sábado, 8 de dezembro de 2012

OFICIALMENTE, PREFERI O FILME, MAS PRECISO (E ME DISPONHO A) REVÊ-LO O QUANTO ANTES!


Assim que vi “Onde Andará Dulce Veiga?” (2007, de Guilherme de Almeida Prado), fiquei tão entusiasmado com a sua beleza defeituosa que escrevi um texto bastante entusiástico acerca do filme (vide aqui), deixando claro que não sou muito fã do escritor do romance original, Caio Fernando Abreu. Tiago Oliveira, um dos amigos mais graciosos que possuo, ao qual dediquei o que senti durante o filme, apaixonou-se perdidamente pelo livro, assim que o tocou, escrevendo, por sua vez, uma belíssima resenha do mesmo, publicada aqui. Graças a ele, corri para ler o livro, para consumir as suas belezas, para me identificar também... Eu me encantei com o filme. Tiago amou o livro e detestou a versão cinematográfica. Ao ler o livro, o achei apenas mediano, não obstante momentos grandiosos, que senti muito bem transmutados em película. Como explicar tamanha divergência de apreciação? Sentindo a arte no coração, apenas assim!

Na opinião de Tiago, o que mais lhe irritou no que tange à adaptação do livro para o cinema foram as eliminações e/ou transmutações de alguns personagens, criminosas segundo ele. De fato, a substituição do amante comunista Saul pelo afetado Raudério, a supressão do amante homossexual Pedro e a eliminação do sedutor cristão Filemon e do travesti adolescente Jacyr foram evidentes, mas, de resto, não apenas considerei a adaptação muitíssimo fiel (juro!) como superior em diversos aspectos. Coerente com o que o escritor e o diretor conversam numa correspondência anexa à reedição atual do livro, aliás.

Eu já comentei que não sou muito fã do Caio Fernando Abreu? Pois bem, incomodo-me com o que, para mim, parece uma forçação de barra homossexual em suas obras e que, neste livro em particular, perde na comparação com o filme, por causa da diferença de apreciação entre narrador literário e cinematográfico: no primeiro caso, a identificação é obrigatória, conforme assinalou Tiaguinho; no segundo, a identificação primária com a câmera permite-nos outras escolhas. Assim sendo, as lamúrias entediadas do protagonista-narrador, animicamente moribundo, foram involuntariamente compensadas pela atuação preguiçosa de Eriberto Leão, que, por um lado, é incapaz de transmutar a dor de existir que persegue o repórter de pelo menos quarenta anos que se desnuda diante de nós o tempo inteiro, por outro, força-nos a avaliar como os defeitos estruturais de uma obra de arte obrigam-nos a compensá-los estruturalmente com a opção hermenêutica dos “atos falhos”, essenciais para a fruição da estética minuciosamente elaborada dos filmes do genial Guilherme de Almeida Prado. A troca da canção de Orlando Silva (”Nada Além”) pela emocionante “Nó” que é entoada no filme também foi positiva em minha opinião [na verdade, ao rever o filme, descobri que o nome da canção é "Meditação", co-escrita por Antônio Carlos Jobim. "Nó" é o nome do disco de Márcia Felácio & as Vaginas Dentatas, que, no livro, se chama "Armagedon"] . Mas, se o desfecho do filme soou incomodamente artificial em seu abraço heterossexual compensatório e elíptico, a grandiloqüência onisciente do desfecho do livro é inequivocamente superior: “se contar tudo, não se esqueça de dizer que eu sou feliz aqui. Longe de tudo, perto do meu canto”, solicita a Dulce Veiga descrita no papel. Por ela, sou obrigado a fazer côro com Tiago, senti muito mais vontade de cantar em primeira pessoa que através do desfecho do filme. E Clarice Lispector dá o tom derradeiro no romance: “Ah Força do que Existe, ajudai-me, vós que chamam de o Deus”. E eu amo, amo, amo... Amo muitíssimo o meu amigo Tiago, inclusive – além de um outro Thiago a quem aproveito para dedicar esta postagem apaixonada e comparativa!

