Há mais ou menos duas semanas, quando eu conheci os
indicados deste ano para a vigésima sétima edição dos Prêmios Goya, “o Oscar do
cinema espanhol”, fiquei decepcionado com o que cria que fosse uma má safra. O
desconhecimento completo, à época, sobre três dos indicados e a decepção
lancinante em relação a um deles [o péssimo “O Impossível” (2012, de Juan
Antonio Bayona), criticado aqui] me fez suspeitar de que a cerimônia deste ano,
a terceira que tenho a possibilidade acompanhar através do canal fechado
(estatal) TV Española, seria decepcionante. Equivoquei-me completamente: apesar
de não aceitar placidamente a premiação do espetaculoso (no pior sentido do
termo) Juan Antonio Bayona como Melhor Diretor, os demais eventos e escolhas da
cerimônia foram agradabilíssimos.
Apesar de os técnicos cinematográficos espanhóis serem
amplamente chistosos – incorrendo eventualmente em piadas de gosto duvidoso,
como os clipes paródicos acerca dos dramáticos filmes indicados aos prêmios principais
– as piadas da noite foram pontuais: o membro maquiado da platéia que exigia
óculos 3D para os ciclopes me fez rir bastante do mesmo modo que as
intervenções politizadas da apresentadora Eva Hache, incisiva em relação a práticas
governamentais problemáticas, cuja responsabilidade recaiu sobre o Ministro da
Cultura José Ignacio Wert Ortega, presente ao evento. O presidente da Academia
do Cinema Espanhol, Enrique González Macho, também foi feliz em seu discurso
político, lamentando que “uma vez mais, a razão de estado se impõe sobre o
estado da razão” e que “o cinema pertence a todos os cidadãos: é um direito e,
ao mesmo tempo, um complemento da vida”. Além disso, um dos apresentadores de
um dado prêmio, por ser catalão, dá “boa noite” a todos os presentes ao auditório,
exceto um, justamente o ministro, que merece apenas 21% do referido
cumprimento. Não entendi direito o contexto, mas fiquei empolgado com a
pungente invectiva, confirmando que, apesar de ser nacionalista, a entrega dos
prêmios Goya não redunda num invólucro bairrista.
Dentre os principais filmes indicados, portanto, o favorito “Blancanieves”
(2012, de Pablo Berger), que estou ansioso para conferir, recebeu dez dos
dezoito prêmios a que esteve nomeado, inclusive Melhor Filme (supostamente, com
louvor), Melhor Canção Original (num instante que gerou consternação, visto que
a apresentadora deste prêmio chamou ao palco os ganhadores errados), Melhor
Trilha Sonora (o que era esperado, dado que o filme era mudo), Melhor Atriz
Revelação (para a bela Macarena García), Melhor Atriz Protagonista (a
maravilhosa Maribel Verdú, que interpreta a Madrasta no filme), Melhor Roteiro
Original (o que é estranho, já que a trama, apesar de bastante inventiva em sua
elaboração temática sobre uma toureira feminina, é baseado no famoso conto de
fada dos irmãos Grimm), Melhor Figurino [de Paco Delgado, indicado na mesma
categoria ao Oscar deste ano, por sua colaboração em “Os Miseráveis” (2012, de
Tom Hooper)], Melhor Fotografia (magistralmente em preto-e-branco), Melhor
Maquiagem e Perucas e Melhor Direção de Arte, todos merecidos, sem dúvida.
Indicado apenas a cinco prêmios abaixo de “Blancanieves”, “O
Artista e a Modelo” (2012), do veterano Fernando Trueba, não logrou nenhum dos
treze prêmios para os quais concorria, ao passo em que o moralmente desagradável
“O Impossível”, além do já citado prêmio de direção, recebeu os lauréis de
Melhor Montagem, Melhor Som, Melhor Direção de Produção e Melhores Efeitos
Especiais. É inegável que o filme merece alguns deles, afinal de contas, em
termos técnicos, não é tão ruim. A trama policial “Unidade 7 – Comando de Elite” (2012, de Alberto
Rodriguéz), por sua vez, indicado a dezesseis prêmios, recebeu apenas dois por
atuações masculinas (o coadjuvante Julián Villagrán e o revelado Joaquín
Nuñez), enquanto que a película animada “As Aventuras de Tadeo” (2012, de Enrique
Gato) recebeu os prêmios de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Filme de Animação e
Melhor Diretor Estreante (não obstante Enrique Gato já ter recebido dois
prêmios Goya como realizador de curtas-metragens animados). Os filmes
estrangeiros premiados foram o francês “Os Intocáveis” (2011, de Eric Toledando
& Olivier Nakache), em que um dos diretores falou que não sabe “se o cinema
pode mudar o mundo, mas pode torná-lo mais divertido e emocionante” em seu
discurso de agradecimento, e o cubano “Juan de los Muertos” (2011, de Alejandro
Brugués), em que um dos membros da equipe, bastante afetado, histriônico e contente,
gritou que “em Cuba, não temos nada, mas fazemos de tudo!”.
O prêmio de Melhor Ator Protagonista ficou com o veterano José
Sacristán [por “El Muerto y Ser Feliz” (2012, de Javier Rebollo)], que acrescentou
que “há que se lutar muito para fazer filmes tão livres, tão alegres e tão ameaçados”,
e o de Melhor Atriz Coadjuvante ficou com Candela Peña [por “Una Pistola en
Cada Mano” (2012, de Cesc Gay)], que, de longe, encetou o melhor discurso da
noite. Palavras dela: “não atuava há três anos. Nestes três anos, assisti a meu
pai morrer num hospital público, onde não havia nem cobertores nem água – tínhamos
que trazê-los de casa! Nestes mesmos três anos, um filho saiu de minhas
entranhas e não sei que educação pública o espera. Por isto, este prêmio não me
traz ilusões: sou atriz e tenho um filho para alimentar!”. Depois do que ela
disse, aplaudi de pé, de modo que, quando a homenageada da noite com um Goya de
Honra, a então nunca premiada Concha Velasco, fez brincadeiras sobre as várias vezes
em que fora indicada e saiu com as mãos abandonando – apesar de, na opinião
dela, merecer ser premiada – eu continuava impressionado com o discurso
anterior. Por essas e outras que, apesar da ameaça de não haver um prêmio Goya
no ano de que vem, de tanto que a edição deste ano foi ácida em suas críticas
políticas, dei-me não apenas por satisfeito como paguei com gosto a minha
língua precipitada: estou mais do que ansioso para ver os filmes indicados (e premiados) deste ano, os quais - salvo uma exceção já confirmada - parecem ótimos!
Wesley PC>
Wesley PC>
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