quarta-feira, 25 de março de 2009

"DE BOAS INTENÇÕES, O INFERNO ESTÁ CHEIO"...


...mas, ainda assim, dependo delas para sobreviver como eu sou.

Drama da vida real: há alguns anos, a mãe do “menino mais lindo do mundo” comprou-lhe um dvd de presente. Recebendo visitas em casa, este “menino mais lindo do mundo” resolve emprestar-me o tal dvd, que, num surto de genialidade espontânea, resolvo ver ao lado de minha mãe. Como funcionou! Vejamos de que filme se trata...

Trata-se de uma obscura co-produção teutônico-polonesa, falada em inglês, de aspecto televisivo, chamada “Os Anjos da Guerra” (2001), mas que seria melhor traduzida como “Os limites do Senhor”. O diretor é um tal de Yurek Bogayewicz, cujo filme mais conhecido até então é “As Amantes” (1993), uma comédia lésbica ingênua porém divertida. Acho que o diretor trabalha melhor as lágrimas que os pretensos sorrisos...

Conforme li numa recente observação hobsbawmiana, por mais que conheçamos estórias e mais estórias sobre o Holocausto Judeu na II Guerra Mundial, sempre vai surgir algum detalhe surpreendente que ainda não sabíamos. É o caso deste filme: no roteiro, um menino judeu consegue a anuência de um padre e de uma família católica para escondê-lo, desde que este se disfarce de cristão. O menino, vivido pelo competente Haley Joel Osment o faz, cônscio de que Deus entenderia o seu gesto sobrevivencial. Vivendo com esta família, porém, o garotinho, de nome Romek, descobrirá a maldade nascente de seus vizinhos infantis, que saqueiam os pertences de refugiados judaicos que pulam de trens em movimento. Além disso, ele presencia um assassinato por causa de um porco, presencia o estupro da jovem que, noutro contexto etário, ele se apaixonaria, e, a fim de não ser morto, finge-se de colaborador nazista por alguns minutos ao apontar uma arma carregada contra seus verdadeiros companheiros de religião. Surpreendi-me. Cria que o filme fosse tolo, mas somente estas seqüências descritas já revelam um respeito dramatúrgico elevado por parte da equipe técnica deste filme, que contém, entre outros, o ator Olaf Lubaszenko (que já fizera um importantíssimo papel num clássico romântico/masoquista do Krzysztof Kieslowski), o expressivo norte-americano Willem Defoe (que interpreta o padre bem-intencionado que, numa cena patética, tenta agarrar um suíno fugitivo, a fim de tentar salvar a vida de alguns camponeses), o músico Jan A. P. Kaczmarek (posteriormente cooptado por Hollywood) e o fotógrafo Pawel Edelman (que trabalhou em filmes recentes do também polonês Roman Polanski).

Resta-me, portanto, agradecer ao “menino mais lindo do mundo” por ter me emprestado este dvd, dado por sua mãe e visto ao lado da minha. Lembro que, ao me entregar o dvd, um tanto envergonhado pro causa de minha cara de despeito ao recebê-lo, ele explicou: “o filme possui temática religiosa. Certeza que tu gostarás”. Quando o filme começou, percebi que a suposta religiosidade do filme era mostrada no plano institucional. Quase julguei o comentário do “menino mais lindo do mundo” como precipitado, até que, perto do final, uma cena simples, mas de uma violência simbólica chocante: numa cerimônia de primeira comunhão adolescente, o recôndito judeu Romek engole um pedaço de hóstia católica (em câmera lenta), enquanto uma narração em ‘off’ agradece a “bondade daquelas pessoas tão generosas”, sem a qual ele não teria sobrevivido como era. Fiquei absorto. Como “o menino mais lindo do mundo” me conhece! E olha que, por alguns minutos, fiquei chateado porque o dvd que ele me emprestou estava com ranhuras que quase estragaram o meu aparelho reprodutor de dvds. Mas, pensemos bem: além de ser “o menino mais lindo do mundo”, uma das criaturas mais sensíveis, inteligentes, tolerantes, bem-humoradas, graciosas, sarcásticas e geniais que conheço, ele teria também a obrigação de ser materialmente cuidadoso? Ah, tenha dó!

Wesley PC>

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