Esta frase, pronunciada pelo ator Javier Bardem, foi, sem
dúvidas, o momento mais empolgante da 28ª edição dos prêmios Goya, dita pouco
antes de o ator entregar o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante à idosa Tenele
Pávez, pelo filme “Las Brujas de Zugarramurdi” (2013, de Álex de la Iglesia), que
foi ovacionada de pé por todo o teatro. Logo na abertura do evento, o apresentador
da noite empolgou-se: “que bom ver um cinema com todas as cadeiras ocupadas!”.
Como sempre, além da pompa inerente a qualquer premiação e do boníssimo humor
caro ao evento, as críticas políticas foram recorrentes, sendo esta a primeira
edição do evento em que o Ministro da Cultura ausentou-se, alegando outras
ocupações mais urgentes. Obviamente, ele foi rechaçado por diversos convidados,
que desaprovam publicamente as medidas administrativas que impuseram suspensão
de financiamento estatal para os filmes espanhóis. O roteirista Mariano Barroso
[um dos vencedores do prêmio de Melhor Roteiro Adaptado pelo filme que dirigiu,
“Todas las Mujeres” (2013)] alegou que o seu filho de 5 anos se comportaria
como um Ministro da Cultura melhor que aquele que se ausentou da cerimônia (risos).
No momento em que subiu ao palco para realizar o seu
discurso tradicional, o atual presidente da Academia Espanhola de Artes
Cinematográficas, Enrique González-Macho, comentou que “fazer filmes no país é
um ato heróico”, ressaltando, entretanto, que o declínio quantitativo de filmes
realizados não implicou num declínio qualitativo. Seu discurso foi longo,
destacando que “para cada Euro retirado das rendas públicas, a cinematografia
espanhola perde dois”, o que reverberou no instante em que, ao receber o prêmio
de Melhor Roteiro Original pelo filme “Vivir es Fácil con los Ojos Cerrados”
(2013), o diretor David Trueba mencionou uma conversa que teve com um atendente
de posto de gasolina, que alegava que a Espanha era o país mais rico do mundo. Quando
o diretor contesta interrogativamente tal informação, o frentista teria argumentado:
“Mas como não? Somos roubados há mais de quatrocentos anos e ainda estamos de
pé!”. A platéia, empolgada, aplaudiu...
Mas vamos aos filmes, visto que são eles que importam: se,
antes da cerimônia, eu parecia relativamente desempolgado por saber que o
entusiasmante “Las Brujas de Zugarramurdi”, indicado a dez prêmios, fora
ignorado nas categorias principais (Filme, Diretor e Roteiro Original), fiquei
contente ao vê-lo receber oito prêmios, sendo eles o já citado prêmio de Melhor
Atriz Coadjuvante e aqueles que pareciam óbvios, ou seja, Melhor Montagem,
Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Som, Melhores Efeitos Especiais,
Melhor Direção de Produção e Melhor Maquiagem. Não preciso acrescentar que
estou dooooooooido de vontade de ver este filme!
O mais premiado da noite foi uma barbada: “Vivir es Fácil con
los Ojos Cerrados”: com sua trama sobre um professor de Inglês que ensina aos
seus alunos utilizando música de The Beatles, de quem é fã obcecado, este filme
– baseado numa história real, cujo professor inspirador, hoje com 89 anos de
idade, estava presente à cerimônia – recebeu seis surpreendentes prêmios, sendo
estes Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha
Musical (para Pat Metheny), Melhor Atriz Revelação (para a jovem e linda
Natália de Molina, que recitou no palco a frase-motriz de sua personagem: “não
quero que ninguém decida por mim!”) e Melhor Ator (para Javier Cámara, que já
fora indicado seis vezes ao prêmio, mas nunca o recebera, o que foi assunto de
um divertido chiste antes do início da festa, envolvendo o patrocínio de um
cassino)...
