domingo, 9 de fevereiro de 2014

“FELIZMENTE, OS TALENTOS DO CINEMA ESPANHOL ESTÃO POR CIMA DE QUALQUER MINISTRO DE ANTICULTURA!”



Esta frase, pronunciada pelo ator Javier Bardem, foi, sem dúvidas, o momento mais empolgante da 28ª edição dos prêmios Goya, dita pouco antes de o ator entregar o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante à idosa Tenele Pávez, pelo filme “Las Brujas de Zugarramurdi” (2013, de Álex de la Iglesia), que foi ovacionada de pé por todo o teatro. Logo na abertura do evento, o apresentador da noite empolgou-se: “que bom ver um cinema com todas as cadeiras ocupadas!”. Como sempre, além da pompa inerente a qualquer premiação e do boníssimo humor caro ao evento, as críticas políticas foram recorrentes, sendo esta a primeira edição do evento em que o Ministro da Cultura ausentou-se, alegando outras ocupações mais urgentes. Obviamente, ele foi rechaçado por diversos convidados, que desaprovam publicamente as medidas administrativas que impuseram suspensão de financiamento estatal para os filmes espanhóis. O roteirista Mariano Barroso [um dos vencedores do prêmio de Melhor Roteiro Adaptado pelo filme que dirigiu, “Todas las Mujeres” (2013)] alegou que o seu filho de 5 anos se comportaria como um Ministro da Cultura melhor que aquele que se ausentou da cerimônia (risos).

No momento em que subiu ao palco para realizar o seu discurso tradicional, o atual presidente da Academia Espanhola de Artes Cinematográficas, Enrique González-Macho, comentou que “fazer filmes no país é um ato heróico”, ressaltando, entretanto, que o declínio quantitativo de filmes realizados não implicou num declínio qualitativo. Seu discurso foi longo, destacando que “para cada Euro retirado das rendas públicas, a cinematografia espanhola perde dois”, o que reverberou no instante em que, ao receber o prêmio de Melhor Roteiro Original pelo filme “Vivir es Fácil con los Ojos Cerrados” (2013), o diretor David Trueba mencionou uma conversa que teve com um atendente de posto de gasolina, que alegava que a Espanha era o país mais rico do mundo. Quando o diretor contesta interrogativamente tal informação, o frentista teria argumentado: “Mas como não? Somos roubados há mais de quatrocentos anos e ainda estamos de pé!”. A platéia, empolgada, aplaudiu...

Mas vamos aos filmes, visto que são eles que importam: se, antes da cerimônia, eu parecia relativamente desempolgado por saber que o entusiasmante “Las Brujas de Zugarramurdi”, indicado a dez prêmios, fora ignorado nas categorias principais (Filme, Diretor e Roteiro Original), fiquei contente ao vê-lo receber oito prêmios, sendo eles o já citado prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante e aqueles que pareciam óbvios, ou seja, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Som, Melhores Efeitos Especiais, Melhor Direção de Produção e Melhor Maquiagem. Não preciso acrescentar que estou dooooooooido de vontade de ver este filme!

O mais premiado da noite foi uma barbada: “Vivir es Fácil con los Ojos Cerrados”: com sua trama sobre um professor de Inglês que ensina aos seus alunos utilizando música de The Beatles, de quem é fã obcecado, este filme – baseado numa história real, cujo professor inspirador, hoje com 89 anos de idade, estava presente à cerimônia – recebeu seis surpreendentes prêmios, sendo estes Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Musical (para Pat Metheny), Melhor Atriz Revelação (para a jovem e linda Natália de Molina, que recitou no palco a frase-motriz de sua personagem: “não quero que ninguém decida por mim!”) e Melhor Ator (para Javier Cámara, que já fora indicado seis vezes ao prêmio, mas nunca o recebera, o que foi assunto de um divertido chiste antes do início da festa, envolvendo o patrocínio de um cassino)...