Wesley PC> 

3 comentários:

Tiago de Oliveira disse...

Inicialmente quero dizer que, "oficialmente", não li toda a obra do Caio Fernando Abreu porque, como disse na postagem em meu Blog, senti que estava satisfeito quando algumas coisas já não me tocavam. Entretanto preciso dizer que, o que dele li, se existe, está imperceptível a forçação de barra homossexual. Vide um dos contos que me marcaram profundamente do escritor: "Sapatinhos Vermelhos", que é a solidão em carne-viva e sêmen de uma mulher que se precipita em orgia sexual. Além de outros como: "Paixão segundo o entendimento", "O Coração de Alzira", "Corujas". E os que poderiam ter na opinião de alguém averso à "coisa" homossexual e que, na minha são grandiosos: o conto "Sargento Garcia" (esse é maravilhoso, e é claro que leste Wesley, senão por tudo o que há de sagrado pra vc, leia!), o romance "Onde andará Dulce Veiga?". No primeiro, a descoberta do sexo e da dor de existir, e no segundo (eu). Em ambos, a homossexualidade de seus personagens, não são apenas detalhes, mas determinantes de vida, tendo em vista o tal contexto social. Mas em ambas as obras, o SER SOZINHO é mancha escura escura irrecuperável e inapagável do livro precioso da vida.
A solidão, me parece, é o tema que está sem estar em toda a obra do Caio F. Abreu (me arriscando porque não li, repito, toda a sua obra). É a solidão no breu da vida, me parece, que o obrigou a escrever. Mas ainda quanto à forçação de barra homossexual, Wesley (NÃO VOU TE ODIAR POR ISSO, MEU NEGO, TE QUIEROOO), por exemplo a própria Clarice, não recordo em nenhum momento de sua literatura um conto sequer que tratasse de algum homossexual, o que, evidentemente não a classifica como uma escritora que forçou uma barra heterossexual. Nem você nem eu lemos toda a obra de Caio F. Abreu, por isso o cuidado necessário. Concordo com o que diz sobre o sentir a arte, senão não seríamos nós (graças a Deus, somos), mas a não ser o aspecto estético do filme, em nada fui tocado, juro. Para mim houve sim uma forçação de barra heterossexual pesada no filme. E não apenas pelo assassinato criminoso de personagens-metáforas, mas pela tentativa de morte do sentir da obra(livro) no filme. Fiquei um tanto decepcionado, mas ao contrário do que falam, para o Guilherme, o passado o absolve.
Quanto a você, o amor e a inteligência o libertam. Hoje rola Cecine?

Gomorra disse...

"Quarta-feira de Cinzas", conto do Caio, é, para mim, a sua obra-prima. Li pouco dele (MORANGOS MOFADOS + alguns textos esparsos) e me incomodou o aspecto que destaquei, mas entendo e aprecio e muito a tua adesão defensiva à pujança passional das obras deste grande artista consumido pela criação induzida de uma "peste 'gay'" oportunista... Digo o mesmo acerca de "Sargento Garcia", maravilhoso em texto e em curta-metragem adaptado a partir dele!

Sim, hoje rola CECINE, sim existem assassinatos do livro em relação ao filme e sim, e acho que foi tudo consentido pelo autor, conforme fica evidente na correspondência publicada ao final do livro... Mas o desfecho sublime do último só reforça o quanto tu tens razão no destaque do tema da SOLIDÃO, que é sim, caro ao universo do Caio... Tem um filme do Sérgio Bianchi, chamado ROMANCE, em que ele surge vivo e dominante. Recomendo uma sessão em grupo: com muito amor heterodoxo como está que há prenhe em nós!

Obrigado pro existires e pensares e sentires, Tiago do céu e da Terra e do meu coração! (WPC>)

Gomorra disse...

PS: por mais que, de fato, possa haver uma "forçação de barra heterossexual" no filme (hehehehehe), o universo de neón não deixa que ela se instale: a peça do Alberto Veiga e o vizinho argentino michê tesudo que o digam e mostrem! (WPC>)