domingo, 27 de maio de 2012

FALTOU A MENÇÃO LITERAL À “ALMA AGRESTE”, MAS, MESMO ASSIM, É UM FILME MUITO MELHOR DO QUE EU ESPERAVA... OU POBRE MADALENA?

Depois de passar quase um mês sem falar comigo, por causa de um desentendimento bobo, uma amiga recém-divorciada me telefonou ontem à tarde, dizendo que queria ver um filme comigo. Ela disse que eu poderia escolher o filme que quisesse. Como eu lembrei que o casamento dela havia ruído por causa de ciúme doentio, de ambas as partes, “São Bernardo” (1972, de Leon Hirszman) me pareceu uma excelente opção. Não havia visto o filme ainda – e olha que o DVD estava em minha casa faz tempo – mas já li o livro do Graciliano Ramos e digo sem medo: é um dos meus favoritos, daqueles que devastam a alma!

Pois bem, magnificamente narrado pelo magistral Othon Bastos, fiquei aguardando o momento em que o ator recitaria o meu versículo preferido do livro, quando o protagonista menciona a sua alma agreste, mas este não veio: ao invés de fazer o intérprete de Paulo Honório pronunciá-lo, o genial diretor Leon Hirszman preferiu inocular o tal versículo em imagens e sons, incluindo nesta segunda categoria a experimental e excelente trilha sonora do Caetano Veloso. Mas o que impressiona mesmo no filme é o seu excelente roteiro, quase melhor que o livro em sua fidelidade rítmica. Numa cena genial, por exemplo, a personalidade mandatária do protagonista é descrita num excelente excerto: “quando eu cheguei aqui, escutava o tique-taque do relógio. Agora não ouço nada. Poderia levantar e dar corda no relógio, mas nem isso eu consigo fazer”... Glupt!

Eu e meus três companheiros de sessão fomos igualmente afligidos pelo filme. O seu trecho final, em que o ciúme e a malevolência do protagonista são justificados por sua adesão a um trabalho desumanizador não apenas é genial, como já era no livro original, como permite que seu diretor politicamente conscientizado contamine-nos com a crise existencial que aflige Paulo Honório em sua solidão. Ele adquire uma tardia consciência de classe, mas não dá mais tempo para corrigir a maioria dos seus erros, dos quais ele não se arrepende. “Se Madalena estivesse viva, eu poderia recomeçar... Mas faria tudo de novo, do mesmo jeito!”, confessa ele, num auge de sobriedade dolorosa que é tudo, menos auto-evidente: que o diga a cena em que ele propõe casamento à personagem de Isabel Ribeiro, como se fosse um mero acordo pecuniário, “em que esperar um ano é garantia de que o negócio não presta”! Impossível sair emocionalmente ileso daquela sessão... e sim, eu senti culpa: conheço uma Madalena na vida real. É a namorada atual do meu amigo recém-divorciado. Tremo só de pensar como ela ficaria caso, um dia, visse este filme! Tomara que eu tenha coragem de enfrentar esse estado de nervos antes que seja tarde demais...

 Wesley PC> 

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