quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A (NÃO)MUDANÇA (DES)CONFORTÁVEL


Durante pelo menos 20 anos de sua vida, minha mãe foi empregada doméstica. Passei a chamá-la pelo nome justamente por causa disso: não podia chegar no portão da casa de seus patrões e gritar: “mãe!”. Conclusão: não a tive por perto em momentos decisivos de nossas vidas, visto que o trabalho sempre a obsedou. Até que, em virtude das estripulias criminais de meu irmão caçula, fui obrigado a tirá-la do emprego: “fica em casa vigiando Rômulo, Rosane! Deixa que eu trabalho sozinho e mantenho a nós todos. Teoricamente, não preciso de nada mesmo!”. Minha mãe, então, conseguiu se aposentar depois disso.

Hoje, enquanto tomava banho num banheiro completamente fechado, entendi não somente porque meninos ricos costumam masturbar-se no chuveiro, mas escutei também um diálogo alarmante entre as duas empregadas da casa em que estou hospedado, que se conheceram hoje:

“ – Tu és evangélica?
- Por quê?
- Tens a aparência de evangélica.
- Ah, não, mulher! É por causa da roupa. É que tem casas que não querem nosso trabalho se a gente não estiver vestida decente...”


Minutos depois, quando fui usar o banheiro para urinar, a mulher que proferiu esta última frase estava lavando o banheiro, usando uma saia ‘jeans’ e uma calcinha preta completamente à mostra. Pedi para utilizar o vaso sanitário alguns minutos, enquanto percebi que, há poucos anos, era minha própria mãe que estava naquela situação. Foi estranho perceber-me, de repente, num extremo oposto de minha classe social, convivendo entre pessoas abastadas financeiramente, sendo obrigado a constatar diferenciações tão marcantes entre pessoas, não por causa do que elas são necessariamente, mas por causa de quanto elas têm no banco. Toda a falibilidade do pensamento marxista atual corroeu minha cabeça nos minutos seguintes...

Como me consolar depois disso? Como? Só mesmo recebendo uma ligação carinhosa de minha própria mãe, preocupada com meu bem-estar lá em Sergipe, e relembrando o impacto social que me causou o filme “Belíssima” (1951), dirigido pelo aristocrata socialista Luchino Visconti. Na trama, uma mulher favelada (vivida pela inesquecível atriz Anna Magnani) ignora todos os problemas de sua vida pobre para concentrar-se na beleza de sua filha, que participaria de um concurso de simpatia infantil. Quem sou eu para criticar ou negar este tipo de ilusão?

Wesley PC>

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