terça-feira, 17 de dezembro de 2013

“E, NESTA SOLIDÃO, SEM TER ALEGRIA, O QUE ME ALIVIA SÃO MEUS TRISTES ‘AIS’”...


“Amâncio soltou um ai.

[...]

Entretanto, Amâncio despertou com um novo gemido e levou ao peito as mãos que se ensoparam no sangue da ferida. Olhou em torno, à procura de alguém; mas o quarto estava abandonado. 

Então, fechou novamente os olhos estremecendo, esticou o corpo e uma palavra doce esvoaçou-lhe nos lábios entreabertos, como um fraco e lamentoso apelo de criança: - Mamãe!...

E morreu”.

(página 274 da edição que possuo em mãos neste exato instante).


A cena acima ocorre no vigésimo primeiro capítulo, o penúltimo, de “Casa de Pensão” (1884), romance de Aluísio Azevedo que terminarei de ler ainda hoje. No início da saga do protagonista Amâncio, foi impossível não compará-lo diretamente com “Ilusões Perdidas” (1843), de Honoré de Balzac, obra-prima literária [comentada aqui] que, por motivos muito fortes, abalou-me pessoalmente, visto que remete a uma amizade destruída pela má administração dos prazeres e volições terrenas.  Não obstante o seu propalado pendor naturalista tropical, a obra de Aluísio Azevedo despertou em mim semelhantes impressões: por mais diferente que sejam os alvos e/ou as vítimas, as armas de destruição são mui parecidas... Minha vida é uma sina, afinal!

Na trama de “Casa de Pensão”, o jovem Amâncio chega do Maranhão ao Rio de Janeiro para estudar Medicina. Não porque goste, não porque queira, mas para agradar aos seus pais, uma mãe complacente e terna e um pai rígido e aparentemente avessos a sentimentalismos. Logo associado a alguns amigos pândegos, Amâncio vai morar na localidade mencionada no título e, tendo muito dinheiro, atrai a atenção de seu suposto amigo João Coqueiro, proprietário da hospedaria ao lado de sua esposa bem mais velha, a francesa Madame Brizard. A fim de assegurar sua rentabilidade oportunista, João Coqueiro, ciente dos desejos carnais iridescentes de seu hóspede, convence a sua irmã solteira Amélia, dois anos mais velha que o outro, a seduzir Amâncio. Ela o faz: entrega-se concupiscentemente a ele, após um planejo cozimento desejoso. Ele, encantado com os jorros de gozo de que se beneficia, gasta aos borbotões. O problema é que quem passa a ter dinheiro sempre quer mais. E Amâncio apaixona-se por outra mulher, a esposa de um conterrâneo seu, protegido de seu tio, que foi quem primeiro o hospedou quando ele chegou ao Rio de Janeiro. Mas, como se percebe na citação que destaquei, o protagonista morre antes do desfecho do romance... É uma sina também?

Para além de uma ou outra vaticinação pretendida, na tarde de ontem confessei a alguns amigos que sou incapaz de me desapaixonar, acumulando todas as minhas paixões frustradas e/ou inalcançáveis em meu coração sequioso. Um dos meus interlocutores, entretanto, aquele que mais me conhece desde a adolescência, contestou se eu “superava” aqueles objetos passionais nos quais consigo empreender sucedâneos erotógenos. Não soube bem o que dizer, mas, diante dos exemplos trazidos à tona, parecia que sim: sou um platônico contumaz. Quando alcanço algo de quem eu me apaixono, posso me sentir apto a apaixonar-me por outrem, deixá-lo livre de minhas persecuções infindas. Conforme insiste um outro amigo, fruto justamente de minha paixonite, eu tenho uma intensa “vaidade de santo”...

Poderia discorrer mais sobre o excelente romance, traçando paralelismos entre o que ali acontece, a minha vida pessoal e os anseios de pessoas que me cerca(ra)m, mas acho que isto seria incorrer numa obviedade humilhante. Ao invés disso, suplico para que esta obra capital da literatura brasileira seja mais conhecida, lida, discutida, analisada, sentida, experimentada, evitada na prática (no que tange aos enganos ricamente descritos pela instancia narrativa). Epígrafe do livre, na primeira página de seu entrecho: “desconfia de todo aquele que se arreceia da verdade”. Como discordar?

Neste ponto, o leitor destas linhas talvez me pergunte: e o que tem a ver esta imagem masturbacional com tudo o que relato aqui, num tom deveras confessional, inclusive? Não cabendo a mim, por enquanto, responder, lanço-me à sorte do destino: que o tempo resolva a charada! Por ora, não me declaro arrependido por amar irrefreadamente nem tampouco lamento dolosamente os abandonos que se instalam sobre mim: não foi apenas culpa minha! Mas viver é bom... Por isso, Amâncio – tal qual o Lucien de Rubempré de outrora – é quem mais perde em toda a História (com H maiúsculo, para deixar a “indireta sentimental” mais evidente)!


Wesley PC> 

2 comentários:

A. Everton Rocha disse...

li esse livro ano passado. confesso que não recordo de tudo, mas ficou fortes impressões do rapaz Amâncio sobre mim, que aqui certamente não daria pra contar, mas quem sabe depois num outro encontro como o do ano em que me visitou.

Gomorra disse...

(risos)

Impressões muito semelhantes ficaram em mim...

E sim, em breve te visito 'in loco' novamente.

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