quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

“DEPOIS DO NADA, TUDO VEM DE MÃO BEIJADA!”

Depois de um plano erótico chafurdado – mas não necessariamente enxergado como um problema – sentei-me diante da TV e vi um filme sobre o qual nada sabia: “Harmada” (2003, de Maurice Capovilla). Na trama, Paulo César Pereio interpreta um ator que toma banho completamente despido, num rio, ao lado de um amigo idoso na primeira cena do filme. Ao sair da água, ele não encontra o amigo. Caminha, vai assistir a uma peça teatral na qual duas mulheres acariciam-se sexualmente entre si, envolve-se afetivamente com uma delas, pede para que as duas beijem-se lesbianamente e, numa seqüência posterior, são presos por atentado ao pudor ao encenarem uma peça teatral imoral. Depois que saem do cárcere, fazem teatro ao ar livre. Nos dois momentos de homenagem vivaz ao teatro, lembrei de filmes bergmanianos: primeiramente, “O Rito” (1969); em seguida, “O Sétimo Selo” (1957). Porém, a maior influência directorial estrangeira no filme parecia ser o lusitano João Cesar Monteiro, ao quem o protagonista se assemelha, aliás. Depois que arranja emprego como datilógrafo, o ator conhece a sobrinha do seu patrão, por quem se apaixona. Como ele não pode ter filhos (descobre isso durante um espermograma, em que exclama “Deus existe, porra!” quando finalmente ejacula!), ela se envolve com outro homem, e ele vai para um asilo [“Recordações da Casa Amarela” (1989) é o filme que me veio imediatamente à mente!], onde reestrutura a banda de música do local e encena Bertolt Brecht entre os internos. O reencontro com uma moçoila que ele conheceu quando ela ainda era bebê o faz querer lançá-la no mundo teatral – e, mais uma vez, Ingmar Bergman reaparece como influência, precisamente em “Depois do Ensaio” (1984) – mas a má interpretação de Patrícia Libardi fez o filme perder um pouco de seu ritmo libertino e elogioso, recuperado humoristicamente ao final, quando o protagonista insiste para que um garoto surdo-mudo lhe diga alguma coisa e este o conduz à apresentação mambembe de uma trupe teatral, onde reencontra um velho amigo e o prazer pela dança, pela atuação, pela alegria de viver... Um filme irregular, circular, mas belíssimo, que me encantou com os dizeres “mesmo que digam que a fome compartilhada entre muitos toca a poucos, vocês estão morrendo – e nós não temos nem mesmo onde cair mortos!”. Ainda que, em minha opinião, o filme tenha funcionado muito mais na teoria que na prática, preciso ver “O Profeta da Fome” (1970), do mesmo diretor – e, se for caso, ler o romance no qual “Harmada” foi baseado – o quanto antes! E me sinto bem melhor agora...

 Wesley PC>

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