terça-feira, 26 de novembro de 2013

O PRECONCEITO MACHISTA É ALGO INTERMITENTE?

Não vou responder a esta pergunta. Ela é daquele tipo que não se responde, justamente. Ao invés disso, prefiro indicar “O Sexo das Bonecas” (1974), surpreendente filme do execrável diretor Carlos Imperial. Surpreendente porque, antes de mergulhar nas pornochanchadas misóginas que ele protagonizará ou realizará nos anos seguintes, aqui, a sua adaptação do texto teatral de Fernando Melo – originalmente intitulado “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irará” – respeita os seus personagens, que, apesar do pendor estereotípico, são convincentes, interessantes...

Servindo-se de canções compostas por Zé Rodrix e cantadas, entre outros, por Sidney Magal, os dez primeiros minutos do filme não possuem diálogos: somos apresentados aos três personagens através de letras que mencionam os desencontros românticos de Arlequim, Colombina e Pierrô, encarnados, respectivamente, nas presenças de Mário Gomes (“ele”), Arlete Salles (“ela”) e Nestor de Montemar (“o etc.”): o primeiro é um rapaz interiorano que vem estudar Medicina no Rio de Janeiro; a segunda uma prostituta doméstica; e o terceiro, um enfermeiro homossexual que se apaixona pelo primeiro e se frustra com a sua ingenuidade, logo convertida em esperteza de gigolô. Quando o primeiro se apaixona pela segunda, ele decide apresentá-la ao terceiro como sua noiva (e ele como o seu tio-avô), o que desencadeará a conclusão em tom pastelão do filme. Ainda assim, preciso parabenizar o Carlos Imperial pelo tom gracioso do roteiro...

Apesar do título indecoroso e da forçação de barra erótica, o filme não é de todo desrespeitoso em sua designação do personagem do pederasta, que se defende das acusações inclementes contra os seus hábitos sexuais com a argumentação de que nunca teve opção e, eventualmente, exclamando: “se a Greta Garbo teve uma vida tão enrolada quanto a minha, coitadinha...!”. Mário Gomes, no auge de sua juventude, está muito bonito e parecido com alguns modelos reais, cujos diálogos e ações de ingenuidade ensaiada são deveras similares. Acho que foi isso o que mais me chamou a atenção no filme, aliás: a identificação com situações reais de minha própria vida, tendente à manutenção do gigolonato alheio!

A crítica da época detestou o filme, por conta de sua pífia imitação da peça original, mas eu, por desgostar sobremaneira da cafajestice do diretor e roteirista/adaptador (cujas obras são exibidas em pôsteres no bordel onde a colombina Gracinha vive), terminei sendo deveras indulgente em relação ao filme, que me surpreendeu pelos poucos cortes: a montagem é quase teatral, em seus longos planos, dependentes dos esforços actanciais dos dois astros masculinos e das tensões sexual e dramática que se instauram entre eles. Eu gostei do filme: sou suspeito e culpado!


Wesley PC> 

2 comentários:

Gilberto Carlos disse...

Assisti o filme com certo receio, já que tinha odiado as pornochanchadas que tinha visto de Carlos Imperial, mas me surpreendi e achei muito interessante, tanto a história, quanto a sua condução, que não tem nada a ver com seu título apelativo, típico da época. E eles mudaram o diálogo para "Greta Garbo, quem diria acabou em Copacabana", em vez de Irajá.

Abraços.

Gomorra disse...

Pois é...

Obrigado pela sutil percepção...

O Carlos Imperial é um seboso, mas, aqui, ele me surpreendeu de verdade: o filme é bom, o filme serve-se bem de sua estrutura teatral, sem contar que o Mário Gomes novinho validava o embalo oportunista do título (risos).

Concordo contigo: senti o mesmo!

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