quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ANDANDO POR ONDE JESUS ANDOU...

Durante os 52 minutos de duração do epifânico documentário “Locações na Palestina” (1965), o diretor Pier Paolo Pasolini confessa estar diante de uma perplexa decepção: por mais grandiosos que, em sua mente impregnada de doutrina católica, fossem os cenários onde Jesus Cristo caminhou quando vivo, no século I d.C., na realidade, estes são infilmáveis, indignos de serem utilizados enquanto cenário para um filme sobre a vida do filho de Deus na Terra, de maneira que a modernização capitalista de cidades como Belém e Nazaré inviabilizam que as mesmas sejam utilizadas como locações para as cidades históricas de Belém e Nazaré. O mundo é comumente transformado pelo capitalismo, constata o cineasta, ao passo em que constata que tribos beduínas ainda vivem como pré-cristãs nos dias atuais (da época em que datam as filmagens, pelo menos), sendo, portanto, inviável até mesmo a utilização de membros destas tribos enquanto figurantes do filme, que, conforme vemos no documentário, anseiam por milagres bem mais táteis, geralmente envolvendo a multiplicação de moedas. Os tempos mudaram – e para pior!

Por mais que, nesta peça singular da cinematografia mundial, façamos coro com a decepção física do cineasta, irmanamo-nos com ele quando ele atrela esta mesma decepção a uma concepção elevada do sagrado, que faz com que ele se sinta até um pouco herético ao pisar em locais tão impregnados de História e religiosidade milenar. E, ao lado do cineasta, o pároco Don Andrea Carraro justifica com versículos bíblicos o porquê da pequenez proposital de cenários reais da grandiosidade de Jesus, que assim envergonha os prepotentes habitantes das mais desenvolvidas cidades da Terra, inglórias de serem palco de um nascimento tão egrégio. E eu me emocionava, ao entender o sentido político e estético que Píer Paolo Pasolini temia não estar sendo capaz de transmitir ao ser traído pela memória durante a dublagem do filme. Nobre modéstia!

Diante deste filme, lançado posteriormente ao motivo de ele ter sido realizado [a filmagem de “O Evangelho Seguindo São Mateus” (1964), laureado e reconhecido até mesmo pelo Vaticano], constatamos o quão complicado foi para este gênio italiano materializar os seus anseios religiosos e estéticos, visto que, “ao invés de submeter a geografia à sua imaginação”, ele teve que submeter sua imaginação à geografia modificada e deteriorada pelo capitalismo do lugar. E, se por vezes parecia que o cineasta e o pároco divergiam em suas noções de sagrado, eles muito concordavam quando explicitavam o que deve ser realmente considerado como relevante durante a feitura do filme: “se a geografia sagrada dos lugares em que Jesus Cristo realmente caminhou não lhe parece interesse, tu bem podes reconstituí-la noutro lugar”, assevera Don Andrea. Quem teve o orgulho de apreender os resultados do processo ora apresentado constatou o quanto Píer Paolo Pasolini improvisara. E, assim sendo, ele atingiu a perfeição em matéria de estase. Por isso, eu, ele, o pároco e alguns do que me lêem neste momento acreditamos em Deus: porque existe aquilo que existe e aquilo que não pode ser refutado!

Wesley PC>

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