terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

É COMUM EXTERNAR QUE SE QUER “UMA VIDA LAZER” DEPOIS DO FILME!

A cena de “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (2009, de Karim Aïnouz & Marcelo Gomes) que talvez mais seja requisitada pelo público após a sessão é aquela em que o protagonista entrevista uma prostituta de beira de estrada e pede que ela explique com o que sonha, o que deseja, confessando que é triste a gente amar quem não quer saber da gente, né?”, concluindo que, “tudo o que eu quero é uma vida lazer”, frase esta que o próprio protagonista repete várias vezes, num momento posterior, em que parece estar embriagado de desejo, álcool e saudades. Nesta hora, todos nós repetimos com ele, ao lado dele, junto com ele, e solitários, cada qual à nossa maneira!

Revi este filme magnífico ontem à noite, num contexto que me surpreendeu pelo inusitado do conflito: convidei dois filhos de caminhoneiro para verem comigo, com o pretexto de que o universo emulado pelo roteiro é bem similar àqueles que eles vivenciam desde crianças, sempre que acompanham o pai nalguma de suas viagens. Dito e feio: enquanto o filme se desenrolava, eles se ocupavam em reconheceram as marcas de caminhão que apareciam na tela, empolgavam-se ao relembrar postos de gasolina que serviram de cenário onde eles já estacionaram, reconheceram os traços fortes daqueles sofridos personagens reais com quem o protagonista se deparava na viagem... E, aos poucos, intuí que eles se emocionavam com a trama também, bifurcada em dois ideais discursivos dominantes: a crítica aos interesses esquivos por detrás do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco e o elogio à dor de um amor verdadeiro. Só não soube responder qual desses dois ideais era o mais importante, quando eles assim me questionaram!

Oficialmente, eles ficaram chateados com a radicalidade rítmica do filme (“‘filmes de arte’ me incomodam um pouco, Wesley!”, disse-me um deles, em certa cena), mas quando se entregaram ao que se desenrolava diante da tela, ao completo desnudamento da alma de um ser vivo apaixonado, não deu outra: eles estiverem como eu, ao imanarem-se mergulhando nas águas pedregosas de Acapulco. Mais do que um filme genial (como eu insistia em definir) ou radical (como um deles destacou), “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” é um filme sobre saudades, ainda que as paradas ocasionais em motéis de beira de estrada, ao lado de prostitutas com olhares tristes, possam perturbar os delírios idílicos de um ou outro espectador mais convictamente monogâmico. Lembro até que um dos rapazes me confessou que perdera sua virgindade num destes motéis de beira de estrada, ao lado de uma prostituta arranjada por seu pai. E ele me confessou com tanta vergonha no dia. Revi o filme ao lado do público-alvo ideal, tenho certeza disto agora (se bem que diria a mesma coisa ao lado de qualquer pessoa. Afinal de contas, quem não quer “uma vida lazer”?)!

Wesley PC>

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