domingo, 12 de maio de 2013

“O SEGREDO É FAZER COM QUE A TUA VONTADE SEJA EXERCIDA”: “TUDO É PARÁBOLA!”

Neste domingo, já acordei disposto a ver “Camille Claudel” (1988, de Bruno Nuytten), filme que estava em minha casa faz tempo, mas que carecia de uma motivação adequada. Este veio na forma da versão do cineasta Bruno Dumont para a vida da mesma personagem, num filme de nome “Camille Claudel, 1915” (2013), bastante diferente em temática e encenação.

No primeiro caso, temos uma biografia tradicional, focada nas desventuras românticas da personagem-título, uma escultora que “não precisa de aulas, mas de liberdade” e que, por conta disso, apaixona-se perdidamente por seu mestre Auguste Rodin. Sendo ele comprometido e mulherengo, ela enlouquece de paixão e, passados alguns anos de seu traumático rompimento com o amado, ela é internada num manicômio por seu irmão Paul. É aí que o filme de Bruno Dumont passa a contar a sua história: Camille já está no manicômio há cerca de um ano e fora recentemente transferida para esta instituição, por conta da deflagração da I Guerra Mundial na Europa. Ela se sente infeliz, sadia e crê que estão envenenando a sua comida, o que faz com que ela receba uma exceção em seu internamento: o direito de cozer os alimentos de que se servirá. Entretanto, a convivência forçada com pessoas doentes a fará surtar cada vez mais. Até que a promessa da visita de seu irmão leva Camille a ter esperanças de que conseguirá convencê-lo a desinterná-la...

É aí que o filme dumontiano revela o seu maior trunfo: apesar da interpretação arrasadora de Juliette Binoche e do título feminino com nome e sobrenome famosos, o filme não é sobre ela: num instante súbito, entra em cena Paul Claudel (Jean-Luc Vincent) e, daí por diante, ele conduz o filme, seus diálogos assimétricos com o Deus em que acredita são a verdadeira obsessão do cineasta, que o leva a ser comparado – um tanto exageradamente, em minha opinião – com o gênio francês Robert Bresson.

Insistindo que, mesmo o Senhor, em todo o Seu poder e a Sua glória, não poderia impedi-lo de Amá-Lo, Paul oferece odes e preces teofílicas do instante que entra em cena até o momento em que seu automóvel sobe uma estrada montanhosa, pouco tempo depois de ser beijado por sua irmã e ser tranqüilizado por ela própria acerca de seu estado mental. Paul acredita plenamente em Deus, depois que fora convertido ao catolicismo ao ler os poemas “Iluminações” e “Uma Temporada no Inferno” de Arthur Rimbaud, mas suas práticas são motivadas mais por preconceitos religiosos que pela fé ou pelo perdão supremo. Segundo o que é mostrado no filme, inclusive, Camille fora internada por ele por ter praticado um aborto, ter cometido um crime imenso contra a Graça. Há, portanto, uma assimetria ainda mais evidente entre aquilo que o irmão dela apregoa (o amor, em sua forma mais bruta) e aquilo que ele pratica (a incompreensão, em sua forma mais voraz). E é nisto que o filme mais acerta, mais dilacera, como toda e qualquer obra conduzida pela mão firme do diretor [dentre os seus longas-metragens, o único que não vi até então foi “Fora de Satã” (2011)], com certeza um leitor pascaliano. Obviamente, saí da sessão do filme arrasado, desnudado, exposto, envergonhado. Esperava um tipo de encenação (quiçá mais terrenamente passional, dominado pela atriz) mas me deparei com outro, celestial, dorido, marcado pelos dois principais sintomas da loucura segundo a tese de seu narrador interno: o orgulho e o terror. Um filme adulto, para ser visto e discutido mais vezes!

Wesley PC> 

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