Eu estava quase adormecendo quando optei por assisti ao
filme brasileiro “A Menina e o Estuprador” (1982, de Conrado Sanchez) na TV. Apesar
do título apelativo e dos primeiros minutos não-convidativos de trama, decidi
ver o filme até o final porque ele era curtinho e, afinal de contas, tinha
muito a ver com o escopo de minha pesquisa de mestrado. Aos poucos, entretanto,
a concepção abobalhada do personagem Arlindo (Léo Magalhães), obcecado pela
intocada Vanessa (Vanessa Alves), que quase toda noite sonha ser estuprada pelo
mordomo Pedro (Zózimo Bulbul), me excitou – no sentido mais forte do termo: por
mais reducionista, apelativa e pornográfica que seja a simplificação freudiana
da trama, eu me identifiquei deveras com o mal-estar civilizatório da
protagonista. Ao final, aquilo que parecia lixo sub-aproveitável no primeiro
terço tornou-se um de meus filmes psicanalíticos favoritos: a vida dá mesmo muitas
voltas!
Dentre as cenas que me fizeram ficar apaixonado pelo filme –
irregular e mal-feito até o talo! – está aquela em que a protagonista se
imagina deflorada por dois trabalhadores braçais, que esfregam o sangue que
escorre da vagina dela por todo o corpo. Na trilha sonora, uma versão
instrumental alucinante de “Another Brick in the Wall”, do Pink Floyd. Noutro
momento, uma música composta por grunhidos e acordes altissonantes de piano
serve de trilha sonora para as consultas psicológicas atemorizantes de Vanessa,
que é perseguida sexualmente por seu analista. As inserções de uma seqüência
explícita de felação e de uma cena interrompida de masturbação masculina contribuíram
para que o filme fosse efetivo no que tange à minha excitação erotógena, visto
que, nesse tipo de filme, quando artistas como Ody Fraga, Jean Garrett ou David
Cardoso não estão por trás das câmeras, um moralismo canhestro disfarçado de
exploração indébita da nudez feminina costuma entrar em cena e me irritar
politicamente. Não foi o que aconteceu neste filme, em especial, na segunda
metade: reflexões pertinazes sobre impotência sexual masculina e bloqueio
penetrativo feminino me tomaram subjetivamente de assalto, obrigando-me a
repensar meus traumas, tabus e bloqueios eróticos. Noutro momento
inspiradíssimo do filme, por exemplo, a protagonista passeia por zonas industriais
e descamba em bairros proletários, numa clara demonstração de que não somente o
diretor do filme conhece o cinema de Michelangelo Antonioni como, com certeza,
ele deve ter visto e se inspirado em “A Noite” (1961).
Estou surpreso com o filme, absolutamente chocado: como eu
posso gostar tanto de um filme que eu sei que é ruim?! Simples: libertando-me
de grilhões valorativos construídos e repisados por um esquema industrial capitalista
que fetichiza e espetaculariza até mesmo a padronização dos devaneios
sexuais mais íntimos. Intuo fortemente que hoje serei afligido por meu pesadelo
sexual recorrente, em que observo um dado rapaz banhar-se diante de mim, mas
sendo interrompido nesta contemplação voyeurística elementar pelas mais diferentes
contingências, que redundam num incomodo (porém bem-vindo) despertar. Boa sorte
para mim e para o rapaz dos meus sonhos, portanto. Aliás, por falar nisso, quem sabe um dia eu não tenha a sorte
de sorrir, depois de um ato sexual com penetração, tal qual a redimida
personagem de Vanessa Alves na cena final do filme, na qual cochilei, mas logo pude resgatá-la, isoladamente, num ‘site’ voltado à pornografia comercial? Como diz
um sensível amigo meu, ressignificar é preciso!
Wesley PC>
3 comentários:
Acho que Freud e Feyerabend vão lhe fazer muito bem enquanto companhia para sua pesquisa, quero muito ler o que você tem a escrever sobre a pornochanchada! J.
Pois é,eu li a dissertação dele e gostei muito.
Enfim,um homossexual falando abertamente sobre problema com penetração,eu não gosto de jeito nenhum,o sofrimento de não ter vagina é grande demais.
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