quarta-feira, 19 de junho de 2013

“TUDO O QUE EU FAÇO DÁ ERRADO!”...

Na tarde de ontem, passando por meu antigo setor burocrático de trabalho, conversei com uma amiga mais velha, que precisa apresentar um seminário sobre as teses epistemológicas de Boaventura de Sousa Santos. Nunca tinha lido nada mais profundo sobre o autor, mas discutimos bastante a afirmação dele de que todo conhecimento científico é, antes de tudo, autoconhecimento, que é totalitário e, por conta disso, tende a se tornar senso comum. Não sei bem se estou confundindo as assertivas, mas, enquanto conversava com ela, que estava nervosa, tive a idéia de abrir as revistas que se encontravam no recinto, em busca de algo que remetesse à discussão cientifica que nos ocupava. Dito e feito: achamos muito material interessante para ser apresentado em seu seminário.

A situação acima confirma o que minha orientadora de Mestrado e meu melhor amigo costumam afirmar: quando estamos a pesquisar algo com afinco, tudo o que está ao nosso redor corre o risco de ser impregnado por nosso tema. É o que acontece com os filmes que vejo recentemente: ao chegar de uma aula sobre Teorias do Jornalismo na manhã de hoje, senti uma vontade intensa e instintiva de assistir ao filme “A Próxima Vítima” (1983), de João Batista de Andrade, sabendo apenas que se tratava de uma obra policial sobre assassinato de prostitutas. O enredo do mesmo abre brechas hermenêuticas muito mais complexas, questionando com profundidade as obrigações e limites de uma futura ocupação pessoal, o Jornalismo, além de enfiar perigosamente o dedo na ferida de abertura democrática ainda em curso quando o filme foi realizado: em meio à abordagem ficcional, portanto, baseada em fatos reais ainda não desvendados, acompanhamos as eleições governamentais daquela época, testemunhando os embates de militantes partidários do PMDB e do PT nas ruas paulistanas. Não por acaso, é mais ou menos isso que é noticiado com insistência atualmente por causa dos protestos estudantis que tomam de assalto o país (e são midiática e ciberneticamente convertidos em algo quiçá diferente daquilo que são em princípio) e que terão uma filial sergipana na tarde do dia 20 de junho de 2013. Terei mais oportunidades para me posicionar acerca deste assunto depois da manifestação local, talvez.  Por ora, o filme me deixou perplexo e culpado.

Otimamente interpretado por Antônio Fagundes, o protagonista do filme é um telejornalista recém-divorciado, que, ao investigar os assassinatos de prostitutas no bairro do Brás, apaixona-se por uma meretriz adolescente (Mayara Magri, excelente e terna), ao passo em que se envolve numa violenta conspiração policial que imputa os crimes a um marginal perseguido que não era culpado dos referidos assassinatos (Aldo Bueno, extraordinário). O que parecia meros elementos de uma trama policial típica se converte, nas mãos politizadas e inteligentíssimas do diretor, num delicado estudo sobre corrupção e sobre o financiamento individual (ainda que forçoso) de profissionais e cidadãos comuns, seja pela divulgação de fatos precipitados e enganosos seja pelo silencio amedrontado, ainda que compreensível. Numa cena absolutamente antológica, o bandido perseguido, apelidado simplesmente de Nêgo, mija na cara do jornalista, irritado com a sua cooperação involuntária com a sua difamação falsa. Os gritos encolerizados e entupidos de palavrões ultrapassam o entrecho: são direcionados a nós, que, às vezes, nos deixamos contaminar pela impotência destrutiva. Aplaudi de pé o filme: absolutamente corajoso ainda hoje, que dirá naqueles dias tensos de 1982, em que foi filmado...

Pitorescamente, por mais que eu admirasse o trabalho do cineasta responsável por este ótimo filme desde que, ainda adolescente, vi o maravilhoso e pungente “O Homem que Virou Suco” (1980) pela primeira vez, as audiências recentes a “Doramundo” (1978, entusiasticamente elogiado aqui) e “O País dos Tenentes” (1987) me obrigam a lutar pessoalmente para que este brilhante diretor seja valorizado e reconhecido por suas incríveis proezas denuncistas. Um Brasileiro com letra inicial maiúscula este!


Wesley PC> 

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