sábado, 7 de fevereiro de 2009

“SE QUERES TER PODER POLÍTICO, ENTÃO A INTIMIDADE É SEU MAIOR INIMIGO” (HARVEY MILK)


Há certo tempo, conversando com um amigo burguês de MSN, comentei que não tinha interesse de participar da Parada Gay aracajuana porque, ao contrário do que ocorre em outros locais, aqui o evento é um mero pretexto para que bichas loucas e/ou reprimidas possam aparecer numa vitrine popularesca, atraindo consumidores de ânus ao rebolarem freneticamente ao som de lixos industriais como a banda Carcacinha do Pagode e subgêneros. Ele, então, argumentou, em réplica: “pois é, Wesley, é tudo culpa desta pataquada de existir um Dia do Orgulho Gay. Para que ter um dia disso se não existe Dia do Orgulho Heterossexual?”. Ele achava que estava a concordar comigo. Eu me senti inane, como se não pudesse haver mais um diálogo sensato entre nós sobre este assunto a partir dali. Foi aí que percebi algo: nossos inimigos são grandes causas e não somente pessoas, porém, temos que ter cuidado com estas pessoas individuais, mesmo que pareçam nossos amigos, visto que é a cautela com as mesmas que faz com que continuemos a legitimar sub-repticiamente tudo aquilo contra o que lutamos a vida inteira! Exemplo: como eu posso ser radicalmente contra pessoas que fazem barulho no cinema e sentar-me perto de alguém que sente orgulho em deixar o celular ligado, com um toque altissonante, durante a sessão de um filme? É só um exemplo real, mas são atitudes concessivas como esta que podem fazer naufragar todos os nossos esforços militantes longevos.

Por que este drama interrogativo me veio à cabeça? Resposta: porque acabo de ver o extraordinário (mas não excelente) filme”Milk – A Voz da Igualdade” (2008), mais recente produção do genial mestre ‘queer’ Gus Van Sant. Ao contrário de suas obras-primas imediatamente anteriores [“Elefante” (2003), “Últimos Dias” (2005) e “Paranoid Park” (2007)], neste novo filme Gus Van Sant abre Mao de seus experimentalismos singulares no plano formal em favor de uma biografia empolgante, do primeiro homossexual assumido a exercer um cargo público nos Estados Unidos da América. Não pretendo revelar aqui muitos detalhes acerca da trama do filme, visto que, como ele foi indicado a 8 Oscars e está sendo muito bem recebido em seu viés polemista, o ideal é envolver-se passionalmente e ineditamente quando o mesmo for consumido por cada espectador individual, mas é impossível não se sentir tocado pelo jargão que abre a película, quando o protagonista (magnificamente interpretado por Sean Penn) relembra os últimos 8 anos de sua vida, antes de ser assassinado, e lembra quando conheceu um namorado afetuoso (papel do irresistível e prenhe de talento actancial James Franco), para o qual dirigiu estas palavras: “hoje à noite completarei 40 anos e nunca fiz nada de que tenha me orgulhado”. Esta percepção foi o que fez com que ele mudasse de vida, sendo sua rotina anterior sabiamente suprimida pelo roteiro do jovem Dustin Lance Black!

Confesso que, aos 28 anos de idade, já tive esta mesma percepção do personagem principal, mas, ao contrário dele, creio que me sinta orgulhoso das pequenas batalhas que venci no plano individual, na esfera íntima, na demonstração de que a vida privada é pública também, de que “o buraco de nosso cu é publico e revolucionário”, como diria Guyb Hocquenghem, filósofo francês que, em 1968, fundou a Frente de Ação Revolucionária Homossexual, mas viu seus planos políticos ruírem em virtude da promiscuidade de seus companheiros de causa, o que o levou a crer que homossexuais não podiam se juntar para outra coisa que não sexo. Harvey Milk provou o contrário. Numa das cenas discursivas mais empolgantes do filme, o político conservador Dan White critica a luta do homossexual por insistir que eles jamais poderão constituir família, visto que não podem se reproduzir, ao que o ‘gay’ vivido por Sean Penn apenas retruca: “Deus sabe o quanto estamos tentando...” (risos).

Eu, particularmente, não gosto do termo ‘gay’. Sempre enxerguei esta palavra como uma máscara para o acobertamento problemático de problemas maiores, dado que ‘gay’ significa nada mais que “efusivamente feliz” e, mais do que nunca, nós sabemos o quanto esta alegria perenemente fingida pelos homossexuais teve um preço, o quanto foi difícil conservar este sorriso após anos e anos de humilhações, xingamentos, proibições, rejeições gratuitas e, em casos extremos, espancamentos. Como é difícil, aliás, visto que o tempo passa, os valores mudam (ou decaem , para quem prefere), mas os mesmos preconceitos de outrora são conservados. Lembro, aliás, de um particular e infeliz evento que presenciei na adolescência, quando vi pseudo-idólatras do ‘heavy metal’ posarem de alcoólatras ateus até que anuíram com um grupo de evangélicos que criticavam (ou melhor, zombavam com palavras bíblicas) a passagem de alguns afetados pela praça pública em que todos nós nos encontrávamos. Foi o único momento, até então, em que vi pretensos satanistas e pretensos religiosos concordarem numa causa: o ódio contra pessoas que cometem a blasfêmia de se apaixonarem por alguém do mesmo sexo!

Os anos se passaram e, aparentemente, há hoje uma maior abertura no que tange à questão dos direitos pederásticos. É patente que, hoje, os homossexuais gozam de uma expressividade pública absolutamente insuspeita, mas esta ainda é contrabalançada por atitudes pequenas e revoltantes de pessoas que amamos, de familiares, de conhecidos, de nossos vizinhos de seres queridos que temos o indecoroso receio de interromper num ato de preconceito velado, de “violência branca”, como dizem os manuais pedagógicos, como aconteceu comigo ontem, numa sessão de cinema, em que, na trama de metamorfose bissexual do belo protagonista francês, sorrisos eclodiam quando dois homens bonitos se abraçavam, se beijavam e finalmente gozavam nus. O que há de tão engraçado nisso, meu Deus? É por estas e outras que rejeito o rótulo ‘gay’. Chamem-me de homossexual, de viado, de boiola, de afetado, de chupador de taca, de cheira-rola, de bebedor de gala, de queima-ruela (se bem que nunca pratiquei sexo anal em vida), do que quiserem, mas ‘gay’ eu não quero ser! Não devo, não mereço e, sinceramente, cada vez estou com menos força para isso...

Wesley PC>

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