segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

“UM SONHADOR – PARA EXPLICAR-ME MAIS CONCRETAMENTE – NÃO É UM HOMEM, FIQUE SABENDO, MAS UMA CRIATURA DE SEXO NEUTRO”

Na página 33 da edição do curto romance “Noites Brancas” (publicado em 1848), de Fiódor Dostoievski, que Bruno/Danilo me emprestou no final do ano passado, encontramos a frase que intitula esta postagem. Li o livro na noite de ontem, mesmo que já conhecesse a estória a partir das várias versões levadas para o cinema. A mais recente é o filme indiano “Saawariya – Apaixonados” (2007, de Sanjay Leela Bhansali) e a mais famosa é o filme italiano “Um Rosto na Noite” (1957, de Luchino Visconti), que eu ainda não vi, mas a melhor versão imaginável foi levada a cabo pelo austero francês Robert Bresson, numa dolorosa obra-prima de nome “Quatro Noites de um Sonhador” (1971). Revi-o ontem à noite, pela terceira vez, e dormi em seguida. Sonhei!

Não obstante conservar o espírito pungente da trama do livro, o diretor francês de caráter jansenista atualizou o contexto circunvizinho e, por isso, conhecemos mais sobre a vida pessoal dos protagonistas. Ele é pintor e solitário e se apaixona várias vezes pro dia, por pessoas diferentes, até que encontra a mulher dos seus sonhos, já comprometida em ideal com outra pessoa. Ela contempla-se nua em frente ao espelho, ouvindo música brasileira e ama alguém que a ignora, enquanto, sem perceber, ignora quem a ama e se contenta ouvindo o seu nome repetidas vezes, gravado numa fita k7 executada debaixo de seu travesseiro. E eu me via e me ouvia no filme...

Na trama comum às três versões e ao livro, um homem solitário e eufórico encontra uma jovem chorando numa ponte e se apaixona por ela. Oferece sua amizade incondicional e até ajuda-a a se comunicar com o homem fugidio por quem ela se apaixonou, um tanto esperançoso, mas ciente de que a tristeza o alcançará, em especial quando, após o que eu chamaria de ato involuntário de traição, ela apregoa: “quando se ama, não dura muito o aborrecimento. E você gosta de mim”. E eu gosto dele!

Chorando, sofrendo, envelhecendo, vendo o tempo passar para ele e para os que o cercam, o protagonista do livro talvez deixe de se lamentar e imagina sua amada feliz ao lado de quem ama. Sente falta dela, mas contenta-se com a possibilidade de sua alegria. “Meu Deus! Um momento de felicidade! Sim! Não será isso o bastante para preencher uma vida?”. Será? Sei que amei livro e filme, sei que me identifiquei, sei que preciso introjetar violentamente este tipo de consolo!

Sei que não é mais de bom tom que eu insista em divulgar meus lamentos amorosos envolvendo o moço da fotografia, nem tampouco considero-o “uma criatura de sexo neutro” (em virtude de muitos fatos que nos ocorreram em situações-chave), mas jamais abdicarei de repetir para Rafael Maurício, seja lá em que dia for, aquilo que o apaixonado do livro dedica a sua Nástienhka: “Agora que estou sentado ao teu lado e que falo com você, infunde-me um extraordinário desalento pensar no que há de vir, pois, na vida que tenho ainda à minha frente... apenas vejo solidão, e de novo esta vida ociosa, inútil e aborrecida. E que hei eu de sonhar então que seja mais belo do que a vida, depois de ter realmente gozado aqui, ao seu lado, instantes tão felizes?”. Já o disse antes e repito-o. Ao lado daquele baiano, eu vivi – e não me arrependo disso!

Wesley PC>

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