domingo, 17 de fevereiro de 2013

ENHORABUENA: “OU TERMINAMOS COM O ESPÓLIO OU ELE TERMINA CONOSCO!”

Há mais ou menos duas semanas, quando eu conheci os indicados deste ano para a vigésima sétima edição dos Prêmios Goya, “o Oscar do cinema espanhol”, fiquei decepcionado com o que cria que fosse uma má safra. O desconhecimento completo, à época, sobre três dos indicados e a decepção lancinante em relação a um deles [o péssimo “O Impossível” (2012, de Juan Antonio Bayona), criticado aqui] me fez suspeitar de que a cerimônia deste ano, a terceira que tenho a possibilidade acompanhar através do canal fechado (estatal) TV Española, seria decepcionante. Equivoquei-me completamente: apesar de não aceitar placidamente a premiação do espetaculoso (no pior sentido do termo) Juan Antonio Bayona como Melhor Diretor, os demais eventos e escolhas da cerimônia foram agradabilíssimos.

Apesar de os técnicos cinematográficos espanhóis serem amplamente chistosos – incorrendo eventualmente em piadas de gosto duvidoso, como os clipes paródicos acerca dos dramáticos filmes indicados aos prêmios principais – as piadas da noite foram pontuais: o membro maquiado da platéia que exigia óculos 3D para os ciclopes me fez rir bastante do mesmo modo que as intervenções politizadas da apresentadora Eva Hache, incisiva em relação a práticas governamentais problemáticas, cuja responsabilidade recaiu sobre o Ministro da Cultura José Ignacio Wert Ortega, presente ao evento. O presidente da Academia do Cinema Espanhol, Enrique González Macho, também foi feliz em seu discurso político, lamentando que “uma vez mais, a razão de estado se impõe sobre o estado da razão” e que “o cinema pertence a todos os cidadãos: é um direito e, ao mesmo tempo, um complemento da vida”. Além disso, um dos apresentadores de um dado prêmio, por ser catalão, dá “boa noite” a todos os presentes ao auditório, exceto um, justamente o ministro, que merece apenas 21% do referido cumprimento. Não entendi direito o contexto, mas fiquei empolgado com a pungente invectiva, confirmando que, apesar de ser nacionalista, a entrega dos prêmios Goya não redunda num invólucro bairrista.

Dentre os principais filmes indicados, portanto, o favorito “Blancanieves” (2012, de Pablo Berger), que estou ansioso para conferir, recebeu dez dos dezoito prêmios a que esteve nomeado, inclusive Melhor Filme (supostamente, com louvor), Melhor Canção Original (num instante que gerou consternação, visto que a apresentadora deste prêmio chamou ao palco os ganhadores errados), Melhor Trilha Sonora (o que era esperado, dado que o filme era mudo), Melhor Atriz Revelação (para a bela Macarena García), Melhor Atriz Protagonista (a maravilhosa Maribel Verdú, que interpreta a Madrasta no filme), Melhor Roteiro Original (o que é estranho, já que a trama, apesar de bastante inventiva em sua elaboração temática sobre uma toureira feminina, é baseado no famoso conto de fada dos irmãos Grimm), Melhor Figurino [de Paco Delgado, indicado na mesma categoria ao Oscar deste ano, por sua colaboração em “Os Miseráveis” (2012, de Tom Hooper)], Melhor Fotografia (magistralmente em preto-e-branco), Melhor Maquiagem e Perucas e Melhor Direção de Arte, todos merecidos, sem dúvida.

Indicado apenas a cinco prêmios abaixo de “Blancanieves”, “O Artista e a Modelo” (2012), do veterano Fernando Trueba, não logrou nenhum dos treze prêmios para os quais concorria, ao passo em que o moralmente desagradável “O Impossível”, além do já citado prêmio de direção, recebeu os lauréis de Melhor Montagem, Melhor Som, Melhor Direção de Produção e Melhores Efeitos Especiais. É inegável que o filme merece alguns deles, afinal de contas, em termos técnicos, não é tão ruim. A trama policial “Unidade 7 – Comando de Elite” (2012, de Alberto Rodriguéz), por sua vez, indicado a dezesseis prêmios, recebeu apenas dois por atuações masculinas (o coadjuvante Julián Villagrán e o revelado Joaquín Nuñez), enquanto que a película animada “As Aventuras de Tadeo” (2012, de Enrique Gato) recebeu os prêmios de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Filme de Animação e Melhor Diretor Estreante (não obstante Enrique Gato já ter recebido dois prêmios Goya como realizador de curtas-metragens animados). Os filmes estrangeiros premiados foram o francês “Os Intocáveis” (2011, de Eric Toledando & Olivier Nakache), em que um dos diretores falou que não sabe “se o cinema pode mudar o mundo, mas pode torná-lo mais divertido e emocionante” em seu discurso de agradecimento, e o cubano “Juan de los Muertos” (2011, de Alejandro Brugués), em que um dos membros da equipe, bastante afetado, histriônico e contente, gritou que “em Cuba, não temos nada, mas fazemos de tudo!”.

O prêmio de Melhor Ator Protagonista ficou com o veterano José Sacristán [por “El Muerto y Ser Feliz” (2012, de Javier Rebollo)], que acrescentou que “há que se lutar muito para fazer filmes tão livres, tão alegres e tão ameaçados”, e o de Melhor Atriz Coadjuvante ficou com Candela Peña [por “Una Pistola en Cada Mano” (2012, de Cesc Gay)], que, de longe, encetou o melhor discurso da noite. Palavras dela: “não atuava há três anos. Nestes três anos, assisti a meu pai morrer num hospital público, onde não havia nem cobertores nem água – tínhamos que trazê-los de casa! Nestes mesmos três anos, um filho saiu de minhas entranhas e não sei que educação pública o espera. Por isto, este prêmio não me traz ilusões: sou atriz e tenho um filho para alimentar!”. Depois do que ela disse, aplaudi de pé, de modo que, quando a homenageada da noite com um Goya de Honra, a então nunca premiada Concha Velasco, fez brincadeiras sobre as várias vezes em que fora indicada e saiu com as mãos abandonando – apesar de, na opinião dela, merecer ser premiada – eu continuava impressionado com o discurso anterior. Por essas e outras que, apesar da ameaça de não haver um prêmio Goya no ano de que vem, de tanto que a edição deste ano foi ácida em suas críticas políticas, dei-me não apenas por satisfeito como paguei com gosto a minha língua precipitada: estou mais do que ansioso para ver os filmes indicados (e premiados) deste ano, os quais - salvo uma exceção já confirmada - parecem ótimos!

Wesley PC> 

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