“Eu continuo pensando neste rio em algum lugar, com as águas se movendo realmente rápido. E havia essas duas pessoas na água, tentando se agarrar uma na outra, segurando-se o mais forte que podiam, mas, no final, não era o bastante. A correnteza é muito forte. Eles se deixam ir, são arrastados para longe.”
Na página 282 da edição em inglês do livro do Kazuo Ishiguro que me emprestaram, podia-se ler o trecho acima destacado.
Podia-se não.
Pode-se. Acabei de relê-lo, aliás. Toda a crise movimentadora da trama está contida na anedota contada pelo doador Tommy à sua então cuidadora Kathy. Mas a moral da história é outra:
pessoas se vão, mas as memórias delas ficam. E estas são tão fortes quanto as pessoas em si. Por isso, faz muito sentido o genial título da obra [“Never Let Me Go”, em inglês; “Não Me Abandone Jamais”, aqui no Brasil], título, aliás, que me atraiu bem mais que qualquer outro indício...
Ao contrário do que eu previa, este não se tornou um dos meus livros favoritos (achei-o quase mediano, para ater-me a uma avaliação qualitativa seca), mas ele possui um modo intrigante e potente de conduzir a narrativa, que o faz transcender bastante a mediania aventada: seu autor nos mantém em permanente suspense, por mais que, desde a primeira página, saibamos ou suspeitemos o que encontraremos ali: “
eu desenvolvi uma espécie de instinto sobre os doadores. Eu sei quando passar o tempo ao lado de outrem e confortá-los, quando deixá-los para si mesmos; quando ouvir a tudo o que eles têm a dizer, e quando apenas dar de ombros e dizer apenas para que eles se livrem daquilo”. Eis como se apresenta a narradora Kathy H..
Apesar de, aparentemente, eu ter me frustrado com o livro (minhas expectativas sobre ele eram imensas, muito maiores do que aqueles que eu saciei imediatamente), não devo dizer que me decepcionei. Longe disso: deparei-me com um universo dramático asfixiante, no sentido de que o autor nos fazia compartilhar todas as angústias dos personagens, sejam elas futuras, presentes ou, pior, passadas, logo irresolvíveis. É um livro sobre superação, sobre aceitação, sobre conhecimento de si mesmo e o reconhecimento dos obstáculos que se interpõem diante deste intento. E, agora que eu terminei de ler a sua última página, é que o conjunto passa a fazer mais sentido: é um livro para ser
lembrado, para ser degustado ao longo de anos, citado nas discussões telefônicas, nos desentendimentos eventuais com amigos e/ou amantes, nas situações triviais que podem mudar vidas, para o bem e para o não-bem (prefiro não trabalhar com o conceito de mal aqui). Desse modo, portanto, não me darei ao trabalho de resenhar clinicamente o livro, de submetê-lo a uma avaliação convencional e tecnicista. Prefiro dizer que ele será lembrado, que não o deixarei ir, que não abandonarei aquilo que ele me legou. A continuação do apelo de Tommy, na 282ª página da edição que li, continua vívida, repetente, prenhe de sentido: “
é assim que eu penso que é conosco. É uma vergonha, (...)
porque nós amamos um ao outro ao longo de nossas vidas. Mas, no fim, não podemos continuar juntos para sempre”... Eis o que mais me conforta e assusta nesse mundo!
Wesley PC>
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