Na categoria Melhor Ator, entretanto, eu torcia para Antonio de la Torre, por “Caníbal” (2013, de Manuel Martín Cuenca),drama de impacto que quero muito ver, laureado na categoria Melhor Fotografia. O roteirista Alejandro Hernandéz foi premiado por outro filme, “Todas las Mujeres”, que escreveu ao lado do já citado Mariano Barroso, que se referiu aos profissionais fílmicos como “as Forças Armadas do cinema”, mais uma vez alfinetando o ausente Ministro da Cultura (e da Educação). Antonio de la Torre, por sua vez, também, estava indicado a Melhor Ator Coadjuvante pelo filme “La Gran Família Española” (2013, de Daniel Sánchez Arévalo), que contava com doze indicações, mas recebeu apenas os prêmios de Melhor Ator Coadjuvante (para Roberto Álamo, que dedicou o seu prêmio “a todos os atores do País: aos que trabalham e, sobretudo, aos que não trabalham”) e Melhor Canção Original (para a anglofílica “Do You Really Want to Be in Love?”, de Josh Rouse). O interessante é que este filme foi alvo de um comentário suspeitoso, quando um dos apresentadores da noite relatou que os filmes produzidos na Espanha oscilavam entre as comédias industriais, ao qual este filme se vincula (numa situação que demonstra o quanto o atual cinema espanhol pode ser comparado ao cinema brasileiro, dadas as devidas proporções, evidentemente), e os filmes de baixo orçamento e/ou artesanais, sendo o mais exaltado nesta vertente “La Herida” (2013, de Fernando Franco García), que recebeu – merecidamente, presumo – os aguardados prêmios de Melhor Diretor Estreante e Melhor Atriz (para Marián Álvarez, elogiadíssima).

Além destes momentos, a noite de gala do cinema espanhol entregou um Goya de Honra ao veterano cineasta Jaime de Armiñán (que ainda não conheço, mas as cenas de seus filmes pareceram-me deveras atraentes em sua recorrência de diálogos sobre medo), incluiu Bigas Luna, Jesús Franco e Sara Montiel entre os homenageados recém-falecidos (“aún más grandes, aún más cerca”, organizados por ordem alfabética, diferentemente do que acontece no Oscar), premiou o celebrado “Amor” (2012, de Michael Haneke) como Melhor Filme Europeu, e encantou-me particularmente ao fazer com que um pianista cômico subisse ao palco e convidasse o público a reverenciar os subestimados curtas-metragens indicados. O refrão “me gustan los cortos” ficou em minha cabeça até agora!

Demais prêmios: Melhor Ator Revelação para o gracioso Javier Pereira [pelo filme romântico “Stockholm” (2013, de Rodrigo Sorogoyen), que também anseio muito por ver], que brincou que “quem é filho único tem os melhores irmãos do mundo”; Melhor Animação para o argentino “Um Time Show de Bola” (2013, de Juan José Campanella); Melhor Filme Ibero-Americano para o venezuelano “Azul y No Tan Rosa” (2012, de Miguel Ferrari), cujo diretor entusiasmou-se bastante ao gritar o nome de seu país natal; e Melhor Documentário para “Las Maestras de la República” (2013, de Pilar Pérez Solano), que levou a sua emocionada diretora a suplicar para o público que este “também apóie o gênero documentário, pois este está passando por momentos muito difíceis”. Vale lembrar que, ao redor do auditório onde ocorreu o evento, houve muitos protestos de figurantes sindicalizados e de funcionários despedidos da empresa Coca-Cola (Antonio de la Torre levantou o punho em apoio aos manifestantes), que houve uma engraçada premiação cômico-ficcional para Melhor Filme Não-Realizado (ganhou um esquete sobre um futuro imaginário em que políticos alegadamente democratas sancionam leis proibindo determinados penteados), que David Trueba pareceu ressentido ao alegar que já estava acostumado a perder, mas emocionou-me a agradecer aos jornalistas – inclusive uma das homenageadas, recém-falecida – e que o apresentador principal da noite acertou ao brincar que “depois das declarações de amor, entregamos prêmios a quem nos declaramos”, mas equivocou-se, quando, ao final da cerimônia, declarou que os maiores vencedores do Goya “ não são os atores ou diretores ou demais técnicos, mas sim os vendedores de pipoca” (sic). Enquanto isso, as pipocas caíam no palco. E eu estava contente, afinal: foram três horas muito divertidas de cerimônia, mais uma vez!

Ah, não falei nada sobre o indicado “15 Años y un Día” (2013, de Gracia Querejeta): entendamos isso como um sintoma...

Wesley PC>

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