domingo, 7 de julho de 2013

“’TENHO SETENTA E TRÊS ANOS, POR ALTO TEREI VIVIDO, VERDADEIRAMENTE VIVIDO, UM TOTAL DE DOIS... TRÊS ANOS NO MÁXIMO’. E O SOFRIMENTO, O TÉDIO, QUANTO TINHAM DURADO? INÚTIL CANSAR-SE FAZENDO CONTAS: TODO O RESTO: SETENTA ANOS” (p. 254)

Quando comecei a ler “O Leopardo” (1957), do Giuseppe Tomasi di Lampedusa, meu intuito dominante era refrear a angústia que me tomava de assalto por causa de manifestações populacionais de cunho superficialmente político que me desagradavam em razão de sua condução manipulatória midiática. Por dentro, eu sabia que o livro ultrapassaria tal objetivo, sendo tanto maravilhoso por si mesmo quanto numa comparação com a obra homônima que Luchino Visconti realizou para o cinema em 1963 a partir dele, sem contar o efeito pessoal concernente ao enfrentamento de uma paixão violenta que me toma de assalto, sendo o seu depositário humano um rapaz que se assemelha tanto aos personagens arrivistas que circundam o protagonista que se gaba de apontar as lacerações sociais circundantes ao que ele descreveu como uma tendência aristocrática em meu olhar sobre o mundo ao meu redor. Ele não é desprovido de razão nesta acusação, mas a política do cotidiano não é algo tão dicotômico quanto uns e outros pensam...

Oficialmente, falta-me apenas um capítulo para encerrar a leitura do livro, o oitavo, posterior àquele que intitula-se “A Morte do Príncipe” e que já não constava de sua magnífica versão cinematográfica. Difícil optar pelo que é qualitativamente superior, o romance ou o filme: ambos são tão emocionantes, tão sutis, tão delicados em seus contornos políticos...

O protagonista é um príncipe altivo e decadente, que recebe o apelido do felino que consta do título. Representante de uma classe social em decadência numa Itália em transformação (a época do romance é a segunda metade do século XIX), ele acompanha com desconfiança e concomitante empolgação os feitos de seu sobrinho Tancredi, que luta ao lado dos revolucionários garibaldinos, a fim de comprovar a sua tese: “se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”. Apesar de nobre, ele resolve despojar a filha plebéia – porém belíssima – de um novo-rico que fizera fortuna a partir de serviços rurais pouco valorativos, como coletar esterco. A noiva dele, chamada Angélica, inebria o príncipe e quase o faz esquecer-se dos motivos vis que se deslindam sorrateiramente em relação ao noivado, mas, com o passar inclemente do tempo, tudo se cala, tudo grita: o que há de ser feito é efetivamente feito, contra ou a favor da vontade de quem quer que seja!

O filme tem mais de três horas. O livro menos de trezentas páginas. Entre um e outro, o espírito adaptativo é fidelíssimo: em ambos, os protagonistas são construídos lentamente, com riqueza de detalhes emocionais e românticos, incluindo inclusive detalhes eróticos, como o fato de o príncipe nunca ter visto sequer o umbigo de sua esposa, mesmo tendo mais de meia-dúzia de filhos com ela. Numa passagem absolutamente genial do romance, inclusive, a definição freudiana do que seria um “ato falho” é antecipada em dezenas de anos. A narrativa é onisciente, conforme se constata na insigne citação que acrescentei ao título desta publicação. E, quanto mais eu avanço em relação à conclusão do livro, absolutamente inédita em relação ao soberbo filme que vi mais de uma vez, mais constato que, no que tange ao meu parecer sobre as manifestações enviesadas que motivaram o meu mergulho literário, o essencial já fora dito no primeiro capítulo: “ – Nada se consegue com pum! pum! Não é verdade, Bendicò? ‘Ding, ding, ding’, tocava por sua vez a sineta anunciando o jantar”. As onomatopéias falam por si mesmas – e Bendicò é o nome do cachorro!


Wesley PC> 

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