Um dos guarda-costas
que protagoniza “O Gosto dos Outros” (2000, de Agnés Jaoui) chega à conclusão
de que sim. Tendo iniciado sua vida sexual aos 15 anos de idade, e fodendo em
média dez mulheres por ano, ele chega ao surpreendente número de parceiras
sexuais indicado no questionamento que intitula esta postagem. Mas o filme não
é sobre isto, não obstante tal problema erótico fazer parte do amplificado escopo
de assuntos que o roteiro aborda...
Apesar de ter sido
indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2001, este filme permanece
obscuro para o grande público. É fácil entender o porquê: apesar de sua aparente
leveza cômica, da adesão crescente do roteiro à paixonite do protagonista e ao
aparente despojamento da direção, este é um filme de tese, rigorosamente planejado
para despejar suas opiniões pré-concebidas sobre o espectador. O diálogo é
secundário: as opiniões já estavam formuladas desde o princípio, quando vemos o
guarda-costas aprender a tocar flauta no interior de sua residência pela
primeira vez...
“O Gosto dos Outros”
está longe de ser um filme ruim. Muitíssimo pelo contrário: magistralmente
orquestrado em suas diversas tramas paralelas, este filme discute a assimilação
de padrões (alheios) instituídos de cultura de uma forma muito inteligente,
abrindo espaço para uma identificação espectatorial benévola com o
protagonista, um empresário casado com uma decoradora de interiores ‘kitsch’,
que, aos poucos, entra em contato com a arte dita refinada depois que se
apaixona por uma atriz de teatro que trabalha como professora improvisada de
Inglês. Ao mesmo tempo em que desenvolve sua paixonite e concomitante adesão a cânones
artísticos que podem resvalar em aproveitamento monetário, o filme permite que
também conheçamos – e desenvolvamos simpatia – pelos guarda-costas do
protagonista, sendo um deles apaixonado por uma namorada que vive nos EUA e o
outro gradativamente envolvido num romance com uma garçonete que, nas horas
vagas, exerce a função de traficante de maconha. Uma suposta classe popular é,
portanto, também priorizada aqui. O problema conceitual: guarda-costas
franceses não são necessariamente eqüivalentes a uma classe popular, o que
torna as conclusões do filme, conforme dito anteriormente, pré-concebidas,
embasadas muito mais numa ‘doxa’ eurocêntrica que numa perspectiva de
generalização analítico-discursiva para a questão que me apresentou tardiamente
a este filme: as associações imediatas entre “bom gosto artístico” e
determinadas classes sociais.
Para ser sincero,
muito do que estou escrevendo sobre este filme é uma especulação defensiva da
qual faço uso para me esquivar da confissão – afinal, inevitável – de que me
senti plenamente contemplado pela demonstração de que paixões carnais resultam
em amadurecimento intelectual. Por estar realmente apaixonado pela atriz, o
empresário passa a se relacionar consumisticamente com as artes plásticas não
apenas para agradá-la, mas porque realmente começa a gostar das mesmas, de modo
que, ao final, quando ele aplaude entusiasticamente uma peça teatral de Henrik
Ibsen, ele já está tarimbado para entender que aquilo ali não é uma comédia.
Quem me conhece a fundo, sabe bem por que este tema me é tão pessoalmente
relevante: não acredito em (ou melhor, não aceito extra-gramscianamente que
possa haver) aprendizado sem paixão!
Wesley PC>
2 comentários:
O problema é: e se vc se apaixonar por uma pessoa ' burra'? Pode acontecer... e porque o mais 'burro' tem que se adaptar e não o contrário?O lugar onde o dinheiro está nessa relação determina a ação?
Reflexão, reflexão...
Enquanto isso a Elba Ramalho está há 1 ano sem fazer sexo.
rsrsrs
Perfeita reflexão adicional, Américo! Simplesmente perfeita! Intrigado aqui, diante da primeira pergunta. Mas, sabe o que me consola, não acredito em pessoas "burras" que não possam nos ensinar nada... Sempre aparece algo. Talvez eu seja otimista demais, não sei. Coisa de "monogâmicos seriais" (hehehehe)
WPC>
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