Neste domingo, já acordei disposto a ver “Camille Claudel”
(1988, de Bruno Nuytten), filme que estava em minha casa faz tempo, mas que carecia
de uma motivação adequada. Este veio na forma da versão do cineasta Bruno
Dumont para a vida da mesma personagem, num filme de nome “Camille Claudel,
1915” (2013), bastante diferente em temática e encenação.
No primeiro caso, temos uma biografia tradicional, focada
nas desventuras românticas da personagem-título, uma escultora que “não precisa
de aulas, mas de liberdade” e que, por conta disso, apaixona-se perdidamente
por seu mestre Auguste Rodin. Sendo ele comprometido e mulherengo, ela enlouquece
de paixão e, passados alguns anos de seu traumático rompimento com o amado, ela
é internada num manicômio por seu irmão Paul. É aí que o filme de Bruno Dumont
passa a contar a sua história: Camille já está no manicômio há cerca de um ano
e fora recentemente transferida para esta instituição, por conta da deflagração
da I Guerra Mundial na Europa. Ela se sente infeliz, sadia e crê que estão
envenenando a sua comida, o que faz com que ela receba uma exceção em seu
internamento: o direito de cozer os alimentos de que se servirá. Entretanto, a convivência
forçada com pessoas doentes a fará surtar cada vez mais. Até que a promessa da
visita de seu irmão leva Camille a ter esperanças de que conseguirá convencê-lo
a desinterná-la...
É aí que o filme dumontiano revela o seu maior trunfo: apesar
da interpretação arrasadora de Juliette Binoche e do título feminino com nome e
sobrenome famosos, o filme não é sobre ela: num instante súbito, entra em cena
Paul Claudel (Jean-Luc Vincent) e, daí por diante, ele conduz o filme, seus
diálogos assimétricos com o Deus em que acredita são a verdadeira obsessão do
cineasta, que o leva a ser comparado – um tanto exageradamente, em minha
opinião – com o gênio francês Robert Bresson.
Insistindo que, mesmo o Senhor, em todo o Seu poder e a Sua
glória, não poderia impedi-lo de Amá-Lo, Paul oferece odes e preces teofílicas
do instante que entra em cena até o momento em que seu automóvel sobe uma
estrada montanhosa, pouco tempo depois de ser beijado por sua irmã e ser tranqüilizado
por ela própria acerca de seu estado mental. Paul acredita plenamente em Deus,
depois que fora convertido ao catolicismo ao ler os poemas “Iluminações” e “Uma
Temporada no Inferno” de Arthur Rimbaud, mas suas práticas são motivadas mais
por preconceitos religiosos que pela fé ou pelo perdão supremo. Segundo o que é
mostrado no filme, inclusive, Camille fora internada por ele por ter praticado
um aborto, ter cometido um crime imenso contra a Graça. Há, portanto, uma
assimetria ainda mais evidente entre aquilo que o irmão dela apregoa (o amor,
em sua forma mais bruta) e aquilo que ele pratica (a incompreensão, em sua
forma mais voraz). E é nisto que o filme mais acerta, mais dilacera, como toda
e qualquer obra conduzida pela mão firme do diretor [dentre os seus
longas-metragens, o único que não vi até então foi “Fora de Satã” (2011)], com
certeza um leitor pascaliano. Obviamente, saí da sessão do filme arrasado,
desnudado, exposto, envergonhado. Esperava um tipo de encenação (quiçá mais terrenamente
passional, dominado pela atriz) mas me deparei com outro, celestial, dorido,
marcado pelos dois principais sintomas da loucura segundo a tese de seu
narrador interno: o orgulho e o terror. Um filme adulto, para ser visto e
discutido mais vezes!
Wesley PC>
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