domingo, 3 de março de 2013

“ISTO NÃO É UMA RECAÍDA: TU SURTASTE! NÃO TE CULPES: SURTAR É BOM...”

Fazia tempo que eu não via nada do Xavier Beauvois. Conheci este (então) jovem cineasta no irregular mas sedutor filme “Não Se Esqueça Que Você Vai Morrer” (1995), visto faz muito tempo e emulado aqui. Com o passar dos anos, soube que o Xavier Beauvois envelheceu (mal), mas a simpatia mui particular que nutro por este filme primevo me levou a ficar bastante curioso quando soube que “O Pequeno Tenente” (2005) estava sendo exibido numa mostra de cinema francês local. Perdi o filme à época e nem fiquei tão chateado assim, visto que me deixei convencer pelas pessoas que o viram no cinema e desgostaram...

Nesta noite de domingo, soube que o filme seria apresentado num canal fechado francês e, intuitivamente, o indiquei a um sociólogo preocupado com a investigação de questões raciais e, agora, com as motivações profissionais de subsunção aos psicofármacos. Por mais de um motivo, soube que o filme tinha a ver com estes temas, mesmo não tendo-o visto ainda. Assistindo ao mesmo, fiquei impressionado com a sua qualidade, com a sua firmeza: começa como um estudo individualizado de personagens, avança em direção a uma investigação profissional e se revela como um interstício entre ambas as propostas.

O “pequeno tenente” do título é um jovem interiorano que se forma no Exército e resolve trabalhar num departamento policial parisiense enquanto sua esposa continua trabalhando como professora numa cidade interiorana. Na metrópole, ele opta por trabalhar ao lado de uma competente chefa de polícia que, há dois anos, vem tentando se livrar do alcoolismo. Em menos de um mês, ele se envolve com um caso de assassinato envolvendo um sem-teto polonês espancado e afogado por dois criminosos russos. O restante é pura imersão trabalhista, num viés que traz à tona justamente trabalhos anteriores do Bertrand Tavernier, com certeza uma influencia definitiva na carreira beauvoisiana.

Impressionou-me sobremaneira no filme o fato de que, em quase todos os cômodos onde se passam as ações, havia pôsteres de filmes famosos, de Quentin Tarantino a Steven Spielberg, de Jean-Pierre Melville a Sergio Leone. Além disso, a interpretação de Nathalie Baye cresce bastante à medida que o protagonista Jailil Lespert sutilmente sai de cena, depois que é esfaqueado por um de seus perseguidos, enquanto o parceiro ingeria cerveja num bar vizinho. Identifiquei-me bastante com a determinação empregatícia dos personagens e projetei positivamente a minha própria abstemia em relação ao comportamento atormentado dos personagens. Numa cena-chave, por exemplo, o tenente e sua superiora fumam maconha numa praça, quando um transeunte pede um “tapinha”. Quando eles cedem o baseado, o beneficiado exclama: “vocês não têm medo de fumar isso por aqui?! O bairro está cheio de tiras!”. Todos sorriem diante da poderosa ironia da cena. E, se uma das cenas sutis que mais gostei no filme é aquela em que o tenentezinho admira a sua arma enquanto se deita num quarto de hospedaria (esta que ostenta o cartaz, aliás), a cena final provou que o cartaz de “Os Incompreendidos” (1959, de François Truffaut) focalizado numa dada parede de bar não fora gratuito, casual, aleatório. O mesmo sendo dito sobre o consolo contido no título desta postagem, proferido quando a chefa do personagem-título se embebeda com gim depois que ele é hospitalizado em estado grave de saúde. Deduzo, portanto, que preciso ver mais filmes do Xavier Beauvois: se o iniciático “Nord” (1991) é difícil de ser encontrado, disponho de uma cópia de “Homens e Deuses” (2010) em minha casa faz tempo. De terça-feira não passa...

Wesley PC>  

Nenhum comentário: