sábado, 6 de novembro de 2010

OS FILMES QUE VEJO POR CAUSA DE OUTREM – PARTE II: ATRAVÉS DE MICHAEL CACOYANNIS, A TRANSCENDÊNCIA SUBMISSA DA RELIGIOSIDADE

Tenho a honra de trabalhar com uma jovem alegre e prenhe de espírito administrativo que, recentemente, foi chamada à atenção pelos líderes da igreja evangélica que freqüentava por ter pintado o cabelo de loiro, algo que não é enxergado como bom exemplo por alguém que exercia as funções de organista como ela. Chateada com este julgamento superficial de sua religiosidade, ela trocou de igreja (hoje freqüenta um templo batista) e pôs-se à frente de um evento universitário que a tornou bastante conhecida entre os acadêmicos de Letras da UFS, a ponto de uma lésbica juvenil confessar que imaginar-se sendo pisoteada por esta minha amiga de trabalho é uma de suas mais preciosas fantasias sexuais.

Tendo achado graça, mas não ofensa, nesta confissão, minha amiga emprestou-me dois filmes dirigidos pelo grego Michael Cacoyannis, que somente hoje tive o prazer de ver. Conhecido por ter dirigido em 1965 o clássico em defesa da alegria “Zorba, o Grego”, Michael Cacoyannis já foi criticado por seus compatriotas em razão das parcerias internacionais a que consentiu no que tange à divulgação narrativa de dramas locais. Infelizmente, a maioria dos seus filmes não chegou ao Brasil, mas os dois filmes que vi hoje têm como mérito adicional duas coincidências: terem a mais preclara das estrelas cipriotas, a bela Irene Papas, em seu elenco; e abordarem, através de diferentes prismas, a Guerra de Tróia, ocorrida entre 1300 a.C e 1200 a.C.. Fiquei encantado com o modo como ambos os filmes adotam as bases mais longevas do que hoje entendemos como tragédia.

No primeiro dos dois filmes, “As Troianas” (1971), um estratagema teatral permite que quatro grandes atrizes brilhem na defesa dos papeis escritos há séculos por Eurípedes: em cinco ciclos dramatúrgicos, Katherine Hepburn (a rainha Hécuba, mãe de Páris e Heitor), Geneviève Bujould (Cassandra, filha de Hécuba), Vanessa Redgrave (a princesa Andrômaca, viúva de Heitor) e Irene Papas (Helena de Tróia, esposa de Menelau de Esparta, a quem trai quando conhece Páris) recitam emocionados monólogos, cada uma delas impregnada até os ossos de pujança dramático-actancial. No primeiro dos ciclos, Hécuba lamenta a sua própria desgraça e a das demais mulheres troianas, obrigadas a serem vendidas como escravas para os gregos; no segundo, a enlouquecida Cassandra é entregue como esposa a Agamenon; no terceiro, Andrômaca tem a desgraça de ter seu filho ainda infante arrastado de seus braços e atirado de um precipício; no quarto, Hécuba e as demais desgraçadas de Tróia tentam convencer o traído Menelau a assassinar a deslumbrante Helena; e, no quinto e último, Hécuba reaparece para enterrar seu neto Astíanax e ser ainda mais lancinada pelas lágrimas e pela desventura nacional quando percebe a cidade que ama ser destruída pelas chamas atiçadas por solados gregos. Conclusão da personagem: “o medo domina quando a razão vai embora”. E eu tinha diante de mim uma verdadeira tragédia!

O segundo dos filmes, “Ifigênia” (1977), não é menos trágico, mas a encenação divide-se entre as incitações belicosas e os destinos amargurados propriamente ditos. A trama é anterior aos eventos do filme prévio e mostra os preparativos da invasão à cidade de Tróia. O rei Agamenon é induzido por um sacerdote a sacrificar sua filha Ifigênia em prol da vitória de seu irmão traído Menelau contra os troianos. Incapaz de confessar à sua esposa o real motivo da convocação de Ifigênia à praia onde os guerreiros treinam para a guerra e eventualmente morrem de fome e estafa, Agamenon mente para Clitemnestra, dizendo que o guerreiro Aquiles deseja se casar com a moçoila. Lá chegando, Clitemnestra descobre tudo e, como sói acontecer neste tipo de drama, as conclusões trágicas serão regadas a muitos gritos e lamentos, não obstante a aceitação benevolente da jovem Ifigênia (interpretada por Tatiana Papasmoschou, vide foto) no que tange ao seu destino mortal. Não é tão imponente quanto o filme anterior, mas destaca-se não somente pela participação deslumbrante de Irene Papas, como também pelo charme musculoso do intérprete de Aquiles, Panos Mihalopoulos. Com certeza, este ator grego deve ter conquistado também a minha iridescente amiga evangélica. E, graças a ela, tive o orgulho de ver uma dupla subestimada de filmes gregos, muitíssimo relevante enquanto arte, enquanto narrativa e enquanto entretenimento dramatúrgico. Portanto, Σας ευχαριστώ πολύ, ένας φίλος του εργατικού δυναμικού (ou seja, muitíssimo obrigado, amiga de trabalho)!

Wesley PC>

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