Na categoria Melhor Ator, entretanto, eu torcia para Antonio
de la Torre, por “Caníbal” (2013, de Manuel Martín Cuenca),drama de impacto que
quero muito ver, laureado na categoria Melhor Fotografia. O roteirista Alejandro
Hernandéz foi premiado por outro filme, “Todas las Mujeres”, que escreveu ao
lado do já citado Mariano Barroso, que se referiu aos profissionais fílmicos
como “as Forças Armadas do cinema”, mais uma vez alfinetando o ausente Ministro
da Cultura (e da Educação). Antonio de la Torre, por sua vez, também, estava
indicado a Melhor Ator Coadjuvante pelo filme “La Gran Família Española” (2013,
de Daniel Sánchez Arévalo), que contava com doze indicações, mas recebeu apenas
os prêmios de Melhor Ator Coadjuvante (para Roberto Álamo, que dedicou o seu prêmio
“a todos os atores do País: aos que trabalham e, sobretudo, aos que não
trabalham”) e Melhor Canção Original (para a anglofílica “Do You Really Want to
Be in Love?”, de Josh Rouse). O interessante é que este filme foi alvo de um
comentário suspeitoso, quando um dos apresentadores da noite relatou que os
filmes produzidos na Espanha oscilavam entre as comédias industriais, ao qual
este filme se vincula (numa situação que demonstra o quanto o atual cinema
espanhol pode ser comparado ao cinema brasileiro, dadas as devidas proporções,
evidentemente), e os filmes de baixo orçamento e/ou artesanais, sendo o mais
exaltado nesta vertente “La Herida” (2013, de Fernando Franco García), que
recebeu – merecidamente, presumo – os aguardados prêmios de Melhor Diretor
Estreante e Melhor Atriz (para Marián Álvarez, elogiadíssima).
Além destes momentos, a noite de gala do cinema espanhol
entregou um Goya de Honra ao veterano cineasta Jaime de Armiñán (que ainda não
conheço, mas as cenas de seus filmes pareceram-me deveras atraentes em sua recorrência
de diálogos sobre medo), incluiu Bigas Luna, Jesús Franco e Sara Montiel entre
os homenageados recém-falecidos (“aún más grandes, aún más cerca”, organizados
por ordem alfabética, diferentemente do que acontece no Oscar), premiou o celebrado
“Amor” (2012, de Michael Haneke) como Melhor Filme Europeu, e encantou-me
particularmente ao fazer com que um pianista cômico subisse ao palco e
convidasse o público a reverenciar os subestimados curtas-metragens indicados. O
refrão “me gustan los cortos” ficou em minha cabeça até agora!
Demais prêmios: Melhor Ator Revelação para o gracioso Javier
Pereira [pelo filme romântico “Stockholm” (2013, de Rodrigo Sorogoyen), que
também anseio muito por ver], que brincou que “quem é filho único tem os
melhores irmãos do mundo”; Melhor Animação para o argentino “Um Time Show de
Bola” (2013, de Juan José Campanella); Melhor Filme Ibero-Americano para o
venezuelano “Azul y No Tan Rosa” (2012, de Miguel Ferrari), cujo diretor
entusiasmou-se bastante ao gritar o nome de seu país natal; e Melhor
Documentário para “Las Maestras de la República” (2013, de Pilar Pérez Solano),
que levou a sua emocionada diretora a suplicar para o público que este “também apóie o gênero documentário, pois este está passando por momentos muito difíceis”.
Vale lembrar que, ao redor do auditório onde ocorreu o evento, houve muitos
protestos de figurantes sindicalizados e de funcionários despedidos da empresa Coca-Cola
(Antonio de la Torre levantou o punho em apoio aos manifestantes), que houve
uma engraçada premiação cômico-ficcional para Melhor Filme Não-Realizado
(ganhou um esquete sobre um futuro imaginário em que políticos alegadamente
democratas sancionam leis proibindo determinados penteados), que David Trueba pareceu
ressentido ao alegar que já estava acostumado a perder, mas emocionou-me a agradecer
aos jornalistas – inclusive uma das homenageadas, recém-falecida – e que o
apresentador principal da noite acertou ao brincar que “depois das declarações
de amor, entregamos prêmios a quem nos declaramos”, mas equivocou-se, quando,
ao final da cerimônia, declarou que os maiores vencedores do Goya “ não são os
atores ou diretores ou demais técnicos, mas sim os vendedores de pipoca” (sic).
Enquanto isso, as pipocas caíam no palco. E eu estava contente, afinal: foram
três horas muito divertidas de cerimônia, mais uma vez!
Ah, não falei nada sobre o indicado “15 Años y un Día”
(2013, de Gracia Querejeta): entendamos isso como um sintoma...
Wesley PC>
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