“Amâncio soltou um ai.
[...]
Entretanto, Amâncio despertou com um novo gemido e levou ao
peito as mãos que se ensoparam no sangue da ferida. Olhou em torno, à procura
de alguém; mas o quarto estava abandonado.
Então, fechou novamente os olhos estremecendo, esticou o
corpo e uma palavra doce esvoaçou-lhe nos lábios entreabertos, como um fraco e
lamentoso apelo de criança: - Mamãe!...
E morreu”.
(página 274 da edição que possuo em mãos neste exato
instante).
A cena acima ocorre no vigésimo primeiro capítulo, o
penúltimo, de “Casa de Pensão” (1884), romance de Aluísio Azevedo que
terminarei de ler ainda hoje. No início da saga do protagonista Amâncio, foi
impossível não compará-lo diretamente com “Ilusões Perdidas” (1843), de Honoré
de Balzac, obra-prima literária [comentada aqui] que, por motivos muito fortes,
abalou-me pessoalmente, visto que remete a uma amizade destruída pela má
administração dos prazeres e volições terrenas.
Não obstante o seu propalado pendor naturalista tropical, a obra de
Aluísio Azevedo despertou em mim semelhantes impressões: por mais diferente que
sejam os alvos e/ou as vítimas, as armas de destruição são mui parecidas...
Minha vida é uma sina, afinal!
Na trama de “Casa de Pensão”, o jovem Amâncio chega do
Maranhão ao Rio de Janeiro para estudar Medicina. Não porque goste, não porque
queira, mas para agradar aos seus pais, uma mãe complacente e terna e um pai
rígido e aparentemente avessos a sentimentalismos. Logo associado a alguns
amigos pândegos, Amâncio vai morar na localidade mencionada no título e, tendo
muito dinheiro, atrai a atenção de seu suposto amigo João Coqueiro,
proprietário da hospedaria ao lado de sua esposa bem mais velha, a francesa
Madame Brizard. A fim de assegurar sua rentabilidade oportunista, João
Coqueiro, ciente dos desejos carnais iridescentes de seu hóspede, convence a
sua irmã solteira Amélia, dois anos mais velha que o outro, a seduzir Amâncio.
Ela o faz: entrega-se concupiscentemente a ele, após um planejo cozimento
desejoso. Ele, encantado com os jorros de gozo de que se beneficia, gasta aos borbotões.
O problema é que quem passa a ter dinheiro sempre quer mais. E Amâncio
apaixona-se por outra mulher, a esposa de um conterrâneo seu, protegido de seu
tio, que foi quem primeiro o hospedou quando ele chegou ao Rio de Janeiro. Mas,
como se percebe na citação que destaquei, o protagonista morre antes do
desfecho do romance... É uma sina também?
Para além de uma ou outra vaticinação pretendida, na tarde
de ontem confessei a alguns amigos que sou incapaz de me desapaixonar,
acumulando todas as minhas paixões frustradas e/ou inalcançáveis em meu coração
sequioso. Um dos meus interlocutores, entretanto, aquele que mais me conhece
desde a adolescência, contestou se eu “superava” aqueles objetos passionais nos
quais consigo empreender sucedâneos erotógenos. Não soube bem o que dizer, mas,
diante dos exemplos trazidos à tona, parecia que sim: sou um platônico
contumaz. Quando alcanço algo de quem eu me apaixono, posso me sentir apto a
apaixonar-me por outrem, deixá-lo livre de minhas persecuções infindas.
Conforme insiste um outro amigo, fruto justamente de minha paixonite, eu tenho
uma intensa “vaidade de santo”...
Poderia discorrer mais sobre o excelente romance, traçando
paralelismos entre o que ali acontece, a minha vida pessoal e os anseios de
pessoas que me cerca(ra)m, mas acho que isto seria incorrer numa obviedade
humilhante. Ao invés disso, suplico para que esta obra capital da literatura
brasileira seja mais conhecida, lida, discutida, analisada, sentida,
experimentada, evitada na prática (no que tange aos enganos ricamente descritos
pela instancia narrativa). Epígrafe do livre, na primeira página de seu
entrecho: “desconfia de todo aquele que se arreceia da verdade”. Como
discordar?
Neste ponto, o leitor destas linhas talvez me pergunte: e o
que tem a ver esta imagem masturbacional com tudo o que relato aqui, num tom
deveras confessional, inclusive? Não cabendo a mim, por enquanto, responder,
lanço-me à sorte do destino: que o tempo resolva a charada! Por ora, não me
declaro arrependido por amar irrefreadamente nem tampouco lamento dolosamente
os abandonos que se instalam sobre mim: não foi apenas culpa minha! Mas viver é
bom... Por isso, Amâncio – tal qual o Lucien de Rubempré de outrora – é quem
mais perde em toda a História (com H maiúsculo, para deixar a “indireta
sentimental” mais evidente)!
Wesley PC>
2 comentários:
li esse livro ano passado. confesso que não recordo de tudo, mas ficou fortes impressões do rapaz Amâncio sobre mim, que aqui certamente não daria pra contar, mas quem sabe depois num outro encontro como o do ano em que me visitou.
(risos)
Impressões muito semelhantes ficaram em mim...
E sim, em breve te visito 'in loco' novamente.
WPC>
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