Enquanto lia algumas considerações do economista paraibano
Celso Furtado sobre a equiparação entre o processo de ascensão social e a
subida na escala da diversificação do consumo, deparei-me com a frase: “é a
discriminação entre consumidores que permite ao sistema de incentivos alcançar
sua máxima eficácia”. Não apenas exultei diante da certeza contida nesta
observação como, após direcioná-la, visa SMS, para alguns de meus melhores
amigos /ou pretendentes namoratórios, deparei-me com um filme que punha isto em
prática da forma mais estilosa possível: “A Herança dos Devassos” (1979, de
Alfredo Sternheim).
Produzido num contexto em que a manutenção do erotismo era
obrigatória – basta prestara então ao cartaz que emoldura esta postagem – o filme
é deveras complexo em sua requintada e minuciosa investigação de classe: na
trama, o patriarca de uma família riquíssima falece e deixa uma herança para
ser dividida entre dois irmãos incestuosos e a viúva de um parente consangüíneo
próximo. Os conchavos para obter a maior parte dos bens herdados mergulham os
personagens numa trama que mistura meandros de trama policial a comentários
sobre a sexualidade instintiva dos escravos (assim descrita num comentário
classista deveras oportuno), permeados do que um dos personagens descreveu como
filiação erudita ao século XIX ("com toques do século XVIII e ênfase na era
vitoriana"). Apesar de ser vendido como mero filme erótico da Boca do Lixo, o
clássico sternheiminiano vai além de suas propostas vendáveis e revela-se como
uma obra de arte legítima e classicista da cinematografia brasileira. Não por
acaso, desconhecido e subestimado.
Apesar de a cópia do filme a que tive acesso (através do
Canal Brasil) estar com a sua qualidade sonora bastante prejudicada, as minúcias
reconstitutiva dos ambientes da mansão onde transcorre a narrativa e a grandiloqüência
malévola do plano destrinchado pelo mordomo da família rica na seqüência
anterior ao final deixam claro o quanto este filme precisa ser revisto, até
mesmo porque, no momento em que escrevo estas linhas, estou preocupado com uma pendência
acadêmica que está confundindo os meus brios espectatoriais. Preciso ver mais
filmes do Alfredo Sternheim, preciso ler mais o Celso Furtado!
Wesley PC>
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