Quando comecei a ler “O Leopardo” (1957), do Giuseppe Tomasi
di Lampedusa, meu intuito dominante era refrear a angústia que me tomava de
assalto por causa de manifestações populacionais de cunho superficialmente
político que me desagradavam em razão de sua condução manipulatória midiática.
Por dentro, eu sabia que o livro ultrapassaria tal objetivo, sendo tanto
maravilhoso por si mesmo quanto numa comparação com a obra homônima que Luchino
Visconti realizou para o cinema em 1963 a partir dele, sem contar o efeito
pessoal concernente ao enfrentamento de uma paixão violenta que me toma de
assalto, sendo o seu depositário humano um rapaz que se assemelha tanto aos
personagens arrivistas que circundam o protagonista que se gaba de apontar as
lacerações sociais circundantes ao que ele descreveu como uma tendência
aristocrática em meu olhar sobre o mundo ao meu redor. Ele não é desprovido de
razão nesta acusação, mas a política do cotidiano não é algo tão dicotômico
quanto uns e outros pensam...
Oficialmente, falta-me apenas um capítulo para encerrar a
leitura do livro, o oitavo, posterior àquele que intitula-se “A Morte do
Príncipe” e que já não constava de sua magnífica versão cinematográfica.
Difícil optar pelo que é qualitativamente superior, o romance ou o filme: ambos
são tão emocionantes, tão sutis, tão delicados em seus contornos políticos...
O protagonista é um príncipe altivo e decadente, que recebe
o apelido do felino que consta do título. Representante de uma classe social em
decadência numa Itália em transformação (a época do romance é a segunda metade
do século XIX), ele acompanha com desconfiança e concomitante empolgação os
feitos de seu sobrinho Tancredi, que luta ao lado dos revolucionários
garibaldinos, a fim de comprovar a sua tese: “se queremos que tudo fique como
está, é preciso que tudo mude”. Apesar de nobre, ele resolve despojar a filha plebéia
– porém belíssima – de um novo-rico que fizera fortuna a partir de serviços
rurais pouco valorativos, como coletar esterco. A noiva dele, chamada Angélica,
inebria o príncipe e quase o faz esquecer-se dos motivos vis que se deslindam
sorrateiramente em relação ao noivado, mas, com o passar inclemente do tempo,
tudo se cala, tudo grita: o que há de ser feito é efetivamente feito, contra ou
a favor da vontade de quem quer que seja!
O filme tem mais de três horas. O livro menos de trezentas
páginas. Entre um e outro, o espírito adaptativo é fidelíssimo: em ambos, os
protagonistas são construídos lentamente, com riqueza de detalhes emocionais e românticos,
incluindo inclusive detalhes eróticos, como o fato de o príncipe nunca ter
visto sequer o umbigo de sua esposa, mesmo tendo mais de meia-dúzia de filhos
com ela. Numa passagem absolutamente genial do romance, inclusive, a definição
freudiana do que seria um “ato falho” é antecipada em dezenas de anos. A
narrativa é onisciente, conforme se constata na insigne citação que acrescentei
ao título desta publicação. E, quanto mais eu avanço em relação à conclusão do
livro, absolutamente inédita em relação ao soberbo filme que vi mais de uma
vez, mais constato que, no que tange ao meu parecer sobre as manifestações
enviesadas que motivaram o meu mergulho literário, o essencial já fora dito no
primeiro capítulo: “ – Nada se consegue com pum! pum! Não é verdade, Bendicò? ‘Ding,
ding, ding’, tocava por sua vez a sineta anunciando o jantar”. As onomatopéias falam
por si mesmas – e Bendicò é o nome do cachorro!
Wesley PC>
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