quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

PARECIA UMA PREVISÃO (DE CLASSE)... E ERA!


Enquanto lia algumas considerações do economista paraibano Celso Furtado sobre a equiparação entre o processo de ascensão social e a subida na escala da diversificação do consumo, deparei-me com a frase: “é a discriminação entre consumidores que permite ao sistema de incentivos alcançar sua máxima eficácia”. Não apenas exultei diante da certeza contida nesta observação como, após direcioná-la, visa SMS, para alguns de meus melhores amigos /ou pretendentes namoratórios, deparei-me com um filme que punha isto em prática da forma mais estilosa possível: “A Herança dos Devassos” (1979, de Alfredo Sternheim).

Produzido num contexto em que a manutenção do erotismo era obrigatória – basta prestara então ao cartaz que emoldura esta postagem – o filme é deveras complexo em sua requintada e minuciosa investigação de classe: na trama, o patriarca de uma família riquíssima falece e deixa uma herança para ser dividida entre dois irmãos incestuosos e a viúva de um parente consangüíneo próximo. Os conchavos para obter a maior parte dos bens herdados mergulham os personagens numa trama que mistura meandros de trama policial a comentários sobre a sexualidade instintiva dos escravos (assim descrita num comentário classista deveras oportuno), permeados do que um dos personagens descreveu como filiação erudita ao século XIX ("com toques do século XVIII e ênfase na era vitoriana"). Apesar de ser vendido como mero filme erótico da Boca do Lixo, o clássico sternheiminiano vai além de suas propostas vendáveis e revela-se como uma obra de arte legítima e classicista da cinematografia brasileira. Não por acaso, desconhecido e subestimado.

Apesar de a cópia do filme a que tive acesso (através do Canal Brasil) estar com a sua qualidade sonora bastante prejudicada, as minúcias reconstitutiva dos ambientes da mansão onde transcorre a narrativa e a grandiloqüência malévola do plano destrinchado pelo mordomo da família rica na seqüência anterior ao final deixam claro o quanto este filme precisa ser revisto, até mesmo porque, no momento em que escrevo estas linhas, estou preocupado com uma pendência acadêmica que está confundindo os meus brios espectatoriais. Preciso ver mais filmes do Alfredo Sternheim, preciso ler mais o Celso Furtado!

Wesley PC>  

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