gêneros jornalísticos dominantes, a saber, informativo, interpretativo, opinativo e diversional (e utilitário, a depender do autor). Os três primeiros são fáceis de identificar, mas o diversional causou problemas a pelo menos 80% da classe, visto que foi tema da última questão da prova.

Por sorte, eu acertei ao menos a definição do gênero. Motivo: gosto muito de trabalhar com os interstícios genéricos, com as fronteiras entre eles, tanto que, enquanto futuro tema monográfico, planejo trabalhar algo relacionado às imbricações entre documentário e jornalístico. Penso até em pesquisar mais detidamente sobre o estilo precioso de meu amado Jean Rouch... Planos para o futuro (se assim houver). Depois comento mais sobre eles, se puder...

Mas a razão de eu ter iniciado este texto é para comentar o feito de finalmente eu ter visto “Berlim, Sinfonia de uma Metrópole” (1927), clássico mudo de Walter Ruttmann, diretor futuramente seduzido pela ideologia nazista e morto a trabalho na II Guerra Mundial, que está na lista de quase todo mundo que se autoriza a redigir “filmes para se ver antes de morrer”. Eu esperava que o filme fosse mais agitado, visto que são óbvias as comparações com o posterior e similar “Um Homem com Uma Câmera” (1929, de Dziga Vertov), mas o tom é mais contemplativo, mais brando... Bem menos expressionista do que eu pensava e gostaria que fosse e muito mais futurista do que eu pensava e temia que fosse. O que não implica que o filme não seja menos do que genial. É! Mas... Sei lá, me faltou algo...

Se me serve de consolo, fui encantado pela subdivisão do filme em cinco atos, cada um deles registrando um período específico do dia captado pelas câmeras do cineasta, do amanhecer até a madrugada, mas suspeito que vi uma versão reduzida, dado que muitas das fotos publicitárias a que tive acesso não se mostraram na cópia apreendida. Ainda assim, é um filme que deve ser revisto e indicado a outrem. Digo mais: eis o tipo de filme que eu estudarei fortemente durante este meu novo curso universitário. Que seja bem-vindo, portanto!

Wesley PC>

segunda-feira, 26 de julho de 2010

MENSAGENS DE CELULAR (OU CADA UM DÁ O QUE TEM)

1 – Tu és lindo!

Resposta: “Ei, na moral, você acha que vai conseguir o que comigo com esse monte de elogios idiotas, hein? Pare com isso. O povo pensa que eu sou viado!”

2 – Justamente por achar que não conseguirei nada que digo o que digo: não tenho nada a perder. Resta-me um compromisso com a verdade!

Resposta: “Já encheu! Se você não dá a mínima, eu sim! Eu lá quero saber o que você sente por mim? Vai encher outro!”

3 – Ah, se eu me preocupasse com o povo pensa... Ah, se ser viado fosse o crime/maldição que apregoam... Ah, se eu tivesse este poder de influência transformadora... Ah, se Deus me ouvisse e te mandasse para mim...!

Resposta: “É sério: pare de me mandar tanta merda! Eu não quero saber! Eu não me importo”.

Voltando à vida real: todos zombavam do afeto que o elefantinho Elmer sentia pela tigresa Tillie. O coitado chega atrasado à festa dela, trazendo-lhe flores. Os demais animais zombam dele, por causa de sua tromba. Ele se envergonha, mas permanece à espera da atenção dela, que, deslumbrada com seu próprio charme, ignora o sofrimento do pobre Elmer. Chateado, ele tenta esconder sua tromba, instrumento naturalmente associado à sua essência proboscídea, mas não dá certo. Até que ouve os conselhos de uma girafa experiente e aprende a lidar com suas diferenças natas. Em dado momento, sua tromba será o diferencial indispensável ao resgate de Tillie num incêndio. Mas isso ainda é a ficção. Na vida real nem sempre é assim!

