sexta-feira, 24 de julho de 2009

SE É TÃO PERIGOSO APAIXONAR-SE POR PESSOAS, SEREI MAIS EXITOSO SE ME APAIXONAR POR UMA ENTIDADE?


A entidade em questão atende pelo nome de Alberto Moravia, que me radiografou minuciosamente através da personagem principal do magnífico conto, “Ao Deus Desconhecido”, em que uma enfermeira mui dedicada não hesitava em tocar as genitais de seus pacientes, sobre os lençóis brancos, durante os tratamentos médicos, a fim de verificar ali sopros definitivos de vida. Fiquei tão perturbado com a similaridade entre minha pessoa e a personagem que preciso transcrever aqui um longo trecho dialogístico sublime:

“Ontem fui colocar o urinol sob o traseiro de um doente grave. Um homem de meia-idade, um comerciante ou merceeiro, feio, careca, bigodudo com uma expressão mesquinha e vulgar na cara. Tem uma mulher do tipo carola, que fica aos pés da cama e não faz outra coisa senão resmungar rezas, desfiando rapidamente um rosário. Levantei suas cobertas, pus o urinol sob suas magras nádegas, esperei que defecasse, retirei o urinol, fui esvaziá-lo e lavá-lo no banheiro e depois voltei para ajeitar-lhe a cama. Era de noite e a mulher, como sempre, rezava sentada aos pés da cama. Ajeitei a cama; mas na hora de estender as cobertas sobre o lençol, num gesto rápido dei-lhe uma passada de mão, não muito forte, mas espalmada, sobre o conjunto dos genitais e disse-lhe em voz baixa: ‘verá que logo vai sarar’. Ele respondeu de modo alusivo e malicioso, próprio do homem vulgar que era: ‘se é você quem me diz, ficarei curado com certeza’; depois implicou com a mulher que rezava, gritando-lhe que parasse, que com toda aquela reza, ia atrair mau-olhado”.

Lastimosamente, o paciente citado no diálogo não se curou. Morreu, mas a lição de vida da enfermeira tocou-me violentamente a alma. No afã por curar outrem, ela curava a si mesma. Ao final do conto, ela reclama que se tornara uma assassina. Algum juízo de valor atrapalhou seu método próprio de satisfação trabalhista. Não revelarei o que foi, sob pena de me expor demais (mais?), mas suplico: leiam Alberto Moravia. Estou apaixonado!

Wesley PC>

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