quarta-feira, 30 de setembro de 2009

“A LÓGICA DE FORMIGUEIRO” DA CLASSE MÉDIA PSEUDO-REIVINDICATIVA

Em 2005, o diretor brasiliense José Eduardo Belmonte realizou “A Concepção”, um filme bastante elogiado, que, para além de toda a sua urgência pulsional, demonstra que os fervores neo-anarquistas redundam nos vícios pequeno-burgueses sutilmente impregnados em cada um dos habitantes (leia-se sobreviventes) da contemporaneidade. Não é um filme que se mostra nem positivo nem negativo, ao final, mas sim realista: aquilo acontece – e Gomorra é a prova viva disto!

Três anos depois, o diretor muda o foco personalístico, mas retrata a mesma sensação de perda, de necessidade de gritar e revolta subsumida pela amplitude e generalização capitalistas. Para além de todos os seus problemas e para além do mau-caratismo crescente de seus personagens (que se justificam por “estarem tirando dos ricos” para defenderem seu rosseaunismo espúrio), “Se Nada Mais Der Certo” (2008) é um filme que chama a atenção. Dá raiva, mas chama a atenção. Demonstra que os inimigos contra quais lutamos podem muito bem estar dentro de nós mesmos – e, acima de tudo, é pós-moderno como a realidade monetifágica atual assim exige!

Estou tentando escrever sobre o filme de maneira objetiva, mas não estou a conseguir: a afecção causada foi muito pessoal, as coisas e sentimentos e traumas e desejos e medos e ambições de que lembrei durante a projeção foram tão táteis que, por mais que eu não tenha gostado do filme como um todo (defender personagens tão obcecados pelo dinheiro e disfarçados de anti-heróis ‘cult’ é algo inconcebível, dentro das ambições apresentadas), ele me tocou profundamente!

O elemento que mais me chamou a atenção nó ótimo trabalho directivo de José Eduardo Belmonte foi o uso da trilha sonora. A cena em que os protagonistas aplicam um golpe violento ao som de “Todos Juntos”, composta por Chico Buarque para o projeto “Os Saltibancos” (1977), é , desde já, um momento antológico de cinema maiúsculo, um ‘tour de force’ significativo, em que letra, imagens, idéias, citações filosóficas vetadas, tudo se amalgama no frenesi derrotista de que fale o filme, demorado e problemático, mas digno, comparado, sedutor, perigoso, assumido!

Numa cena de praia, quando estão a gastar os frutos monetários bem-sucedidos de uma transação de cocaína, os personagens cantam e mostram o que se esconde em seus corações: a cativante andrógina Marcin (Caroline Abras) entoa “Evidências”, divulgada por Chitãozinho & Xororó; o protagonista vivido por Cauã Reymond enceta “Bem Que Se Quis”; e a empregada da família (que, num momento duvidoso, reclama os quatro meses atrasados de salário porque não tem nem um centavo para comprar um presente de aniversário para o filho do vizinho!) avisa que conseguiu outro emprego. Emocionante!

Ah, puxa, não consigo falar sobre este filme ainda, tão impregnado pela emoção acrítica. Depois volto aqui e conto mais. Porém, puxa, como este filme me lembrou Gomorra!

Wesley PC>

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