sexta-feira, 18 de junho de 2010

QUANTO MAIS EU VEJO OS FILMES DO BLAKE EDWARDS, MAIS EU APRENDO COMO É POSSÍVEL SER ANÁRQUICO NO INTERIOR MESMO DO SISTEMA REPRESSIVO!

Antes de dormir, na noite de ontem, vi um filme menosprezado do genial diretor norte-americano Blake Edwards. Tossi tanto depois, que acordei com a coluna doendo, mas os efeitos gozosos do filme ainda se abatiam sobre mim. Tratava-se de “S.O.B. – Nos Bastidores de Hollywood” (1981), um filme bizarro e autobiográfico em que um cineasta enlouquece depois que um filme protagonizado por sua esposa vai mal nas bilheterias e, depois de tentar se matar várias vezes, tem uma idéia genial ao ser despertado numa orgia: refilmar sua produção como filme pornográfico! Não vale aqui contar como termina o filme – visto que as surpresas se acumulam de forma tão impressionante no roteiro que qualquer linha sobre o mesmo estragaria o impacto tragicômico – mas uma cena em particular ficará eternamente cravada em minha memória: na vida real, o diretor Blake Edwards é casado com a atriz Julie Andrews, geralmente protagonista de seus filmes. No filme, o diretor esclerosado (Richard Mulligan) é também casado com a atriz protagonista de seus filmes (a própria Julie Andrews) e, como tal, estabelece-se um conflito: “tu queres que eu, tua esposa legítima, mãe de teus filhos, fique nua em um de teus filmes?!”. A resposta prática a esta pergunta é simplesmente de encher os olhos!

Ainda estou em casa com mais dois filmes do Blake Edwards aguardando o momento de serem vistos [“Minhas Duas Mulheres” (1984) e “Assassinato em Hollywood” (1988)], mas, enquanto não os vejo, convém aqui explicar o quanto o impacto iconoclasta de seus filmes baliza algumas das decisões que insisto em manter em vida. Exemplo: no trabalho, hoje, fui tachado de “mal-criado” e “insensato” e quase suicida por me recusar terminantemente em visitar um hospital e diagnosticar que doença está a me afligir desde a última segunda-feira. Não gosto de médicos, não suporto o clima hospitalar e, conforme já foi dito aqui, recuso-me a ceder às vontades da Indústria Farmacêutica, de maneira que cheguei a ser ameaçado de demissão por minha chefa, caso insista em levar esta idiossincrasia foucaultiana adiante. Estou pouco me lixando: em hospital, eu não vou (na pior das hipóteses, somente em último caso)!

Que seja. Ignorando-se este contratempo ameaçador – que, pelo visto se estenderá caso eu não melhore até segunda-feira – minha descoberta das obras menos conhecidas (mas igualmente geniais) do Blake Edwards só atesta o quanto este cineasta é capaz de driblar resistências da censura e da limitação de talento em prol do sucesso comercial. Blake Edwards assumia os riscos por sua originalidade, tanto é que muitos de seus filmes clássicos [“Bonequinha de Luxo” (1961), “A Pantera Cor-de-Rosa” (1963), “Um Convidado Bem Trapalhão” (1968), “Mulher Nota 10” (1979) e “Victor ou Victoria?” (1982)] costumam ser reverenciados por motivos equivocados. Apesar de ainda estar vivo, no vigor de seus quase 88 anos de idade, ele está há mais ou menos 15 anos afastado do cinema. Pena! Somos nós que perdemos com isso...

O que me leva ao filme mostrado em foto: Jack Lemmon ajoelha-se numa igreja, mesmo sendo descrente, depois de ter adquirido piolhos pubianos ao transar com uma vidente charlatona. Detalhe: ele é (muito bem) casado. Detalhe adicional: ele está sofrendo de impotência sexual crônica em detrimento de seu comportamento avançadamente hipocondríaco. Detalhe extremo: ele ignora que sua esposa adorada (mais uma vez, Julie Andrews) está temerosa de ser vítima de um câncer de garganta. Filme em pauta: “Assim é a Vida” (1986), belíssima obra de arte autobiográfica, em que casa, família e animais de estimação do diretor são utilizados como componentes fílmicos. Impossível não se emocionar com a coragem superlativa do diretor/produtor/roteirista, que desnuda suas obsessões, traições e erros com uma coragem tão avassaladora que é impossível ficar imune à bravura confessional desta obra, ainda mais quando se sabe que, na realidade, Julie Andrews realmente sofreu uma moléstia na garganta que a impediu de prosseguir com sua notável carreira musical. São estórias como esta que me levam a continuar sendo como eu sou. Assim sendo, Ave, Blake Edwards! E que eu melhore do mal-estar físico que me aflige...

Wesley PC>

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