quarta-feira, 30 de setembro de 2009

UM POUCO MAIS (OU MENOS) SOBRE “SE NADA MAIS DER CERTO”:

Um dos segmentos do filme chama-se precisamente “o trabalho danifica o homem”. Estando eu sentado no meu ambiente de trabalho, talvez agora eu possa comentar o filme um tanto mais objetivamente. Será que eu consigo? Acabaram de me perguntar se eu gostei do filme e eu não consegui evitar o impacto: “bastante”. É mentira! Eu só o achei mais ou menos, mas... Puxa, insisto, como ele tem a ver comigo!

Nas primeiras cenas, quando encontrei os personagens divagando numa mesa de bar e a câmera focalizava de perto cacos de cerveja, fiquei explicando para mim mesmo que não sou boêmio quanto os meus melhores amigos, mas pelo menos dois grupos deles bebem a rodo, divertem-se freneticamente com os mais diversificados “amplificadores do músculo cerebral” possíveis. Sendo eu tão conservador, por que me dou tão bem com eles? Por vias opostas, o filme respondeu.

Não obstante ser inferior ao carnal “A Concepção” (2005), “Se Nada Mais Der Certo” (2008) é muito coeso. Substitui o discurso ostensivo por uma estética ainda mais modernosa, repleta de riscos na tela e cortes pós-modernos, mas funciona, demonstra a que veio. Numa das seqüências mais relevantes do filme, o jornalista Leonardo (Cauã Reymond) pede que o travesti Sybelle (Milhem Cortaz) devolva a carteira de identidade de sua namorada bulímica Ângela (Luíza Mariani), roubada quando esta última se meteu numa briga por causa de cocaína. Cinicamente, o travesti responde: “há muito tempo que eu abdiquei de minha identidade para ganhar dinheiro. É isso o que farei agora: eu quero dinheiro”. Detectamos aí a primeira mudança em relação ao filme anterior do cineasta: se o filme mantém a coesão em relação ao tema da perda voluntária da identidade (vide a imagem que ostenta o cartaz de “A Concepção”), esta não tem mais a ver com o anarquismo imediatista e sim com o oportunismo monetário revoltoso dos dias metropolitanos hodiernos. Se esta mudança é negativa? Seria errôneo de minha parte julgar o filme, dado que o seu diretor é destacadamente meritório num aspecto: ele acompanha muito bem a realidade contemporânea!

Ainda analisando as particularidades intra-metafóricas do filme, merece destaque uma situação recorrente: o filho da bulímica citada divertia-se ao colecionar as figurinhas adesivas de álbum sobre o Campeonato Brasileiro de Futebol. Faltava somente uma para completar a coleção. Por não conseguir encontrá-la, ele se torna obsessivo. Compra pacotes e mais pacotes de figurinhas e não acha a que ele precisa, até que, quando fora obrigado a esquecer o álbum numa fuga, ele a encontra, quando não tem mais onde colar, quando perdeu toda a sua coleção. Não é mais ou menos isso que acontece com os personagens (e com nós mesmos, talvez) em relação ao dinheiro e/ou demais bens materiais: desejamos, requisitamos e sempre desejamos mais – e, ainda assim, não estamos satisfeitos. Pós-conclusão imediatista: abrem-se as portas do crime, disfarçadas de revolta sistemática. Noutra situação, eu ficaria emputecido. Aqui, não fiquei.

Em dado momento, o protagonista Leonardo, alegando estar na miséria absoluta, sem dinheiro para nada, rouba algumas cédulas numa igreja e gasta-as num clube noturno. Noutro, uma empregada cobra os quatros meses atrasados de salário para comprar um presente de aniversário para o filho da vizinha. Numa terceira, ele suplica um aumento ao seu chefe (ou algo parecido) pois necessita pagar os R$ 800,00 que gasta com as consultas psiquiátricas de sua esposa. Ou seja, os bens e serviços que ele requisitava como básicos são considerados supérfluos para muitas pessoas, o que invalidaria as teorias espúrias sobre injustiça social que são despejadas ao longo do roteiro. Isso prejudica o mesmo? Insisto que não de todo. Na pior das hipóteses, a descrição de um jornalista que cita Friedrich Nietsche mas não sabia que exorcistas existem é deveras verossímil. Estas pessoas contraditórias existem!

Todas as contradições óbvias do filme, em linhas gerais, é o que ele tem de melhor. Parece que o filme é apenas um ensaio, um empurrão, um aviso. Posso não ter coragem de admitir que gostei dele, mas que o mesmo me afetou profundamente, ah, isto eu grito para qualquer um. E jamais ouvirei a canção infantil prosopopéica “Todos Juntos” da mesma forma:

“Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer
- ao meu lado há um amigo
Que é preciso proteger
Todos juntos somos fortes
Não há nada pra temer”

E, na moral, a cena registrada na fotografia é do caralho – literalmente!

Wesley PC>

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