sábado, 6 de novembro de 2010

OS FILMES QUE VEJO POR CAUSA DE OUTREM – PARTE I: AO INVESTIGAR BERNARDO BERTOLUCCI, EU DESCUBRO A MIM MESMO, APAIXONADO E FAMINTO!

Ontem eu fui intimado a resumir a obra de Bernardo Bertolucci numa fórmula sintética: política + sexo. Por mais que minha resposta fosse impregnada de imediatismo, tinha razão: cada um dos filmes deste gênio italiano exala sensualidade e uma concomitante e profunda reflexão sobre os fundamentos da própria sensualidade, sobre aquilo que nos faz desistir de algo em prol de um contato sexual com alguém ou vice-versa. É por esse motivo que o jovem atormentado por suas indefinições socialistas sofre quando se vê apaixonado pela tia católica em “Antes da Revolução” (1964); é por esse motivo que o protagonista de “O Conformista” (1970) hesita em render-se às suas pulsões homossexuais e deixa-se levar por atos assassinos de apoio fascista; é por esse motivo que o viúvo desiludido de “Último Tango em Paris” (1972) enfia-se numa relação permeada de sexo e tango com uma desconhecida, depois de tachar Deus de “fodido”; é por este motivo que a virgem que protagoniza “Beleza Roubada” (1996) descobre o ciúme e a traição, ao mesmo tempo em que percebe que assume uma função tão curativa quanto as injeções intravenosas de um velho doente; é por esse motivo que a entrega sexual em “Assédio” (1998) é tão carregada de culpa e interesse. Bernardo Bertolucci me excita, ao mesmo tempo em que me faz refletir pungentemente sobre o modo como eu enfrento o mundo ao meu redor. Logo, é um gênio!

Na manhã de hoje, assisti finalmente ao primeiro filme que ele dirigiu, “A Morte” (1962), breve e não muito bem-sucedida tradução nacional para “La Commare Secca”, que quer dizer algo como “a triste ceifadora”. Tudo bem que o título referia-se realmente à morte, mas o contexto em que ela surge deixa antever bem mais que o caráter fatalista e supersticioso da palavra aqui nomeada. A morte não é uma mera contingência no filme, é um produto social, da mesma forma que o amor, o sexo, a indiferença, a pobreza ou qualquer outro substantivo abstrato e sentido por humanos que eu poderia me dispor a listar. E, ao saber que o roteirista do filme é Pier Paolo Pasolini, não me surpreende que o filme seja tão carregado de urgência reivindicativa, inclusive no plano das sexualidades.

Trama de “A Morte”, em sucintas palavras: uma prostitua aparece morta num parque, conforme se percebe na imagem que é amalgamada aos créditos iniciais. No restante do filme, policiais interrogam possíveis suspeitos de seu assassinato. Cada qual conta a sua própria versão do que vira: um garoto pobre e órfão de pai narra seus fracassos enquanto ladrão pé-de-chinelo; um gigolô enumera as brigas constantes com sua sogra mal-amada; um soldado abobalhado vitupera: “quando se tem sono, o que é que se faz? Se deita! E quando se deita, o que é que se faz? Se dorme!”; um rapazola confessa, constrangido, que aceitou passear com um homossexual promíscuo porque precisava de dinheiro para comprar os ingredientes necessários para que sua namorada cozesse nhoque; e o verdadeiro culpado do crime esconde seus motivos, afinal de contas, “era apenas uma puta”! Pungente drama social, impregnado de análises sobre o porquê de desejarmos foder (vide a cena em que uma rapariga se irrita quando um ladrão interrompe sua transa para roubar o rádio de seu parceiro ou quando mãe e filha se enfrentam com uma faca e um ferro elétrico, respectivamente, por causa de um macho) e sobre os recursos mais desesperados de que nos servimos para saciar a fome (vide a cena em que uma prostituta miserável tem seu cachorro roubado por um credor por não ter dinheiro para pagar à sua cafetina ou quando o soldado acocora-se num canto escuro para comer seu sanduíche envelhecido e proteger-se da chuva e depara-se com um verdadeiro bordel a céu aberto nos esgotos romanos). Tremia de satisfação diante do filme. Bernardo Bertolucci é gênio! Bernardo Bertolucci me entende! Bernardo Bertolucci não se vendeu – e os dez maravilhosos filmes dirigidos por ele que vi até então comprovam isto em cada um de seus fotogramas!

Wesley PC>

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