quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

“A LUZ CRUA DO DIA, IMPLACÁVEL PARA TUDO O QUE FENECE, ERA CLEMENTE PARA COM OS SEUS ROSTOS JOVENS. EMERGIRAM DA NOITE CHEIOS DE FRESCOR” (pp: 48-49)

Na noite posterior ao dia de meu aniversário, ganhei de presente um livro. Tendo sua quarta edição lançada no Brasil em abril de 1977, pela editora Bloch, “A Bela da Tarde”, publicado em 1928 por Joseph Kessel, é um romance que eu não conhecia. Dizendo de outra forma: revi tantas vezes o filme de Luís Buñuel nele baseado que jamais suspeitei que fosse uma adaptação literária. Tudo no filme é tão buñueliano, tão ostensivamente surrealista... No livro, é tudo tão prenhe de encanto burguês. Em uma e outra obra, é tudo tão chique!

Se, no filme realizado em 1967, as perversões reivindicativas do diretor andaluz ganham vida na pele alva da encantatória Catherine Deneuve, no livro, não consigo me esquivar da face dela, que sequer havia nascido quando o livro fora escrito. No livro, não há o mesmo rigor onírico, não existem as perseguições masturbatórias enigmáticas, mas sim uma “fatalidade interior”, o selo irrevogável dum destino, antecipado por um maravilhoso prólogo, em que o autor, temeroso de explicar seu romance, confessa-se compadecido por sua personagem, Séverine, que, mesmo plenamente apaixonada por seu marido, cuja beleza jovem é sempre ressaltada, decide empregar-se como prostituta voluntária e vespertina numa casa de ‘rendez-vous’. E tudo me parece tão positivamente familiar...

O porquê da familiaridade? Bom, digamos que eu não precise mais repetir a ninguém que sou “daqueles que amam”... Porém, conforme penso ter deixado claro nas postagens anteriores sobre o filme “Maurice” (1987, de James Ivory), desintegro a contemplação do ser amado da necessidade imperativa de fazer sexo com esta pessoa. É como se as duas ações entrassem em conflito, como se, ao dotar um corpo amado de volúpia erótica, o mesmo fosse imbuído de uma leve impureza, que me transposta sem escalas para um estágio de culpabilidade pós-virginal. Não me imagino fazendo sexo por quem me confesso apaixonado, não obstante não excluir a possibilidade de me apaixonar por quem eu faço sexo. Eu sei que parece um falso dilema, mas ele me persegue desde tenras eras, quando eu podia me dar ao luxo de sussurrar na orelha de um rapazote que o amava da cintura para cima...

Ainda estou na metade do romance, mas já enxerguei a mim mesmo tantas e tantas vezes entre aquelas linhas... “‘E não existe arte mais contagiosa do que a carnal. Não concorda comigo?’ Como Séverine tardasse a responder, acrescentou: ‘Ah, é verdade... Tu não podes saber...’” (p.27). Mas posso fingir!

Wesley PC>

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