domingo, 28 de outubro de 2012

“OS VERDADEIROS GÊNIOS COSTUMAM DEIXAR MAIS DE UM TIPO DE VIÚVAS”...

Nunca tinha ouvido falar de “Para Não Falar de Todas Essas Mulheres” (1964), filme que o genial cineasta sueco Ingmar Bergman realizou entre a sua famosa “Trilogia do Silêncio” [composta por “Através de um Espelho” (1961), “Luz de Inverno” (1962) e “O Silêncio” (1963)] e a obra-prima “Persona – Quando Duas Mulheres Pecam” (1966). Tive acesso a esta produção inusitada casualmente, vasculhando a programação de TV, enquanto tentava aplacar uma agonia que me asfixiava: não ter com quem conversar ‘in loco’. E, para meu espanto e pretenso conforto, o filme era uma comédia colorida e não um angustiante e maravilhoso filme experimental, conforme eu esperava...

 Na verdade, rejeitar a chancela de experimental a qualquer produção bergmaniana é uma injustiça: o filme é muitíssimo diverso de qualquer coisa que ele tenha realizado (ou que, pelo menos, eu tenha visto até então), sendo uma mistura de “As Mulheres” (1939, de George Cukor) com o estilo paródico em relação ao cinema mudo contido nalgumas ‘gags’ da primeira fase do cinema de Woody Allen. Admitirei de antemão: não estava apreciando muito o filme durante a sua projeção (até porque estava sonolento), mas, assim que a sessão findou e eu comecei a juntar as peças do enredo, constatei não apenas que o filme era genial como me contemplava pessoalmente, em razão dos chistes percucientes acerca da função do crítico de arte e, por extensão, do gênio artístico.

 Logo no início, uma citação goetheniana genial: “gênio é aquele que faz o crítico mudar de idéia”. Assim comenta alguém durante o funeral de uma grande violoncelista, que recebe o vaticínio “a mesma pessoa, porém diferente” das várias mulheres que o amaram em vida e que ainda sentem a sua falta após a morte. Subitamente, um intertítulo aparece na tela e passa a narrar o que houve quatro dias antes da morte do artista, quando o crítico e pretendido biógrafo acabara de chegar à sua residência, e o confunde com seu mordomo, visto que “ambos são muito parecidos”. Tal qual o filme cukoriano citado, o rosto do músico não aparecerá em nenhum momento do filme, mas, ainda assim, ele será perfeitamente compreendido a partir das várias mulheres que o cercam, todas com temperamentos fortíssimos e rebatizadas com nomes de personagens de óperas: há a esposa compreensiva com o arremedo de poligamia do marido, a empregada encantada, a mulher mais velha que o aceitara como gigolô, etc., e as piadas (visuais) se amontoam enquanto isso...

 Interpretado afetadamente por Jarl Kulle, o crítico Cornelius incomoda por seu histrionismo, mas, gradualmente, conquista o meu afeto, por realmente acreditar na função que desempenha, ou seja, a perpetuação da fama de um artista após a sua permanência física na Terra. Falar mais sobre o filme, por ora, não me é possível, visto que adormeci durante a sessão (em algumas cenas pontuais, para ser preciso), mas, como sei que ele será reapresentado no dia seguinte a esta sessão que tive o prazer (pouco compreendido, de início) de conferir, já estou ansioso pela segunda e definitiva sessão. Definitivamente, Ingmar Bergman é um destes seres geniais, que tornam verídicas tanto a piada que intitula esta postagem quando a citação goetheniana que me tomou particularmente de assalto. E, como diz a advertência inicial do filme, “qualquer semelhança entre este filme e aquilo que chamam de vida real não passa de mero absurdo”. E viva os absurdos!

 Wesley PC>

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