domingo, 31 de março de 2013

“O AMOR MATA! O AMOR MATA! O AMOR MATA!”

Faz muito tempo que li o conto “Dama da Noite”, do renomado escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996). Apesar de me identificar bastante com o seu universo, este escritor não é dos meus favoritos. A estória citada é uma exceção nobiliárquica: emociona-me deveras!

Quando soube que a peça “Cabaré da Dama”, representada pelo Grupo Parque de Teatro, do Ceará, dirigido por um tal de Silvero Pereira, era baseada neste conto, ansiei para que meus amigos aceitassem o convite (feito às cegas) para estarmos no teatro nesta noite de Páscoa. Felizmente, eles aceitaram...

Quando entramos no teatro, música ‘tecno’ era executada altissonantemente. O tipo de música que embala baladas ‘gay’, aliás. Ficamos desconfiados: “será que isso vai prestar?”. Uma de minhas amigas quase desiste de entrar no teatro por causa disso. Mas ela insistiu: ela acreditou em nós. Porém, até mesmo nós ficamos relativamente desiludidos quando um mestre-de-cerimônias absolutamente afetado, intitulado Gisele Almodóvar, entrou no palco, começou a brincar com a platéia, fez piadas de gosto indústria-culturalmente duvidoso e apresentou diversos ‘shows’ de travestis, que ia de uma hilária paródia de “Holding Out for a Hero”, da Bonnie Tyler, até uma emocionada execução à ‘capella’ de “Non, Je ne Regrette Rien”, passando por várias canções tipicamente dubladas por ‘drag queens’, como a clássica “I’ve Never Been to Me”, da Charlene. Gargalhamos nalguns momentos, mas logo estávamos interrogativos: “onde é que o Caio Fernando Abreu entra nisso tudo?”.

Foi quando a luz se apagou, e apenas um ator sentou numa mesa improvisada no palco, com uma garrafa de cerveja, um interlocutor imaginário e muita, muita emoção. À medida que o monólogo se desenrolava, mais nos emocionávamos: parecia que trechos de nossas vidas eram encenados no palco (no meu caso pessoal, a descrição de um assédio sofrido na infância foi certeira!). Em mais de um momento, contive-me para não chorar, enquanto que, na platéia, pessoas sorriam fora de contexto. Talvez por – como bem interpretou uma amiga minha, a partir de uma fala muito repetida no texto do monólogo – estarem “dentro da roda”. Riam porque nunca haviam sofrido aquilo que era narrado...

Eu poderia me demorar aqui, citando trechos e mais trechos emocionantes da peça (quando, por exemplo, o solitário protagonista compara a morte a um copo vazio, que até o instante anterior possuía algo em seu interior), mas prefiro indicar o conto original. O que eu presenciei neste Domingo de Páscoa – “dia em que Cristo reviveu, linda a biba!”, como acrescentou o ator-personagem – deve ser experimentado em sua integridade, como eu e meus amigos experimentamos diante daquele palco molhado de cerveja, preenchido por rapazes zombeteiros que vestiam “calça ‘jeans’, camiseta preta e cabelo arrepiadinho”, exatamente como eu, em que, no momento derradeiro, o travesti se despe, mostra-se completamente nu, com o pênis escondido em suas pernas, formando uma vagina “sem essência”, enquanto outro travesti canta uma dessas canções ‘pop’ estadunidenses, cuja letra falava justamente em “deixar o melhor para o final”. Foi uma experiência emocionante: ainda estou sob efeito! Magnífica interpretação, belíssima atualização do texto original e encenação surpreendente, com uma construção impagável do clima cômico antes de a dramaticidade ser literalmente derramada. Uma das melhores peças teatrais que já experimentei na vida! Parabéns para quem esteve lá, viu, sofreu, se emocionou, gargalhou e, principalmente, sentiu... Sentiu na própria pele, como eu e meus amigos sentimos!

Wesley PC> 

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