sábado, 3 de outubro de 2009

SOBRE A VIDA PESSOAL DOS PROFISSIONAIS:

“Posso te fazer uma pergunta hipotética? Se um homem armado entrasse em tua casa e apontasse uma arma carregada para o rosto de tua esposa, dizendo: ‘ou estouro os miolos dela ou explodo o jornal’, o que tu escolherias?”

Quem nunca esteve envolvido neste tipo de dilema por causa de alguma paixão profissional? Não posso falar por todos, mas eu já estive – muitas vezes, aliás! E, graças ao irritante cineasta mostrado na foto, hoje pela manhã chafurdei novamente numa destas crises profissionais. Passemos antes a um resumo da história:

Em 1999, quando eu era mais um filho de empregada doméstica trabalhando como contra-regras de companhia teatral infantil (oh, realidade comum!), tinha decidido fazer vestibular para Jornalismo meio que por instinto. Não passei da primeira vez. Na segunda, mudei a opção para Radio/Televisão, dado que cria que este curso seria mais indicado para as minhas pretensões audiovisuais. De fato era. Porém, o modo como o curso era ministrado fez com que eu me sentisse apenas um primo pobre dos estudantes de Jornalismo. Ao invés de estudarmos sobre todas as nuanças das duas formas de comunicação midiáticas contidas no título do curso, a estrutura do Departamento permitia apenas que transpuséssemos as notícias pesquisadas por nossos colegas da mídia impressa para o rádio ou a TV. Depois do reconhecimento do curso, que abreviou seu nome para Radialismo, as opções ficaram ainda mais estreitas. Conclusão: tenho agora um diploma de Radialista socado em minha casa e trabalho num balcão de administração universitária. Não me arrependo de nenhuma opção que me foi dada a escolher, mas, admito: se o Jornalismo (o daqui de Sergipe, pelo menos) não fosse tão atrelado a esta sanha pela notícia nova, talvez fosse esta uma carreira ideal para mim. Fica o proto-sonho registrado. Hoje eu sou o ensaio de outra coisa, mas ainda me sinto ativo.

Toda esta introdução foi apenas um pretexto para que eu indagasse se, caso eu não passasse pelo curso que eu passei, veria o simpático filme do execrável Ron Howard com os mesmos olhos e sentimentos. Filme em pauta: “O Jornal” (1994), que eu quis ver desde que tinha 14 anos de idade, mas que somente hoje eu consegui. Obviamente, os personagens principais do filme não são as pessoas, mas os estereótipos profissionais e os espaços em que eles convivem. Lá estão: um chefe de redação (Robert Duvall) com câncer de próstata que tenta rever a filha que não mais fala com ele; um jornalista obcecado pelo trabalho (Michael Keaton) que se divide entre convites de emprego em jornais rivais e a histeria de sua esposa grávida (Marisa Tomei); uma funcionária agora confinada ao setor administrativo (Glenn Close) que enfrenta crises pessoais nos vieses financeiro e amoroso; e um colunista bem-humorado (Randy Quaid) que é pessoalmente perseguido pelos funcionários estatais que denuncia como irresponsáveis. Todas estas tramas entrarão em clímax simultâneo quando uma prisão inocente for desvendada ao mesmo tempo em que uma mulher leva um tiro na perna quando tente ligar para a prensa e reimprimir o jornal com uma notícia diferente, mas alguns de seus funcionários estão brigando num bar ou suportando uma pessoa querida que sofre uma hemorragia vaginal no estágio final da gravidez. Pode parecer tudo muito banal, clicheroso ou específico, mas gostei muito do filme. Me fez ter vontade de trabalhar de novo – e, em nome de um suposto “bem comum”, esquecer de problemas pessoais irresolúveis.

Por isso, pelo menos hoje pela manhã, bato palmas para o salafrário Ron Howard.

E sobre a pergunta hipotética lá de cima, contraponho um dilema ainda maior proposto por um personagem de Woody Allen: “se tu estivesses no interior de um incêndio e tivesse que escolher entre salvar a vida de um reles desconhecido e o último exemplar de uma peça de William Shakespeare, o que tu farias?”. Confesso que nunca consegui responder a isso.

Wesley PC>

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