O rapaz cuja fotografia é apresentada na parte inferior desta publicação completa hoje 24 anos de idade. Absolutamente querido por seus conhecidos, temia que as comemorações natalícias desta data – que, por motivos vários, é também sumamente importante para mim – impedissem que eu prestasse atenção ao clássico “Sangue e Areia” (1941, de Rouben Mamoulian), exibido dublado no canal TCM, na tarde de hoje. Uma espécie de conjunção celestial permitiu que seus amigos mantivessem-se calmos até o momento em que desliguei a TV, de modo que, enquanto escrevo estas linhas, o volume das canções executadas em celebração à festividade do rapaz em pauta está ascendente. Ele merece, não irei me chatear com isso. Mas preciso voltar ao que o filme me causou...
Não obstante ser um clássico hollywoodiano, “Sangue e Areia”
nunca foi lançado em vídeo no Brasil e era exibido rarissimamente nas emissoras
de TV. Sempre quis conferir o preciosismo melodramático de seu enredo -
antecipado a partir de uma regravação ‘caliente’, datada de 1989, dirigida por Javier
Elorrieta e protagonizada pelo desconhecido Christopher Rydell, pela sensual
Sharon Stone e pela competentíssima Ana Torrent – mas nada se comprara à versão
dirigida por Rouben Mamoulian em 1941 (que já era, em si, uma regravação da
versão dirigida em 1922 por Fred Niblo e protagonizada por Rudolph Valentino):
o filme é absolutamente soberbo! Sei que parece um chavão comentar isso quando
o objeto da análise é canonicamente reconhecido, mas, insisto: “Sangue e Areia”
é magistral!
Baseado num romance de Vicente Blasco Ibañez, autor que já
inspirou a obra-prima muda “Laranjais em Flor” (1926, de Monta Bell), este
filme narra a saga de Juan Gallardo (Tyrone Power), filho de um toureiro morto
na arena que decide seguir a carreira de seu pai, não obstante os conselhos e
lágrimas da mãe (a digníssima Alla Nazimova), que não se envergonha em se
ajoelhar para lavar chãos, mas não suporta mais ser morta sempre que seus
parentes dispõem-se a enfrentar touros, num esporte que é considerado reacionário
por um dos amigos crescidos de Juan. Desde pequeno, Juan é estouvado – e, numa seqüência
magistral, ele quebra uma garrafa de vinho na cabeça de um crítico que falara
mal de seu pai, despe-se após ouvir ciganos dançarem na floresta, nada num rio
por alguns minutos e, logo após, ainda de cueca, toureia rudemente um touro
aprisionado na fazenda onde vive, como filha de empregado, a mocinha por quem
se apaixona e estará destinado a se casar ao ficar adulto. Como foi previamente
alegado, entretanto, Juan é estouvado. E, ao invés de conformar-se com as
glórias que recebe, com a bela mulher que o acorda diariamente, com os
familiares que lhe servem e com os clamores de uma multidão “tão volúvel e traiçoeira
quanto uma mulher”, deixa-se seduzir pela lasciva personagem de Rita Hayworth,
filha do dono da fazenda em que sua noiva era inquilina quando criança. Ele mente para ela e, ao fazê-lo, a
trai, e nos trai, espectadores desejosos de sua felicidade, por extensão. O
final do filme não poderia ser mais trágico: num plano absolutamente inaudito
para os padrões da época, o título é tornado literal a partir da focalização do
sangue de ruim derramado na areia onde estivera enfrentando um touro (e a sua
própria vaidade) minutos antes...
Para além do brilhantismo do roteiro, das atuações
excepcionais (Linda Darnell, o jovem Anthony Quinn, e John Carradine estão de
parabéns!),da trilha sonora mui respeitosa acerca de temas hispânicos, a
fotografia colorida (premiada com um Oscar, dentre as duas parcas indicações
que este exuberante filme recebeu) foi o que mais me impressionou. Momentos
como aquele em que a noiva de Juan experimenta um vestido, os enquadramentos
por detrás de uma fonte quando Juan e a lúbrica Doña Sol flertam, as imagens
impressionantes da Santa Macarena e da efígie cristã para a qual os integrantes
da família Gallardo rezavam e o já citado plano final ficarão cravados para
sempre em minha memória devota: o filme é soberbo, pura e simplesmente! Como eu
pude ter sido privado desta jóia hollywoodiana antes? Como?!
Para além de eventuais coincidências tramáticas envolvendo moços
que conheço (uma criatura ignóbil e o rapaz mostrado na foto em destaque), o
filme envolve-nos pela magnificência de seus elementos técnicos, por
reviravoltas tramáticas que, ao invés de serem convertidas em clichês românticos,
são exibidas aqui no fulgor de sua jovialidade expressiva. É um filme de amor
vivo, o qual, conforme adiantou uma grande amiga, precisará ser revisitado mais
e mais vez. Obra-prima, pura e simplesmente: belíssimo!
Até mesmo o elogio às
touradas espanholas, que parecia me preocupar, é habilmente revertido em ponto
pacífico, quanto um personagem consciencioso, que lamenta não ter aprendido a
ler e a escrever, constata que os touros não são mortos “em vão”, visto que, após
os espetáculos cruéis e sangrentos das touradas, a carne deles é dividida com
escárnio entre pessoas pobres que se amontoam diante dos matadouros
improvisados. Fiquei impressionado com esta imagem. Preciso ver este filme
novamente!
Wesley PC>
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