sábado, 25 de dezembro de 2010

“ELE TRAZIA SEMPRE O SUOR NO ROSTO, O CORPO CANSADO, E NADA NO BOLSO”...

Estes são versos compostos e vociferados pelo cantor baiano Edson Gomes, sobre seu pai e sua atual configuração trabalhista racial, na canção “Hereditário”, faixa 08 do ótimo e já clássico disco “Reggae Resistência” (1988), que ouço agora, para ver se acalmo a fúria etílica do meu irmão Rômulo. Tento, mas, independentemente de funcionar ou não, está me sendo pitoresco comparar o seu discurso de arrependimento deste ano com o do ano passado. As mesmas lágrimas e a mesma lamentação (“eu vou mudar, neste ano eu mudo!”), enquanto segura uma lata de cerveja numa das mãos e uma pedra de ‘crack’ na outra. E, na Internet, um amigo virtual apresenta-me ao trabalho pictórico da canadense Agnes Martin (1912-2004), sob o pretexto de que este quadro abstrato anexado à postagem, datado de 1960, lembra a textura do tecido da camisa que eu vestia numa dada fotografia... E não é que parece mesmo?!

Caramba, o disco do Edson Gomes supracitado é muito curto - apenas 10 canções em 35 minutos e 37 segundos - mas como se mescla bem aos protestos familiares de meu irmão, como se parece com ele. E como é bom, acima de tudo, muito bom! Mas é também curto e, assim sendo, quando acaba, meu irmão sai de casa, reclamando que não tem dinheiro “para tomar uma”, não obstante estar com dois copos cheios de cerveja na sala, ambos enchidos por ele, que os abandonou pela metade, como se fosse um personagem mimado de M. Night Shyamalan. Na rua, a qualidade das músicas sendo executada é inferior, e eu penso seriamente em repetir o CD, para ouvi-lo com mais cautela nostálgica, visto que eu próprio projetei lágrimas recentes ao som de “Malandrinha”:

“Há muito tempo que eu queria ter um grande amor como você.
Que demorou, mas chegou e minha vida se transformou.
Todo tormento já passou. Em minha vida, tudo é amor.
Não esperava que, um dia, viesse ser feliz assim”...


Só canto até essa parte. Depois eu só danço. Não ouso esperar mais de um outrem inalcançável. E, lendo a biografia da tal da Agnes Martin, interesso-me particularmente pela ostensividade com que ela se afasta do abstracionismo racionalista (isso existe?) e mergulha num compêndio de traços e malhas cromáticas que remetem ao taoísmo, para ficar apenas num exemplo isolado e enciclopédico. Creio que voltarei a falar sobre ela no futuro, bem como sobre Edson Gomes, bem como sobre a toxicomania de meu irmão, bem como sobre as coisas que aprendo com meus amigos virtuais... E, se eu tivesse um pai, estaria agora seguindo os seus passos, trazendo o suor no rosto, o corpo cansado, nada no bolso, mas um sorriso largo e de enfrentamento, acima de tudo. Por que, mesmo sem pai, minha mãe me ensinou a agradecer: por isso, eu digo OBRIGADO!

Wesley PC>

2 comentários:

tatiana hora disse...

owww
que trecho bonito esse que você citou!
e não se sinta só, nem abandonado... é apenas o natal, que me deixa (e talvez as outras pessoas também) assim meio perdida, sabe?

feliz natal, Wesley!

beijos

Gomorra disse...

Meio perdidas? Muito perdidas (risos)

Mas nada como este tipo de (re)encontro. Tudo de bom para nós, querida Tatiana! Acabo de ver MASCULINO-FEMININO. Como te devo!

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