Wesley PC>

domingo, 25 de julho de 2010

“YOU GIVE LOVE A BAD NAME”

• 5h45’ da madrugada: futucando o material musical disponível em meus discos removíveis, deparei-me com um disco clássico do Agnaldo Timóteo, chamado “Os Brutos Também Amam” (1972). Minha mãe gritou da cozinha: “escutar isso a esta hora da madrugada não!”. Tive que mudar para uma coletânea de canções do Bon Jovi. Pelo visto, minha mãe gosta mãe de “Always” do que “Velho Realejo” (risos);

• 12h30’: Enquanto meu irmão consumia substâncias ilegais que o fariam vomitar no dia seguinte, um entregador de marmitas mostrava-me as fotos de uma garota nua que estavam disponíveis em seu celular. Enquanto ele explicava os estratagemas de proteção ao rosto (e, por conseguinte, à identidade) da menina em pauta, eu acocorava-me no chão e abocanhava um dos melhores pães com queijo de toda a minha existência;

• 15h25’: encontrei uma mancha sangue no chão do banheiro masculino, bem perto do vaso sanitário. As especulações para o ocorrido oscilaram entre um estupro, a retirada de um dente mole e a menstruação acidental de um transexual. Até hoje, não sabemos de onde proveio o sangramento;

• 23h30’: “eu já não tinha escrito sobre ‘Minha Doce Irmãzinha’ (1985, de Jonathan Ross) neste ‘blog’”?! Perguntava-me eu. Já não tinha eu comentado sobre este filme literalmente seminal em que um bem-sucedido executivo volta à sua cidade-natal e relembra quando praticou sexo com sua irmã menor de idade, vivida pela impávida contestadora da censura pornográfica Traci Lords? Pelo sim, pelo não, que fique o lembrete: Tom Byron e sua parceira Palmita de la Mano deixaram marcas em minha libido pós-adolescente!

De resto, citando Santo Agostinho, “não existe o tempo: existem apenas a lembrança presente dos fatos passados, a percepção presente dos fatos presentes e a projeção presente dos fatos futuros”. Ponto! E deu Bon Jovi na cabeça!

Wesley PC>

ATRAVESSA-ME, TAKASHI MIIKE (OU DE COMO SER ULTRA-HIPER-SUPER-MEGA-PÓS-MODERNO)!

Cada filme novo do japonês Takashi Miike escandaliza quem se põe diante dele. Não foi diferente o que senti frente a “Big Bang Love, Juvenile A” (2006), título internacional para “46-Okunen no Koi”, que quer dizer algo como “Amor de 46 Bilhões de Anos” [!] e que acabo de ver ao lado de minha mãe. Se ela não conseguia entender nada do que acontecia na tela, eu tampouco. Mas amava. E isto acontece porque é um filme sobre amor, no sentido mais supressivo do termo.

Ainda na apresentação metalingüística do filme, um personagem que supostamente lê o roteiro do mesmo antecipa que acompanharemos as trajetórias de dois homens tristes. Um deles é preso depois que assassina com toques de extrema violência um potencial estuprador. O outro é preso porque é sociopata mesmo. Ambos se apaixonam, num sentido em que este termo não precisa sequer ser pronunciado para ser entendido como tal. Na prisão, eles deparam-se com um foguete. Um pergunta ao outro se este prefere ir para o céu ou para o espaço após a morte. Um arco-íris triplo faz com que um deles se suicide com a ajuda de outrem. O resto, só vendo o filme... E olhe lá!

É um filme impactante do começo ao fim, belo em cada detalhe, que faz uso de música eletrônica, citações religiosas, homossexualismo estilizado, imagens videográficas deturpadas, borboletas virtuais, iconografia ‘gay’/’yaoi’, tudo o que pudesse cair nas mãos do diretor durante a feitura... E, dentre todas as cenas, creio que seja esta mostrada em imagem a que mais me flagrou como apaixonado: na solidão intentada de sua cela, o prisioneiro mais tímido percebe uma forte luz emanando de um buraco na parede. Espia por este buraco e percebe algo como um parque de navegação espacial, no mesmo lugar em que se encontra uma imensa pirâmide mística. A forte luminosidade, portanto, o afasta da greta e ele cai no chão, sendo trespassado pela luz, que o atravessa como se ele fosse transparente, no ponto exato onde se encontra seu coração. Enquanto espectador identificado, fui fulminado nesta seqüência: Takashi Miike é foda demais!

Wesley PC>